Domingo, 6 de dezembro de 2015
Alana Gandra - Repórter da Agência Brasil
A população brasileira aprova a ideia que empresas que fabricam
produtos que causam mal à saúde, como agrotóxicos e tabaco, devem
ressarcir o Sistema Único de Saúde (SUS) pelos gastos com o atendimento
das pessoas afetadas, de acordo com uma pesquisa encomendada ao
Instituto Datafolha pela organização não governamental Aliança de
Controle do Tabagismo e Saúde (ACT+). Dois projetos de lei em tramitação
no Congresso Nacional têm uma temática que se aproxima dessa proposta,
embora seja especificamente ligada à indústria do tabaco. Um dos
projetos criaria um novo imposto para o setor e o outro um fundo, em
ambos os casos os recursos seriam direcionados para o tratamento de
doentes vítimas do tabagismo atendidos pelo SUS.
A ACT+ tem foco
no controle do tabagismo e das doenças crônicas não transmissíveis
(DCNTs), entre as quais se incluem doenças circulatórias, respiratórias
crônicas, câncer e diabetes, cujos principais fatores de risco são
tabagismo, álcool, inatividade física e alimentação não saudável.
Foram
entrevistadas 2.041 pessoas maiores de 16 anos de idade em todas as
regiões brasileiras. Os resultados apurados mostram que 79% dos
consultados concordam que a indústria de agrotóxicos deveria ressarcir o
SUS por doenças derivadas do consumo desses produtos; 70% têm a mesma
posição em relação à indústria do tabaco; e 63% quanto à indústria de
bebidas alcoólicas. No que se refere às bebidas industrializadas, como
as açucaradas, e aos alimentos processados do tipo fast-food, o percentual é 53%.
“Eles
entendem que isso onera o sistema de saúde. Uma das grandes
preocupações do consumidor é com a qualidade do atendimento de saúde. Há
uma compreensão de que aquelas indústrias causam um ônus para a
sociedade, que é compartilhado por todos. A gente está financiando uma
coisa que quem causou dano foram elas [empresas], porque o usuário dos
produtos já está pagando isso como imposto embutido. O Estado fica só
com o ônus. Na hora que a doença está estabelecida, quem paga a conta é o
Estado”, disse a diretora executiva da ACT+, Paula Johns. Ela salientou
que o ônus ocorre tanto para o SUS como para os planos de saúde
privados.
Tabagismo
Paula Johns informou
que os gastos somente com 15 doenças relacionadas ao tabagismo atingem
em torno de R$ 23 bilhões por ano no Brasil. “Isso mais do que cobriria o
deficit que está previsto pelo governo de R$ 16 bilhões, se eles
[empresas] pagassem essa conta”. Segundo a ACT+, o valor dos gastos é
três vezes maior do que o montante pago pela indústria de tabaco em
impostos. “É um debate que a gente precisa começar a fazer na sociedade:
quem lucra e quem paga a conta. Como a gente vai dividir essa conta”.
Ela acredita que, no caso específico do tabaco, a sociedade nacional
está madura nessa compreensão. Em outros casos, o debate deve ter
continuidade.
De acordo com a pesquisa, 75% dos entrevistados
defendem o aumento de impostos de produtos de tabaco, como maneira
também de diminuir a prevalência de fumantes. A estimativa divulgada
pela ACT+ é que a perda de produtividade no trabalho e a redução da
renda familiar, resultantes de apenas três DCNTs (diabetes, doença do
coração e acidente vascular encefálico), levarão a uma perda na economia
brasileira superior a US$ 4 bilhões no período de 2006 a 2015.
Projetos de lei
A
ONG apoia dois projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional. Um
deles é o Projeto de Lei 4/2015, que cria a Contribuição de Intervenção
no Domínio Econômico (Cide) sobre a fabricação ou importação de tabaco e
seus derivados, a exemplo do que já existe para a indústria do
petróleo. Na avaliação de Paula Johns, a Cide seria uma forma de
direcionar o que se recolhe com impostos da indústria de tabaco para
financiar o tratamento de doentes vítimas do tabagismo. “Uma forma de
garantir recursos para cobrir eventuais danos concretos”. Paula informou
que o México tem um caso semelhante para bebidas açucaradas e que
apresenta resultados positivos. O dinheiro arrecadado subsidia
bebedouros de água potável nas escolas.
Outro projeto de lei (PLP
161/2000) envolve a criação do Fundo de Reparação Civil. Um de seus
objetivos é ressarcir o SUS pelas despesas com atendimento e tratamento
de pacientes portadores de doenças tabaco relacionadas. O Canadá e os
Estados Unidos já têm ações judiciais avançadas nessa direção, disse
Paula. A ACT+ pretende ampliar as campanhas de conscientização da
população a respeito de quem deve pagar a conta do sistema público de
saúde, que deverão culminar com amplo debate no Dia Mundial Sem Tabaco,
que será comemorado em 31 de maio de 2016.
Indústria do Tabaco
Em resposta ao questionamento da Agência Brasil,
o Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco) e a
Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), mesmo
desconhecendo os dados da pesquisa do Instituto Datafolha, esclarecem
que o cigarro brasileiro é um produto legal, com uma alta incidência de
impostos, produzido em conformidade com a legislação do País e
rigidamente regulado pelos órgãos do Ministério da Saúde.