Domingo, 16 de outubro de 2016
Por Siro Darlan — Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a democracia
Causou
comoção no mundo todo a imagem do menino sírio Aylan Kurdi na praia da
Turquia quando sua família fugia da guerra e buscava refúgio em lugar
seguro. Crianças e adolescentes tem sido vítimas m todo mundo de
diversas formas de violências e explorações. Muitos têm sido levados
precocemente às guerras e submetidos às mais diversas formas de
violência. Se nos comove o menino sírio, é triste ver a indiferença
quando são nossos irmãos brasileiros essas vítimas.
A Constituição
Federal de 1988 prevê, em seu artigo 227, dispõe ser dever da família,
da sociedade e do Estado “assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. ”
A Lei 8069/90 estabelece como dever de
todos zelar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo
de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor.
O Estatuto se estende a todas as
crianças e adolescentes, sem discriminação, passando a considerá-los
como sujeito de direitos, pessoas em condição peculiar de
desenvolvimento, a requerer proteção e prioridade absoluta no nível das
políticas sociais.
É certo que a infância e a
adolescência constituem as fases de formação do caráter e da
personalidade do indivíduo, em evidência, fragilizado, por isto mesmo
necessitado de proteção integral.
Segundo a doutrina amplamente
predominante o ato infracional é conduta análoga a infração penal é
conduta típica, antijurídica e culpável.
Deste modo, o adolescente só
receberá medida socioeducativa se autor de ato infracional, isto é,
conduta análoga a descrita na Lei (Penal) como crime e contravenção.
Assim a conduta, pois, além de
típica, há de ser antijurídica, ou seja, que não tenha sido praticada
sob o pálio de quaisquer das justificadoras legais, as causas
excludentes da ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal, neste
caso a representação será julgada improcedente com fundamento no art.
189, III, da ECA, ou seja, por não constituir o fato ato infracional.
Se a ação cometida pelo adolescente,
embora típica e antijurídica, por ausência de elementos constitutivos do
conceito de culpabilidade não for reprovável, ao adolescente não se lhe
poderá impor medida socioeducativa.
Neste Contexto, até aonde pode ir o
juízo de reprovação em relação à conduta delituosa de indivíduos
marginalizados socialmente que são coagidos a integrar o tráfico de
drogas e a quem se imputa a associação ao denominado “Movimento”?
A Convenção 182
da Organização Internacional do Trabalho aborda a Proibição das Piores
Formas de Trabalho Infantil e a ação Imediata para a sua Eliminação e
seu artigo 3o dispõe que
“(…) para efeitos da presente Convenção,
a expressão “as piores formas de trabalho infantil” abrange: c) a
utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização de
atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de
entorpecentes, tais como definidos nos tratados internacionais
pertinentes; (…)”
Por sua vez, a
Recomendação 190 sobre a proibição das piores formas de trabalho, em seu
item 9, prevê que os membros deveriam assegurar que as autoridades
competentes incumbidas da aplicação das normas jurídicas nacionais sobre
a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil,
colaborem entre si e coordenem suas atividades.
Segundo a
exposição brilhante do Procurador-chefe do Ministério Público do
Trabalho (MPT-CE), Dr. Antônio de Oliveira Lima, o tráfico de drogas é
considerado uma das piores formas de trabalho infantil
pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Seja utilização,
recrutamento ou oferta de crianças para a produção ou tráfico de
entorpecentes.
De acordo com Oliveira, o trabalho infantil e
o mercado ilegal avançam nos locais onde não há proteção ou políticas
públicas para atender as demandas das crianças e da sociedade. Para ele,
é preciso trabalhar muito mais a prevenção e um conjunto de ações que
busque ocupar o espaço dominado pela venda de droga e ainda conclui que
“O traficante sempre vai procurar
locais onde não tem políticas públicas para dar conta das demandas da
sociedade, então rapidamente consegue pessoas para trabalhar.
In http://www.promenino.org.br/noticias/namidia/crianca-no-trafico-de-rogas-e-uma-das-piores-formas-de-trabalho-infantil
acesso em 22 de julho de 2016.
Assim, quem está cometendo
a infração é adolescente ou que medida se dá a corresponsabilidade do
Estado no cometimento desse delito?
É notório no cenário
socioeconômico e cultural do Brasil que vivemos em uma sociedade
desigual, na qual são enormes as disparidades de suas condições de vida,
educação, trabalho e saúde.
Sabe-se que as
crianças e os adolescentes, principalmente aqueles em situação de
pobreza, acabam sendo inseridos no mercado de trabalho precocemente.
Segundo os estudos qualitativos da Organização Internacional do
Trabalho, têm demonstrado que a exploração sexual e o tráfico de drogas
absorvem na maioria das vezes a mão-de-obra dos adolescentes das
comunidades no Brasil em situações de levam a danos pessoais, muitas
vezes, irreparáveis (moral, físico, psicológico).
A Constituição Federal
do Brasil, rege todo o ordenamento jurídico do país, derivando dela
todos os demais ramos do Direito, inclusive o Direito Penal.
