Quinta, 27 de novembro de 2014
Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal negou
provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 658312, com repercussão geral
reconhecida, e firmou a tese de que o artigo 384 da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) foi recepcionado pela Constituição da República de 1988. O
dispositivo, que faz parte do capítulo que trata da proteção do trabalho da
mulher, prevê intervalo de no mínimo 15 minutos para as trabalhadoras em caso
de prorrogação do horário normal, antes do início do período extraordinário.
Fonte: STF
O RE foi interposto pela A. Angeloni & Cia. Ltda.
contra decisão do Tribunal Superior do Trabalho que manteve condenação ao
pagamento, a uma empregada, desses 15 minutos, com adicional de 50%. A
jurisprudência do TST está pacificada no sentido da validade do intervalo.
A argumentação da empresa era a de que o entendimento da
Justiça do Trabalho contraria dispositivos constitucionais que concretizam a
igualdade entre homens e mulheres (artigos 5º, inciso I, e 7º, inciso XXX) e,
consequentemente, fere o princípio da isonomia, pois não se poderia admitir
tratamento diferenciado apenas em razão do sexo, sob pena de se estimular a
discriminação no trabalho. No julgamento, realizado nesta quinta-feira, a
Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e a Federação Brasileira de
Bancos (Febraban) atuaram na condição de amici curiae, seguindo a mesma
linha de fundamentação da empresa.
Relator
O ministro Dias Toffoli, relator do RE, lembrou que o
artigo 384 faz parte da redação original da CLT, de 1943. “Quando foi
sancionada a CLT, vigorava a Constituição de 1937, que se limitou, como na
Constituição de 1946, a garantir a cláusula geral de igualdade, expressa na
fórmula ‘todos são iguais perante a lei’”, afirmou. “Nem a inserção dessa
cláusula em todas as nossas Constituições, nem a inserção de cláusula
específica de igualdade entre gênero na Carta de 1934 impediram, como é sabido,
a plena igualdade entre os sexos no mundo dos fatos”.
Por isso, observou o ministro, a Constituição de 1988
estabeleceu cláusula específica de igualdade de gênero e, ao mesmo tempo,
admitiu a possibilidade de tratamento diferenciado, levando em conta a
“histórica exclusão da mulher do mercado de trabalho”; a existência de “um
componente orgânico, biológico, inclusive pela menor resistência física da
mulher”; e um componente social, pelo fato de ser comum a chamada dupla jornada
– o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no trabalho – “que, de fato, é
uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da
norma”, afirmou.
O votodo relator ressaltou que as disposições constitucionais e
infraconstitucionais não impedem que ocorram tratamentos diferenciados, desde
que existentes elementos legítimos para tal e que as garantias sejam
proporcionais às diferenças ou definidas por algumas conjunturas sociais. E,
nesse sentido, avaliou que o artigo 384 da CLT “trata de aspectos de evidente
desigualdade de forma proporcional”. Ele citou o prazo menor para
aposentadoria, a cota de 30% para mulheres nas eleições e a Lei Maria da Penha
como exemplos de tratamento diferenciado legítimo.
Toffoli afastou ainda os argumentos de que a manutenção do
intervalo prejudicaria o acesso da mulher ao mercado de trabalho. “Não parece
existir fundamento sociológico ou mesmo comprovação por dados estatísticos a
amparar essa tese”, afirmou. “Não há notícia da existência de levantamento
técnico ou científico a demonstrar que o empregador prefira contratar homens,
em vez de mulheres, em virtude dessa obrigação”.
Seguiram o voto do relator os ministros Gilmar Mendes,
Celso de Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
Divergência
Divergiram do relator, e ficaram vencidos, os ministros
Luiz Fux e Marco Aurélio. Para Fux, o dispositivo viola o princípio da
igualdade, e, por isso, só poderia ser admitido nas atividades que demandem
esforço físico. “Aqui há efetivamente distinção entre homens e mulheres”,
afirmou. “Não sendo o caso, é uma proteção deficiente e uma violação da
isonomia consagrar uma regra que dá tratamento diferenciado a homens e
mulheres, que são iguais perante a lei”.
No mesmo sentido, o ministro Marco Aurélio afirmou que o
artigo 384 “é gerador de algo que a Carta afasta, que é a discriminação no
mercado de trabalho”. Os dois ministros votaram no sentido de dar provimento ao
recurso para reconhecer a inconstitucionalidade do artigo 384.