Sábado,
15 de agosto de 2015
Do
Correio da Cidadania
http://www.correiocidadania.com.br/
Escrito
por Valerio Arcary
Fui atingido por um
tsunami de rancor contra o Zé Dirceu. Há muita gente, realmente, que o odeia.
Falam dele como o abominável.
Nos lugares mais
inusitados: no laboratório em que fui fazer exames de sangue; na padaria que
frequento; até no Palmeiras!
Imagino que no mundo dos
executivos das grandes empresas, os mesmos que estão dando ordens para enxugar
gastos e demitir milhares de funcionários, devem estar comemorando.
Eu não tenho, tampouco,
qualquer simpatia pelo Zé Dirceu que está preso em Curitiba. Ele me desperta
aversão, até repulsa. Mas por razões opostas às das classes médias
reacionárias.
Por razões incompatíveis
com as dos grandes capitalistas que o identificam como um dos organizadores do
PT entre 1982 e 1989.
As pessoas mudam. Mudam
aos poucos. E mudam muitas vezes para pior. Ficam irreconhecíveis.
Eu não gosto do consultor
Zé Dirceu que faturou dezenas de milhões de reais, porque respeito o Zé Dirceu
que chegou à vida adulta, vindo de Passa Quatro, no interior de Minas, para ser
uma das principais lideranças do movimento estudantil de 1968.
Eu admiro o jovem que foi
preso em Ibiúna no Congresso da UNE ao lado de centenas de outros: eram os
melhores entre os melhores. Quem não consegue admitir esse lugar de Zé Dirceu
na história não comete somente uma injustiça, é um idiota.
Reconheço o valor e aprecio
a coragem do homem que voltou clandestino para o Brasil nos anos 70.
Conheci-o quando ele se
uniu à construção do PT no início dos anos 80 para tentar impedir que a classe
operária fosse manipulada pelos liberais do PMDB e PDT que queriam apoiar a transição
lenta e segura. Nós queríamos derrubá-la. Era sincero e honesto, ainda que
muito ambicioso, um defeito, frequentemente, desvalorizado, o que é um erro.
O Zé Dirceu que eu conheci
e com quem convivi ainda era um socialista. Mas já não era mais o
revolucionário de 1968. Era um reformista, essencialmente,
social-democratizante, com uma inclinação pela classe operária, que acreditava
na possibilidade de, através do regime democrático eleitoral, chegar ao governo
e fazer reformas concertadas com a classe dominante brasileira.
Era também um campista.
Acreditava na ideologia elaborada pelo estalinismo: a visão de um mundo
dividido em dois campos, o capitalista e o socialista. Reconhecia ainda a URSS,
a China e, sobretudo, Cuba como as retaguardas estratégicas da luta contra o
imperialismo.
Não compreendia, portanto,
o que é o internacionalismo. Por isso, ficou completamente desnorteado com a
queda do Muro de Berlim e a dissolução da URSS.
Não tínhamos acordo neste
projeto. Eu nunca acreditei nesta utopia do reformismo cordial lulista.
Foi por isso que fui
expulso do PT em 1992, quando representava a Convergência Socialista na
Executiva Nacional, sob a acusação fantasiosa de não respeitarmos o estatuto
interno.
O pretexto foi a campanha
pública pelo Fora Collor que a maioria da direção lulista, sob a coordenação de
Zé Dirceu, se recusava a assumir. Só o fizeram depois das manifestações
estudantis com dezenas de milhares em agosto de 1992. Chegaram atrasados. Não
fosse o bastante, aceitaram a posse de Itamar Franco, em respeito à
Constituição.
Posso testemunhar, porque
fomos sempre adversários políticos irreconciliáveis ao longo dos doze anos em
que militamos juntos no PT, que o Zé Dirceu orgulhoso, assertivo, frontal, até
um pouco pomposo, foi sempre um inimigo leal. Ou seja, dizia o que pensava,
lutava de frente, assumia os riscos por suas posições e respeitava os seus
adversários.
O Zé Dirceu que está preso
em Curitiba é um outro homem.
Foi o primeiro-ministro do
governo Lula e, para garantir a governabilidade de Lula, articulou-se com as
mais degeneradas legendas de aluguel que a burguesia brasileira construiu para
representá-la.
O “reformismo quase sem
reformas”, o lulismo que destruiu o PT por dentro, decidiu “jogar o jogo pelas
regras do jogo”. Acreditou, inocentemente, que poderia fazer o mesmo que Sarney
fez, que Itamar fez, que FHC fez e escapar impune. Acreditou que “estava
podendo”.
Mas a regra é clara. Não
podia. Para ganhar eleições e governar o PT foi atrás da grana onde ela está:
nos cofres das grandes empresas. Por dentro e por fora. Doações declaradas e
outras pelo caixa dois.
Uma fração burguesa mais
reacionária comemora ver o menino de Passa Quatro, o militante revolucionário
de Ibiúna, na cadeia.
Só que não. Prenderam o
homem errado. O militante de Ibiúna não pode ser preso, miseráveis! Ele já
morreu.
Tudo sugere que o homem
que o sacrificou se chama, também, Zé Dirceu, e cometeu crimes. As instituições
do regime democrático burguês, que ele tanto defendeu, vão julgá-lo.
Possivelmente, condená-lo. Como não é mais réu primário poderá permanecer preso
por muitos anos.
Claro que será um
julgamento político. E tudo indica que ele se descobrirá sozinho e traído. Até
a máquina política deformada que ele construiu, e que tanto se beneficiou de
sua capacidade de trabalho, o abandona. Este Zé Dirceu será esquecido.
Zé Dirceu não tem a minha
clemência. Não haverá perdão para o mal que ele fez à esquerda brasileira.
Manchou a bandeira da causa socialista. O maior de todos os seus crimes foi ter
deixado morrer aquele jovem audacioso, valente, destemido e talentoso que
assumiu a frente na luta da USP na Maria Antônia em 1968. Este Zé Dirceu, pelos
que virão, será lembrado para sempre.