O Direito Constitucional e do
Processo Constitucional, aqueles que garantem a defesa e aplicabilidade
dos direitos e garantias constitucionais estabelece o princípio da
culpabilidade que pode ser definido como a necessidade de culpa do
agente para que o este cometa de fato um crime e por ele possa vir a ser
punido. Neste sentido ensina Luiz Flavio Gomes, in verbis:
“O princípio da culpabilidade, indiscutivelmente, ao lado de todos os outros, também cumpre a função de limite material do ius puniendi.
Mas a culpabilidade, enfocada como princípio limitador do poder de
punir do Estado, não tem o mesmo significado que possui como categoria
dogmática do Direito penal.
Em outras palavras:
uma coisa é a culpabilidade como princípio de política criminal – não
tem nenhum sentido prever pena para quem não tem capacidade de se
motivar no sentido da norma –, outra distinta é a mesma culpabilidade
dentro do Direito penal – entendida como juízo de reprovação que recai
sobre o agente do fato.
Assim, o princípio da culpabilidade,
entendido no sentido político-criminal (ou seja: como normal capacidade
do agente de motivação de acordo com a norma), impede que o autor de um
fato punível seja efetivamente punido quando concorram determinadas
condições psíquicas, pessoais ou situacionais que lhe impossibilitam o
normal acesso à proibição (trata-se, em suma, das causas excludentes da
culpabilidade). ” GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e princípios fundamentais: volume 1 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 534/538
Feita um breve comentário
sobre a culpabilidade, cumpre esclarecer que a co-culpabilidade pode-se
entender a responsabilidade que o Estado possui em certas infrações
penais cometidas por indivíduos abandonados à própria sorte, indivíduos
aos quais, foram negados os direitos mais fundamentais, como saúde,
educação, que por derradeiro, causam afronta ao princípio da dignidade
da pessoa humana.
Para esta parcela marginalizada
pelas mazelas sociais e econômicas em nosso país no tocante aos infantes
em nosso país, exige-se o estudo da divisão da culpa entre o agente
infrator e o Estado que se omite perante a imposição constitucional da
proteção integral dos direitos das crianças e dos adolescente Com a
promulgação da Lei 8069/90 o Brasil adequa a legislação sobre infância à
Convenção sobre Direitos da Criança da ONU de 1989, ratificada também
em 1990, promovendo a mudança do paradigma da situação irregular para a
proteção integral, considerando criança e adolescente como sujeitos de
direitos, inclusive à defesa quando da imputação de ato infracional.
Assim, de um modo geral, o discurso
combate ao tráfico de drogas tem sido um enorme fracasso, principalmente
quando se trata de indivíduos em desenvolvimento.
O que se percebe é que a repressão do
Estado não fez diminuir o consumo de drogas, nem o nefasto tráfico de
entorpecentes, assevera-se que jovens, em especial os afrodescendentes,
são cada vez recrutados para um comércio que enriquece as organizações
mafiosas e faz crescer os índices de criminalidade, além de sabotar o
desenvolvimento de milhares de jovens que veem no tráfico opção atraente
de trabalho.
Mas grave ainda a situação
quando analisamos a situação dos adolescentes que se iniciam no varejo
do tráfico, que traduz sabidamente uma das piores formas de trabalho infantil,
e o tratamento que o Judiciário dispensa a eles por meio das Varas da
Infância e Juventude. Com efeito, na esmagadora maioria dos casos,
adolescentes são cooptados por grandes organizações criminosas para
funcionarem como mão-de-obra barata dessa perigosa e altamente rentável
atividade.
Colhe-se da publicação
Manual de atuação do Ministério Público na prevenção e erradicação do
trabalho infantil elaborado por Xisto Tiago de Medeiros Neto (Procurador
Regional do Trabalho) e Rafael Dias Marques (Procurador do Trabalho e
Coordenador Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e
Adolescentes do Ministério Público do Trabalho), realizado em 2013, em
Brasília, que:
Em face da natureza da atividade, destaca-se o trabalho produtivo (que visa ao lucro); o trabalho voluntário e assistencial (entidades beneficentes; igrejas);
o trabalho doméstico (realizado no âmbito residencial e voltado para a
família, própria ou de terceiros, como acontece nos casos em que um
adolescente labora como babá de uma criança); o trabalho sob regime de
economia familiar (que ocorre dentro do núcleo familiar, podendo ser
doméstico ou não, como por exemplo, o serviço de ordenha do gado, em uma
pequena propriedade familiar); o trabalho de subsistência; o trabalho
artesanal; o trabalho artístico; o trabalho desportivo; e, ainda, o
trabalho ilícito (tráfico de drogas; exploração sexual).
São, pois, amplas e inesgotáveis as possibilidades de ocorrência do trabalho infantil, e, em regra, a sua existência sempre poderá descortinar uma realidade de exploração, abuso, negligência ou violência,
perante a qual incidirá a responsabilidade da própria família, de
terceiros beneficiários do labor desenvolvido e também do Poder Público,
podendo alcançar as esferas civil, penal, trabalhista e administrativa.
(…)
I.3 – Perfil das principais ocorrências de trabalho infantil
(… )
- f) Trabalho infantil em atividades ilícitas
Nesta área, têm-se as situações de maior
dano e prejudicialidade para a criança e o adolescente. São atividades
em que são eles utilizados para a prática de ilícitos graves, como o
tráfico de drogas, a pornografia e a ex- ploração sexual comercial.
A atuação do Ministério Público, em tais
fronteiras, é de evidente dificuldade, porém necessária, prioritária e
possível, havendo de ser reali- zada de maneira integrada com os órgãos
policiais.
(Fonte:www.cnmp.mp.br/portal/images/stories/…/Guia_do_trabalho_infantil_WEB.PDF, acessado em 04/07/2016)
Os autores
prosseguem afirmando que a expressão piores formas de trabalho infantil
compreende a utilização, procura e oferta de crianças para atividades
ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de drogas conforme
definidos nos tratados internacionais pertinentes;
No caso de
adolescentes envolvidos no tráfico de drogas o Juiz deverá analisar cada
caso concreto separadamente, levando em consideração a situação do
adolescente infrator, analisando o nexo de causalidade entre a infração
cometida e a perspectiva de vida que o jovem se encontra, considerando
fatores à influência da marginalização que foi proporcionado pelo
próprio Estado.
Desse modo, há que se
questionar se o ordenamento jurídico brasileiro possibilita um
tratamento jurídico diferenciado aos indivíduos menos favorecidos, de
forma que, levando em conta suas peculiaridades, permita considerar o
status social.
Por sua vez, a Recomendação 190 da OIT
sobre a proibição das piores formas de trabalho, em seu item 9, prevê
que os membros deveriam assegurar que as autoridades competentes
incumbidas da aplicação das normas jurídicas nacionais sobre a proibição
e eliminação das piores formas de trabalho infantil, colaborem entre si
e coordenem suas atividades.
Segundo a exposição brilhante do
Procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT-CE), Dr. Antônio
de Oliveira Lima, o tráfico de drogas é considerado uma das piores formas de trabalho infantil
pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Seja utilização,
recrutamento ou oferta de crianças para a produção ou tráfico de
entorpecentes.
De acordo com o mencionado Dr. Antônio de Oliveira Lima o trabalho infantil e
o mercado ilegal avançam nos locais onde não há proteção ou políticas
públicas para atender as demandas das crianças e da sociedade. Para ele,
é preciso trabalhar muito mais a prevenção e um conjunto de ações que
busque ocupar o espaço dominado pela venda de droga e ainda conclui que:
“O traficante sempre vai procurar
locais onde não tem políticas públicas para dar conta das demandas da
sociedade, então rapidamente consegue pessoas para trabalhar.
In http://www.promenino.org.br/noticias/namidia/crianca-no-trafico-de-rogas-e-uma-das-piores-formas-de-trabalho-infantil
acesso em 22 de julho de 2016.
A Constituição Federal Brasileira de
1988 trouxe mudanças significativas na política social, com a ampliação
dos direitos individuais e coletivos, instituindo-se um reordenamento
das relações sócio institucionais na gestão das políticas públicas e uma
redefinição dos papéis dos entes federativos (federal, estadual e
municipal), no qual o município passa a deter o lugar privilegiado da
execução destas políticas.
Diz o art. 227. “É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão”.
O Estatuto da Criança e do
Adolescente, Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, considera
como criança o indivíduo com idade entre zero e doze anos (0 a 12)
incompletos, e como adolescente a pessoa com idade entre doze e dezoito
anos (12 a 18) incompletos.
Foi criado para proteger e garantir
que estas crianças e adolescentes tivessem acesso a direitos básicos
como saúde, educação, cultura, esporte, lazer, entre outros, sendo esses
direitos deveres do Estado e da família, preferencialmente propiciados
pelas políticas públicas.
O Estatuto da Criança e do
Adolescente materializa uma das diversas lutas e conquistas do movimento
de democratização real da sociedade, ou seja, do ponto de vista da
promoção de direitos, representa uma importante política pública
brasileira. Baseado na Doutrina da Proteção Integral, o Estatuto da
Criança e do Adolescente, assegura às crianças e adolescentes tais
direitos.
No caso de cometimento de ato infracional, estão destinadas medidas de caráter socioeducativo e também protetivas.
A regulamentação e a aplicação de
medidas protetoras para a criança quando cometem infração ou se
encontram em situação de risco, estão dispostas no artigo 101 da Lei n.
8069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA).
Dispõe o referido dispositivo legal, que:
Art. 101. Verificada qualquer das
hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá
determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III – matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV – inclusão em serviços e programas
oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da
criança e do adolescente
V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII – acolhimento institucional;
VIII – inclusão em programa de acolhimento familiar
IX – colocação em família substituta.
Os adolescentes também estão
sujeitos à aplicação das mesmas medidas protetoras e o emprego de
medidas socioeducativas de acordo com o artigo 112 do ECA.
Desta perspectiva, compreendê-los
como pessoas em desenvolvimento, estando ou não em conflito com a lei, é
o que prevê o ECA, não devendo ser esta compreensão pautada pelo Código
Penal.
A precariedade das políticas
públicas para adolescentes, especialmente aqueles em conflito com a lei,
como os sistemas socioeducativos refletem a falta de perspectiva de
mudança do quadro atual da sociedade, a qual convive com a falência
desse modelo, associado a exclusão social sofrida pelos adolescentes que
vivem abaixo da linha da miséria e suas famílias.
Nos locais onde existe o predomínio
de organizações criminosas, prevalece a prática do tráfico e porte de
drogas por parte dos adolescentes, que são cooptados pelas referidas
facções, justamente em razão da omissão do poder público na
implementação de políticas públicas que previnam a inserção do
adolescente na criminalidade.
Assim, há muito que se pensar em
ofertas de oportunidades e possibilidades para a população
infanto-juvenil mais vulnerável, principalmente para a faixa da
adolescência que revela demandas emergentes de políticas públicas em
todas as áreas, tais como: educação, cultura, esporte, lazer,
qualificação profissional, atendimento de saúde específico para este
grupo etário com ênfase na saúde sexual e reprodutiva, atenção especial
às ações de prevenção a drogadição e ao consumo de álcool e drogas.
O trabalho de reintegração social
dos adolescentes, por meio de medidas socioeducativas, carece de um
apoio mais consistente da rede soco assistencial e das políticas básicas
para que possa alcançar os objetivos esperados.
Assim, quem está cometendo a
infração é adolescente ou que medida se dá a corresponsabilidade do
Estado no cometimento desse delito?
É notório no cenário socioeconômico e
cultural do Brasil que vivemos em uma sociedade desigual, na qual são
enormes as disparidades de suas condições de vida, educação, trabalho e
saúde.
Sabe-se que as crianças e os
adolescentes, principalmente aqueles em situação de pobreza, acabam
sendo inseridos no mercado de trabalho precocemente. Segundo os estudos
qualitativos da Organização Internacional do Trabalho, têm demonstrado
que a exploração sexual e o tráfico de drogas absorvem na maioria das
vezes a mão-de-obra dos adolescentes das comunidades no Brasil em
situações de levam a danos pessoais, muitas vezes, irreparáveis (moral,
físico, psicológico).
A Constituição Federal do Brasil,
rege todo o ordenamento jurídico do país, derivando dela todos os demais
ramos do Direito, inclusive o Direito Penal.
O Direito Constitucional e do
Processo Constitucional, aqueles que garantem a defesa e aplicabilidade
dos direitos e garantias constitucionais estabelece o princípio da
culpabilidade que pode ser definido como a necessidade de culpa do
agente para que o este cometa de fato um crime e por ele possa vir a ser
punido. Neste sentido ensina Luiz Flavio Gomes, in verbis:
“O princípio da culpabilidade,
indiscutivelmente, ao lado de todos os outros, também cumpre a função
de limite material do ius puniendi. Mas a culpabilidade, enfocada como
princípio limitador do poder de punir do Estado, não tem o mesmo
significado que possui como categoria dogmática do Direito penal.
Em outras palavras: uma coisa é a
culpabilidade como princípio de política criminal – não tem nenhum
sentido prever pena para quem não tem capacidade de se motivar no
sentido da norma –, outra distinta é a mesma culpabilidade dentro do
Direito penal – entendida como juízo de reprovação que recai sobre o
agente do fato.
Assim, o princípio da culpabilidade,
entendido no sentido político-criminal (ou seja: como normal capacidade
do agente de motivação de acordo com a norma), impede que o autor de um
fato punível seja efetivamente punido quando concorram determinadas
condições psíquicas, pessoais ou situacionais que lhe impossibilitam o
normal acesso à proibição (trata-se, em suma, das causas excludentes da
culpabilidade). ” GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e
princípios fundamentais: volume 1 – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007. p. 534/53
No livro Difíceis ganhos fáceis –
drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro, fruto de pesquisa para
dissertação de mestrado em História na Universidade Federal Fluminense,
com prefácio de Alessandro Baratta, a Professora Vera Malaguti Batista
apresenta dados estatísticos do envolvimento de adolescentes na cidade
do Rio de Janeiro em atos ligados ao tráfico ou consumo de drogas, na
ocasião 49% dos adolescentes no sistema socioeducativo respondiam por
atos análogos a tráfico (38%) ou porte de drogas (11%).
Importante destacar a atualidade da
pesquisa e as constatações da professora Vera Malaguti: “o processo de
demonização das drogas, a disseminação do medo e da sensação de
insegurança diante de um estado corrupto e ineficaz, vai despolitizando
as massas urbanas brasileiras, transformando-as em multidões
desesperançadas, turbas linchadoras a esperar e desejar demonstrações de
força.”
Outra importante pesquisa sobre a
realidade dos adolescentes no sistema socioeducativo, em especial
aqueles responsabilizados pela prática de ato análogo a tráfico de
drogas foi realizada pelo doutor em sociologia Diogo Lyra na importante
obra a república dos meninos: juventude, tráfico e virtude, rio de
janeiro, mauad x/faperj, 2013, onde se destaca as seguintes
considerações:
“A maioria dos adolescentes do Criam
Nova Iguaçu, quase 70%, estava em sua primeira passagem pelo sistema
socioeducativo quando as entrevistas foram feitas. Resgatando as
percentagens etárias, encontraremos também quase 70% do total de jovens
do Criam com idade entre 17 e 18 anos. A apresentação desses dados não é
trivial. Ela sugere o ponto ótimo de uma necessidade de independência.
Não é por menos que 90% desses garotos estão lá por crimes contra o
patrimônio ou aqueles relacionados a drogas, atividades que são
encaradas por eles como uma espécie de trabalho, assalariado no caso dos
traficantes e autônomo para os assaltantes”[1].
Entendo que sim,
pois diante da essencialidade da prestação dos serviços públicos à
coletividade, tais como a saúde, educação e segurança, o Estado está
sujeito a causar danos aos administrados, decorrentes de condutas
omissivas ou comissiva capazes de caracterizar sua culpabilidade no fato
de não cumprir com seu mister e possibilitar que jovens, principalmente
das comunidade carentes sejam facilmente aliciados pelo tráfico de
drogas por ausência de políticas públicas efetivas que possibilitem dar
maior efetividade ao princípio da proteção integral de crianças e
adolescentes em nosso país.
Nesse sentido ensina Rogério Greco:
A teoria da coculpabilidade ingressa no
mundo do Direito Penal para apontar e evidenciar a parcela de
responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade quando da prática de
determinadas infrações penais pelos seus supostos cidadão. Contamos com
uma legião de miseráveis que não possuem teto para abrigar-se, morando
embaixo de viadutos ou dormindo em praças ou calçadas, que não conseguem
emprego, pois o Estado não os preparou e os qualificou para que
pudessem trabalhar, que vivem a mendigar por um prato de comida, que
fazem uso de bebida alcoólica para fugir à realidade que lhes é
impingida, quando tais pessoas praticam crimes, devemos apurar e dividir
essa responsabilidade com a sociedade. GRECO, Rogério. Curso de Direito
Penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2002
É necessário
encampar a ideia que o fenômeno delitivo está interligado a variáveis
sociais, culturais e econômicas, decorre, muitas vezes, de fatores
estruturais, como o conflito familiares, por exemplo.
A Convenção 182 da OIT, promulgada pelo Decreto 3597 de 2000, no artigo 3 assim dispõe:
Para efeitos da presente Convenção, a
expressão “as piores formas de trabalho infantil” abrange: c) a
utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização para a
realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico
de entorpecentes, tais com definidos nos tratados internacionais
pertinentes;
Como forma de combate a essas graves
violações de direitos humanos da população juvenil, expostas a inúmeros
riscos ao serem utilizadas como trabalhadoras nessas atividades
extremamente perigosas, o tratado impõe aos signatários inúmeras
obrigações em ordem a garantir seu efetivo cumprimento, das quais não se
exclui o estabelecimento de sanções criminais (art. 7º).
Ressai evidente, entretanto, que as
indigitadas penas somente podem ser impingidas àqueles que recrutam
crianças para o exercício das atividades perigosas, e não às vítimas
desse comportamento.
A análise do art. 7º não deixa
qualquer dúvida a respeito, uma vez que estruturada em dois números,
ambos contendo obrigação aos Estados signatários do pacto. Entretanto,
apenas o número 2 prevê obrigações relacionadas às crianças vítimas,
dentre as quais não está a aplicação de sanções criminais, mas sim
medidas de proteção:
Artigo 7, número 2: Todo Membro
deverá adotar, levando em consideração a importância para a eliminação
de trabalho infantil, medidas eficazes e em prazo determinado, com o fim
de: a) impedir a ocupação de crianças nas piores formas de trabalho
infantil; b) prestar a assistência direta necessária e adequada para
retirar as crianças das piores formas de trabalho infantil e assegurar
sua reabilitação e inserção social; c) assegurar o acesso ao ensino
básico gratuito e, quando for possível e adequado, à formação
profissional a todas as crianças que tenham sido retiradas das piores
formas de trabalho infantil; d) identificar as crianças que estejam
particularmente expostas a riscos e entrar em contato direto com elas;
e, e) levar em consideração a situação particular das meninas.
A referida constatação é reforçada
ao analisarmos a Recomendação 180 da OIT, complementares da Convenção
182. Com efeito, são programas de ação para eliminação do trabalho
infantil, dentre outros, “impedir a ocupação de crianças nas piores
formas de trabalho infantil ou retirá-las dessas formas de trabalho, protegê-las
de represálias e garantir sua reabilitação e inserção social através de
medidas que atendam às suas necessidades educacionais, físicas e
psicólogas” (art. I, n. 1, ‘b’).
De outro lado, ao referir-se à
criminalização de condutas, a normativa internacional afirma que os
membros do pacto devem estipular penas para as hipóteses de “utilização,
recrutamento ou oferta de criança para a realização de atividades
ilícitas, em particular para a produção e tráfico de entorpecentes, tais
com definidos nos tratados internacionais pertinentes, ou para a
realização de atividades que impliquem o porte ou o uso ilegais de armas
de fogo ou outras armas” (art. III, n. 12, ‘c’), tudo a reforçar que o
sancionamento deve ser dirigido aos imputáveis que exploram a força de
trabalho de crianças e adolescentes para prática dessas atividades
criminosas e não sobre essas, dignas exclusivas de medidas de proteção,
destinadas a garantir sua reabilitação e inserção social.
Observa-se, ademais, que tanto a
Convenção como a Recomendação encerram norma de proteção aos direitos
humanos de crianças, cujo direito ao crescimento e desenvolvimento
saudável é gravemente comprometido quando inseridas no contexto do
trabalho infantil. Assim, ao menos status supralegal é de se
conferir à normativa internacional (conforme decidido no RExt 466.343,
Gilmar Mendes), de modo que estão bloqueados os efeitos de qualquer
legislação que pretenda/autorize o sancionamento de crianças pela
prática de fatos definidos como pior forma de trabalho infantil, afinal
essa solução apenas é admitida/imposta para o sujeito que recruta a
mão-de-obra.
Com efeito, uma interpretação
desavisada da legislação infanto-juvenil pode concluir que a privação de
liberdade desses sujeitos especiais de direito irá retirá-los do
ambiente pernicioso em que se encontram, afinal permanecerão privados de
liberdade em centros de detenção juvenil, e ali não mais serão alvo das
organizações criminosas que exploram sua força de trabalho. Ademais, em
tese, nesses centros de privação de liberdade participarão de
atividades educativas e profissionalizantes, de lazer e culturais, de
maneira que estar-se-ia promovendo sua reinserção social (art. 123,
parágrafo único, e art. 124, XI, XII).
Ocorre que, mesmo abstraída a
discrepância entre a lei e realidade, diante da calamitosa situação
experimentada pelo sistema socioeducativo nacional, a referida
interpretação confere caráter exageradamente protetivo às medidas
socioeducativas, transformando sua natureza de autênticas sanções penais
juvenis, de sorte que deve ser veementemente rechaçada.
A questão igualmente pode ser
analisada sob o prisma da tipicidade penal. Com efeito, pressuposto da
aplicação de medidas socioeducativas é a prática de um ato infracional,
assim definido como conduta praticada pelo adolescente que corresponda a
crime ou contravenção.
A conduta típica é aquela que reúne
todos (ou parte no caso de delitos tentados) os elementos de determinada
norma incriminadora. Entretanto, no caso em exame depara-se com
verdadeira contradição, uma vez que, à primeira vista, o comportamento
do adolescente é, a um só tempo, definido como uma das piores formas de
exploração do trabalho infantil, e também como delituoso. O adolescente,
se admitida a tipicidade da conduta, ostentaria a dupla e paradoxal
condição de vítima e autor de ato infracional.
Não pode ser reconhecido como típico
o comportamento de adolescente autor de ato infracional análogo a
tráfico praticado no contexto de exploração de trabalho infantil, sob
pena de o mesmo ostentar características completamente antagônicas, e se
houver tipicidade ao menos a culpabilidade deve ser afastada em razão
da falta de políticas públicas no sentido da proteção desses
adolescentes contra uma das piores formas de trabalho infantil, de
acordo com a Convenção 182 da OIT, ratificada pelo Brasil.
A busca de uma real solução,
comprometida com o social e pautada em valores constitucionais,
mostra-se mais valiosa do que a simples aplicação de uma das medidas
socioeducativas, que verdadeiramente não promove a proteção integral dos
direitos dos infantes, nem alcança a isonomia que se pretende, ou seja,
o alicerce do próprio Estado Democrático de Direito.
Neste viés, não se deve fechar os olhos
perante a responsabilidade do Estado e da Sociedade em dar efetividade
aos comandos normativos inerentes à proteção integral de crianças e
adolescentes, impedindo que os indivíduos em desenvolvimento sejam
vitimados pelo sistema estatal que se apresenta inoperante e possibilita
para que inúmeros jovens sejam corrompidos e explorados pelo nefasto
comércio de drogas em nosso país.
Toda a temática abordada no presente
alicerça a necessidade da criação de Vara Criminal Especializada e
Câmara Criminal Especializada para lidar com os processos desta
natureza.
Conforme informações do site
www.soscriancaeadolescente.com.br, a violência tem raízes culturais que
envolvem a relação de poder entre adultos e crianças e ao longo da
história foi incorporada na sociedade como a maneira mais correta de se
educar. E, de acordo com especialistas, a violência é considerada um
grave problema de saúde pública no Brasil, sendo a causa principal de
morte de crianças e adolescentes a partir dos cinco anos.
