Do MPF
Empresa
lançou música “Um tapinha não dói” que, segundo decisão judicial, incita
violência
A 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
(TRF4), por voto de desempate, deu provimento a recursos do Ministério Público
Federal (MPF) e da ONG Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero e
condenou a Furacão 2000 Produções Artísticas Ltda ao pagamento de R$ 500 mil de
multa pelo lançamento da música "Um tapinha não dói". A decisão
reforma sentença da 4ª turma do Tribunal e atende em parte pedido de ação civil
pública (ACP) movida pelo MPF e pela Themis em dezembro de 2002.
Desde o início da tramitação do processo, a questão
provocou muita polêmica. Tudo começou quando a Themis encaminhou representação
ao MPF defendendo que as músicas "Tapa na Cara", do CD intitulado
Pagod'art, da Gravadora Sony Music, e "Um tapinha não dói", do volume
2 da série de CD's Tornado Muito Nervoso, da Furacão 2000, banalizam a
violência contra a mulher, transmitem uma visão preconceituosa contra a imagem
da mulher e de seu papel social e as dividem em boas ou más conforme a conduta
sexual. Também ressaltou que, na época, as músicas eram amplamente divulgadas
pela televisão aberta, inclusive em programas com grande audiência do público
infanto-juvenil.
Após instauração de inquérito, o MPF ajuizou ACP exigindo
que Sony e Furacão 2000 pagassem indenização por danos morais pela violação dos
direitos fundamentais, da honra e da imagem das mulheres e, também, da
dignidade da pessoa humana, previstos na Constituição. Também considerou
violados os direitos humanos previstos na Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do
Pará), da qual o Brasil é signatário. O MPF apontou que os limites de liberdade
de expressão começam pelo respeito aos princípios fundamentais da Constituição.
E, no caso de enfrentamento de dois direitos fundamentais, deve prevalecer o da
dignidade humana.
A Instituição ainda pedia a responsabilização da União,
que tem o dever de estimular os meios de comunicação a estabelecer diretrizes
para erradicar a violência contra a mulher. “Músicas como 'Tapa na Cara' e 'Um
tapinha não dói' enfraquecem toda e qualquer política governamental de respeito
à dignidade da mulher, que há muito vem lutando para romper com o estigma de
inferioridade e até subordinação em relação ao homem”, escreveu o MPF na ação.
Em primeira instância, o pedido foi parcialmente atendido
pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul, que julgou improcedente as
responsabilidades atribuídas à Sony e a União, mas condenou a Furacão 2000 ao
pagamento da multa de R$ 500 mil. A produtora recorreu e teve a decisão
revertida, por maioria, na 4ª turma do TRF4.
O MPF interpôs embargos infringentes e, por voto de
desempate, viu a sentença ser reformada novamente, com a reaplicação da multa.
Segundo o desembargador federal Luiz Alberto d’Azevedo Aurvalle, cujo entendimento
prevaleceu, a difusão das músicas contribui para o reforço de uma situação de
vulnerabilidade social. O magistrado citou a necessidade de existência da Lei
11.340/2006, conhecida como Maria da Penha, para ressaltar o cenário de
violência doméstica no Brasil: “Até mesmo uma lei especial e investimentos de
conscientização foram e são necessários porque persiste enraizada na sociedade
brasileira inconcebível violência contra a mulher".
Para ele, as músicas são incitação à violência de gênero
ou aval a condutas criminosas e transmitem a jovens e público em geral a noção
errônea de que a regra é que mulher gostar de sofrer. Ainda defendeu que mesmo
o repúdio geral à censura não implica irrestrita possibilidade de divulgação e
comunicação de tudo. “Deve-se ponderar todos os demais direitos fundamentais,
sob pena de o cidadão ficar refém de mídia onipotente, visando apenas ao lucro,
sem o cumprimento de escopos coletivos, insculpidos em tratados internacionais,
na Constituição Federal e em diplomas legais”, afirmou.
Da decisão, ainda cabem recursos.
Acompanhe o processo: