Quinta,
2 de agosto de 2015
Pedro
Peduzzi - Repórter da Agência Brasil
A rede de lanchonetes McDonald's não
vende apenas fast food. Exporta também um modelo empresarial que,
se por um lado, resulta em lucros bilionários, por outro, é apontado como mau
exemplo de relações trabalhistas e prejuízo para cofres públicos. O alerta será
feito hoje (20) pelo diretor de Campanhas Globais do Sindicato Internacional de
Trabalhadores em Serviços (Seiu, a sigla em inglês), Scott Courtney, durante
audiência pública no Senado.
“Pelo peso que o Brasil tem em termos
mundiais, acredito que essa audiência representará o ponto de partida para
maior conscientização sobre os problemas dessa rede não só para o Brasil, mas
para todo o mundo”, disse Courtney ontem (19), em entrevista exclusiva à Agência
Brasil. Nesse sentido, acrescentou, que o Brasil é estratégico não só por
ser uma grande economia, mas por ter um modelo a ser seguido em termos de
legislação trabalhista. “Com sua posição de destaque, o Brasil certamente nos
ajudará a ampliar ainda mais o corpo das nossas campanhas de esclarecimento
sobre os problemas trabalhistas que estão por trás do McDonald's e, dessa
forma, encorajar as autoridades a enfrentar essa corporação.”
Courtney participa em Brasília do 1°
Congresso Internacional dos Trabalhadores em Redes de Fast Food. O evento
reúne, segundo os organizadores, 80 estrangeiros, entre trabalhadores, líderes
sindicais e parlamentares de 20 países. Nas trocas de experiências neste e em
eventos anteriores, Courtney chegou à conclusão que, por ser líder de mercado,
a rede McDonald's não só “educa mal” as empresas do setor de alimentação, mas
também propaga uma flexibilidade negativa nas leis e nas relações trabalhistas
de outros países.
"Capitalismo canibal"
“Nossa preocupação é evitar que os
Estados Unidos exportem sua forma errada de conduzir as relações trabalhistas
para outras países. Diferentemente do Brasil, nos EUA há, por exemplo, a
possibilidade de se contabilizar como hora salário apenas os momentos em que há
fregueses nos estabelecimentos, o que é feito pelo McDonald's. É o que chamo de
'capitalismo canibal'. Isso acaba sendo copiado por outras empresas. O
McDonald's dá o tom para indústrias de vários setores e, com isso, aumenta o
risco de piorar a situação de trabalhadores em países cujas leis trabalhistas
não são tão avançadas quanto às do Brasil”, disse o norte-americano.
Ele destacou, no entanto, que a briga
com o McDonald's já resultou na melhora da situação de trabalhadores
norte-americanos, chegando ao ponto de o assunto ser abordado durante as
campanhas presidenciais que elegeram Barack Obama. Na época, o carro-chefe do
Seiu foi a mobilização chamada #FightFor15, na qual os funcionários da rede de
lanchonetes pediam um pagamento mínimo de US$ 15 por hora trabalhada. “Obama
apoiou, em sua primeira eleição presidencial, US$ 9, valor que depois, na
reeleição, passou para US$ 15.”
Segundo o sindicalista
norte-americano, ao pagar baixos salários, a rede causa prejuízos também aos
cofres públicos. “Um estudo feito nos EUA concluiu que os baixos salários pagos
pelo McDonald's fazem com que o governo norte-americano tenha de desembolsar, a
cada ano, US$ 1,7 bilhão com subsídios de programas sociais, pagos
exclusivamente a funcionários da empresa”. Além de pagar mal, disse ele, a rede
usa paraísos fiscais para evitar o pagamento de impostos. “Na Europa, as
evasões fiscais praticadas entre 2009 e 2013, por conta de paraísos fiscais
como o de Luxemburgo, chegaram a 1,2 bilhão de euros”, informou.
Alerta
Courtney antecipou que, na audiência
de hoje no Senado, fará um alerta aos parlamentares sobre os riscos que a
terceirização de serviços representa para o Brasil. “As tentativas de
terceirização serão um passo que o Brasil dará na direção do que é praticado
por empresas como a rede McDonald's. Mudanças nas leis trabalhistas não podem
ser feitas rapidamente, mas de pouco em pouco. Não há dúvida sobre a influência
que o modelo McDonald's tem para que essas mudanças ocorram, no sentido de
tornar as leis trabalhistas mais flexíveis, prejudicando os direitos dos
trabalhadores.”
Para ele, no Brasil, o McDonald's tem
cometido violações rotineiramente, tanto com seus trabalhadores quanto com seus
franqueados. “No Paraná, foram encontradas crianças entre 14 e 16 anos
exercendo atividades insalubres, com risco de queimaduras em fritadeiras e
chapas quentes, além da limpeza de banheiros. Situações similares foram identificadas
nos EUA, onde funcionários eram inclusive orientados a colocar mostarda nas
queimaduras. Em Pernambuco, foram feitas denúncias trabalhistas contra a
empresa, obrigando-a a assinar vários termos de ajustes de conduta. O
McDonald's, no entanto, nunca os cumpriu.”
Em relação aos problemas na relação
da empresa com suas franqueadas, Courtney afirmou que o modelo utilizado é
muito rígido e impõe regras e cobranças abusivas. "É uma relação
hierárquica muito forte, que dá pouca manobra às franqueadas. Isso não é
desejado em acordos entre empresas porque, entre outras coisas, as obriga a dar
exclusividade para a compra de diversos produtos, como tomates e batatas”.
Procurada pela Agência Brasil,
a assessoria do McDonald's informou que respeita seus funcionários e que tem
“absoluta convicção” do cumprimento da legislação. Em nota, disse que a empresa
tem “orgulho de ser a porta de entrada de milhares de jovens no mercado de
trabalho” e que suas práticas laborais “são premiadas e reconhecidas pelo
mercado”.
A rede informou ainda que, inclusive,
já recebeu o selo Primeiro Emprego do Ministério do Trabalho e que recentemente
foi premiada como a 13ª Melhor Empresa para Trabalhar, pelo Great Place to
Work. “Nossos funcionários recebem treinamento contínuo, tanto para as funções
operacionais quanto para valores como trabalho em equipe, comunicação,
liderança e hospitalidade. Em mais de três décadas de Brasil, a empresa já
capacitou mais de 1,5 milhão de pessoas.”
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Leia também:
Uma derrota da Civilização
No ano de 2002, fecharam as portas os oitos
restaurantes McDonald´s na Bolívia.
Apenas cinco anos durou essa missão
civilizadora.
Ninguém a proibiu. Aconteceu simplesmente
que os bolivianos lhes deram as costas, ou melhor, se negaram a dar-lhes a
boca. Os ingratos se negaram a reconhecer o gesto da empresa mais exitosa do
planeta, que desinteressadamente honrava o país com sua presença.
O amor ao atraso impediu que a Bolívia se
atualizasse com a comida de plástico e os vertiginosos ritmos da vida moderna.
As empadas caseiras derrotaram o progresso.
Os bolivianos continuam comendo sem pressa, em lentas cerimônias, teimosamente
apegados aos antigos sabores nascidos no fogão familiar.
Foi-se embora, para nunca mais, a empresa
que no mundo inteiro se dedica a dar felicidade paras as crianças, a mandar
embora os trabalhadores que se sindicalizam e a multiplicar os gordos.
(Eduardo Galeano, no livro Os filhos dos
dias. 2ª ed. Editora L&PM)
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