Os tipos mais frequentes são:
violência física, como atos com o uso da força física de forma
intencional – não acidental – provocada por pais, responsáveis,
familiares ou pessoas próximas; negligência, quando pais ou responsáveis
deixam de prover as necessidades básicas para o desenvolvimento físico,
emocional e social; psicológica, como rejeição, privação, depreciação,
discriminação, desrespeito, cobranças exageradas, punições humilhantes,
utilização da criança e adolescentes para atender às necessidades dos
adultos; sexual, que envolve ou não o contato físico, por práticas
eróticas e sexuais (ameaças, indução, voyeurismo, exibicionismo,
produção de fotos e exploração sexual).
Uma criança
de 11 anos frequentadora da Assembelia de Deus foi estuprada no Morro
de São Carlos, onde está ocorrendo uma “guerra ao tráfico”, mais uma
promoção da Secretaria de (In)Segurança Pública, patrocinadora da Guerra
às drogas no Rio de Janeiro.
Um coronel
da policia militar é flagrado no carro com uma criança de dois anos nua e
suspeito de tráfico de crianças e ainda tenta subornar a equipe de
policiais que o prendeu.
Em
Macáe, um homem, de 30 anos, foi preso em flagrante neste fim de semana
suspeito de estuprar uma criança, de cinco anos. Segundo a Polícia
Militar, Ramon Ribeiro Dias foi preso na Estrada Velha Macaé Glicério,
no bairro Horto, após o pai da criança ter denunciado o caso. A polícia
informou que o pai teria dito que a menina havia sido molestada. Uma
testemunha chegou a dizer que viu o suspeito entrando na residência e já
sabia que ele já tinha passagens pela polícia também de estupro. Ramon
Ribeiro foi encaminhado para delegacia da cidade. Lá a policia descobriu
ainda mais duas anotações de outros dois casos anteriores. A criança
foi levada para o Instituto Médico Legal para ser submetida a exames.
No Brasil, a questão torna-se ainda mais
complexa e de pouca visibilidade, devido ao medo e silêncio das vítimas
e testemunhas. Percebe-se que as principais causas são socioeconômicas e
histórico-culturais.
O mesmo acontece com os crimes que
envolvem a violência contra a mulher. Eles representam uma manifestação
de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres
que conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos
homens. Assim, a mulher vítima deste tipo de violência também necessita
de um atendimento especializado, sendo tal direito assegurado através da
Lei nº 11.340/06, em especial com a implementação de atendimento
policial especializado, as denominadas Delegacias de Atendimento à
Mulher, bem como com a criação dos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência
cível e criminal, com a atribuição de processar, julgar e a executar as
causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a
mulher.
Desta forma, não há que se negar que a
necessidade de o Estado fornecer um atendimento especializado para estas
vítimas – tanto a mulher, quanto à criança e o adolescente – visto que o
tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se
desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça.
Ao analisar a situação de enfrentamento
desse problema, é importante destacar que é necessário um processo de
reconstrução de valores, cultura e postura diferentes, bem como a
construção de novas práticas sociais e de proteção.
Certo é que o Poder Executivo Estadual
deste estado do Rio de Janeiro, considerando a relevância da matéria,
criou e instalou a Delegacia de Proteção à Criança Vítima de Violência
desde o ano de 2001, ou seja, uma delegacia especializada para a
apuração de crimes desta natureza, criada para ser um amparo e para
prestar um melhor atendimento as vítimas menores de 18 anos, existindo,
inclusive, no âmbito do Ministério Promotoria de Combate à Violência
contra a Criança e ao Adolescente, mas ainda não há no Poder Judiciário
deste Estado Vara Especializada.
A necessidade de proteção dessa
parcela mais vulnerável da sociedade requer do Estado uma postura
integrativa e de parceria, a qual, mediante um trabalho em redes para
uma ação conjunta multidimensional e com responsabilidade compartilhada.
A criança e o adolescente tem sido
as maiores vítimas de todas as formas de violência, sobretudo nas
grandes cidades, como atesta a pesquisa realizada pelo Instituto de
Segurança Pública da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio de
Janeiro dispõe de um estudo Dossiê Criança e Adolescente –http://www.isp.rj.gov.br/Documentos/DossieCriancaAdolescente2015,
onde colhendo dados da violência no Estado do Rio de Janeiro,
concluíram que no estado do Rio de Janeiro, entre 2010 e 2014, o número
anual de vítimas menores de 18 anos passou de 33.599 para 49.276, um
aumento de 46,7% (contra um aumento de 24,4% de vítimas maiores de
idade). Ao longo dos cinco anos, foram 213.290 vítimas menores de idade,
das quais 26,2% eram crianças (de zero a 11 anos) e 73,8% eram
adolescentes (de 12 a 17 anos).
