Do MPF
Para
Janot, identidade sexual está ligada à dignidade da pessoa humana e aos
direitos da personalidade; transgêneros não podem ser proibidos de usar
banheiro do gênero com o qual se identificam
Com objetivo de proteger os direitos à identidade, à
igualdade, à não-discriminação e o princípio da dignidade da pessoa humana, o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defende que transgêneros não
podem ser proibidos de usar banheiros públicos do gênero com o qual se
identificam. Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), Janot
sustenta que “impedir que alguém que se sente mulher e se identifica como tal
de usar o banheiro feminino é, sem dúvida, uma violência.”
A manifestação refere-se ao recurso extraordinário (RE)
845.779/SC, em que a recorrente Ama (nascida André dos Santos Filho), afirma
que, ao entrar no banheiro feminino do Beiramar Shopping, em Santa Catarina,
como sempre faz em locais públicos, foi abordada por uma funcionária que a
forçou sair do recinto, argumentando que sua presença causaria constrangimento
às outras mulheres. Impedida de usar o banheiro e por estar nervosa, Ama não
conseguiu controlar suas necessidades fisiológicas. Como indenização, pede R$
15 mil pelos danos morais sofridos.
Ela recorreu à Justiça, mas o Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina não admitiu seu recurso contra decisão da Terceira
Câmara Cível do Tribunal local, fazendo com que ela recorresse ao STF. O caso,
por envolver indenização por dano moral, impossibilitaria o reconhecimento da
repercussão geral na Corte, ou seja, que o entendimento firmado servisse para
outros casos similares. No entanto, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do
caso, entendeu que há essa repercussão por envolver discussão sobre o alcance
dos direitos fundamentais das minorias, uma das missões das Cortes
Constitucionais Contemporâneas. Além disso, o STF aponta que o acontecimento
não é um caso isolado.
Dignidade - “A demanda pelo reconhecimento de direitos dos
cidadãos que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, travestis ou
transgêneros consolida-se em escala global, caracterizando-se como nova etapa
na afirmação histórica dos direitos humanos”, argumenta Janot, que complementa:
“A 'orientação sexual' e a 'identidade de gênero' são essenciais para a
dignidade e a humanidade de cada pessoa e não devem ser motivo de discriminação
ou abuso.”
“Impedir o uso do banheiro feminino é o mesmo que negar,
individual e socialmente, a identidade feminina da recorrente, violando-se,
assim, o seu direito a uma vida digna”, sustenta. Janot complementa com
argumento da Tese de Repercussão Geral – Tema 778: Não é possível que uma
pessoa seja tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se
identifica e se apresenta publicamente, pois a identidade sexual encontra
proteção nos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana
previstos na Constituição Federal.
Indenização - Segundo Janot, é inegável o direito à
reparação do dano moral sofrido pela recorrente. “O dever de indenizar é, sem
dúvida, uma forma de revisar uma política e, assim, assegurar que a recorrente,
vítima de violação de direitos fundamentais por motivo de identidade de gênero,
tenha acesso a medidas corretivas plenas. É cabível a condenação do
estabelecimento comercial a pagamento por dano moral, quando houver abordagem
de transgênero que vise a constranger a pessoa a utilizar banheiro do sexo
oposto ao qual se dirigiu, por identificação psicossocial”, defende.
Direitos reconhecidos – No parecer, o procurador-geral
argumenta que já foram reconhecidos no Brasil outros direitos à população trans
- ou seja, as pessoas que têm identidade ou expressão diferente da atribuída no
nascimento -, como a adoção, o serviço às forças armadas e a alteração de
registro de quem realizou a cirurgia de transgenitalização. Para sustentar a
manifestação, Janot baseou-se nos Princípios de Yogykarta, na declaração
Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis, da
Convenção Americana de Direitos Humanos e da Convenção Interamericana contra
Toda Forma de Discriminação e Intolerância, além de resoluções nacionais.
Em janeiro deste ano, foi editada a Resolução 12 do
Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de
Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais, que traz orientações sobre o uso do
nome social oralmente, em formulários e sistemas de informação, nos espaços de
ensino e em documentos oficiais. Além disso, a resolução recomenda
expressamente a garantia do uso de banheiros, vestiários e demais espaços
segredados por gênero, de acordo com a identidade de cada pessoa.
Outra conquista aconteceu em maio de 2015, quando foram
assinadas duas resoluções com normas e diretrizes para garantir os direitos da
população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais que estão no
sistema prisional do Rio de Janeiro. Os documentos garantem o direito à
autodeterminação de gênero no momento do ingresso no sistema penitenciário,
sendo vedada a transferência de cela ou de ala em função da orientação sexual
ou identidade.
Papel do Judiciário – O PGR reconhece que é necessária a
adoção de políticas públicas para eliminar ou, ao menos, reduzir as violações
da integridade e dignidade dos transgêneros. “Isso não significa, contudo, que,
enquanto não implementadas tais políticas, as atuais práticas causadoras de
danos morais ou pessoais aos transgêneros devam ser mantidas impunes, sobretudo
quando reconhecido que a realidade cultural e social do país tem constantemente
levado os indivíduos a lesar direitos fundamentais relativos à dignidade e à
integridade física e psíquica dessas minorias.”
“Violações de direitos humanos que atingem pessoas em
decorrência de sua orientação sexual ou identidade de gênero, real ou
percebida, constituem um padrão consolidado, que causa sérias preocupações que
não podem ser ignoradas pelo Poder Judiciário brasileiro. Essas violações
incluem execuções extrajudiciais, tortura e maus-tratos, detenção arbitrária,
negação de oportunidades de emprego e educação, agressões sexuais, estupro e
invasão de privacidade. Não bastasse isso, as violações são frequentemente
agravadas por outras formas de violência, ódio, discriminação e exclusão”, podera.