Esses dados divulgados
pelo Governo do Estado são suficientes para que a administração pública
direcionasse mais recursos para o combate a essa forma de violência, que
é na verdade a mãe de todas as outras formas de violência, uma vez que a
criança apreende com facilidade as lições em seus primeiros anos de
vida. Se a lição é de violência, em breve elas estarão retribuindo
violência. Necessário se faz atuar nessa área de forma preventiva,
evitando-se assim, atitude repressiva, que efetivamente, não vendo
surtindo efeito, conforme se observa da escalada de violência que
vivenciamos diuturnamente.
A criação das Varas Especializadas
em violência doméstica decorreu da demanda que a cada dia é demonstrada a
necessidade de novos serviços especializados.
Entidades da sociedade civil e
profissional que atuam no enfrentamento dessas graves violações de
direitos humanos no país destacam uma série de vantagens que elas podem
trazer, como: maior celeridade nos processos, existência de equipe
multidisciplinar, atendimento especializado.
Esses casos deixam de se perder
entre uma infinidade de outros nas varas criminais comuns, passam a ter
tratamento diferenciado e espaço específico, preservando a vítima, que é
o foco principal da atuação dessas varas especializadas.
A exclusividade da competência para o
processo e julgamento de crimes contra crianças e adolescentes em uma
vara criminal apresenta ainda a vantagem de permitir ao Magistrado,
Promotor, Defensor Público e Auxiliares da Justiça a especialização
necessária para o tratamento diferenciado que exige um processo em que
figura como vítima criança e adolescente. A principal razão para a
existência das varas criminais especializadas é a rapidez que elas
imprimem aos processos judiciais.
A demora na tramitação desses casos
na Justiça é uma das formas da impunidade se manifestar, por se tratarem
de crimes contra crianças e adolescentes, com consequências perversas
para as vítimas e seus familiares. A morosidade no processo pode fazer
com que crianças ou adolescentes se esqueçam de parte dos fatos até o
depoimento, o que prejudica essa prova considerada fundamental, ou ela
pode ser revitimizada ao ter que trazer a história à tona muito tempo
depois de ocorrida. Nesse tocante, impõem destacar a relevância da
criação por este Tribunal no ano de 2012, do Núcleo de Depoimento
Especial de Crianças e Adolescentes – NUDECA (Ato Executivo 4297/2012),
atendendo a Recomendação nº 33/2010 do CNJ.
Neste sentido a importância da
criação de referido juízo especializado, com pessoal capacitado (equipe
multiprofissional) e infraestrutura adequada para coibir essa forma
cruel e covarde de violência praticada contra pessoas em processo de
desenvolvimento e credoras de proteção integral e especial.
Tais instrumentos a cargo do Poder
Judiciário de combate à violência já foram implementados em outros
Estados da federação tais como Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará,
Pernambuco e Pará, dentre outros.
Toda criança e adolescente tem
direito a desenvolver-se num ambiente sadio, de respeito, dignidade e
proteção. Hoje, mais do que nunca, nossa população infanto-juvenil
necessita de um olhar diferenciado para enfrentar a violência crescente
que as atinge.
Neste contexto entende-se
conveniente e oportuno se dotar a sociedade fluminense de instrumento
judicial de combate a essa forma cruel e covarde violência contra nossa
infância atendendo a imperiosa necessidade de corresponder aos números
demonstrados pelas estatísticas da própria Secretaria de Estado de
Segurança Pública e criar ou transformar juízo já existente em uma ou
mais Varas Especializadas no combate aos crimes praticados contra
criança e adolescente.
Tal
imperiosa necessidade se apresenta e a urgência da implementação poderia
ser adequadamente valorada e fiscalizada por Grupos de Monitoramento e
Fiscalização (GMF) neste Tribunal de Justiça, nos moldes previstos na
Resolução 214 de 15 de dezembro de 2015 editada pelo Conselho Nacional
de Justiça. Cumpre reconhecer que cada ente, órgão ou unidade
administrativa tem por fim a busca pelo interesse público, sendo a sua
indisponibilidade o fundamento para as constantes políticas de
aprimoramento institucional.
A estrutura de
apoio administrativo e multiprofissional integrada por tal Unidade de
Fiscalização se incumbiria de observar as áreas que necessitam de
readequação ou fortalecimento, a par dos programas já existentes no
Tribunal, o que propiciaria o alcance dos comandos constitucionais
atinentes a eficácia e efetividade.
Contundente a afirmação da Eminente
Ministra Carmen Lucia em seu discurso de Posse como Presidente do
Egrégio Supremo Tribunal Federal e que a todos inspira: “E há de se
reconhecer que o cidadão não há de estar satisfeito, hoje, com o Poder
Judiciário. O juiz também não está. Para que o Judiciário nacional
atenda como há de atender a legítima expectativa do brasileiro não basta
mais uma vez reformá-lo. Faz-se urgente transformá-lo”.
[1] Lyra, Diogo. A República dos Meninos: juventude, tráfico e virtude, Rio de Janeiro, Mauad X/Faperj, 2013, pág. 57