Terça, 2 de outubro de 2019
O Brasil tem as condições de ser potência mundial. O que o impede de se efetivar é sua elite dirigente; escravocratas que se contentam com as comissões do servilismo primário-exportador e com o rebaixamento contínuo dos níveis de vida da população que governam.
Por Felipe Quintas, Gustavo Galvão e Pedro Augusto Pinho*
O mundo do fim da história de Francis Fukuyama já passou. Antes se fora o mundo bipolar da guerra fria.
O século XXI encontra o mundo com diversidades e novas alianças que tornam menos eficazes os Impérios.
Estes, por seu turno, avançam em ameaças, bloqueios, represálias tentando manter um poder que se esvai
Talvez nosso caro leitor não se
dê conta da importância econômica e política de blocos como a União Africana
(UA), que congrega 54 Estados-membros, ou da Organização para a Cooperação de
Xangai (OCX), onde o presidente do país anfitrião (Cazaquistão), Nursultan
Nazarbayev, cumprimentou os convidados, em 2005, com palavras surpreendentes
para aquele contexto: “Os líderes dos Estados sentados a esta mesa de
negociação são representantes de metade da humanidade”, e eram apenas dez
países.
A imprensa, os governos
das antigas potências do Atlântico Norte procuram disfarçar suas constantes
derrotas políticas, militares, econômicas, sociais e culturais, que as forças
emergentes de um novo mundo lhes infligem. Como na canção da cubana Maria
Teresa Vera (1895-1965), Veinte Años, o Império euro-estadunidense
sabe que “hoy represento el pasado, no me puedo conformar”.
EUA e Europa sabem que hoje
representam o passado e não conseguem se conformar
O Brasil tem as condições de ser potência mundial. O que o
impede de se efetivar é sua elite dirigente; escravocratas que se contentam com
as comissões do servilismo primário-exportador e com o rebaixamento contínuo
dos níveis de vida da população que governam.
Não são as fracas e inconsistentes esquerdas ou as
corrupções, que são cometidas pelos que dominam o poder há dois séculos, que
impedem o Poder Nacional Brasileiro. É a luta destas elites contra a
industrialização de seu próprio país e contra a proteção social do seu próprio
povo.
Num olhar para a História do Brasil, vê-se que até a
Revolução de 1930 quase nada foi feito para incluir e instruir o povo
brasileiro. Os ministérios da Educação e da Saúde Pública e o do Trabalho,
Comércio e Indústria só passaram a existir com Getúlio Vargas.
Mas foi muito pior do que apenas a omissão. Foi o permanente
combate à industrialização e ao Estado social, como a revolta paulista de 1932,
os golpes de 1945, 1954, 1964 e 2016, todos com o objetivo impedir o
desenvolvimento industrial e social brasileiro. Cabe perguntar a razão desta atitude:
um tiro no pé de brasileiros contra brasileiros, ou melhor, de “brazileiros”
contra brasileiros.
Tentemos compreender esta elite do atraso, como a denomina o
sociólogo Jessé Souza, na descrição que dela fez em seu livro A Elite
do Atraso – Da Escravidão à Lava Jato (Casa da Palavra/Leya,
RJ, 2017):
“Ideias do Estado e da política corrupta servem para que se
repasse empresas estatais e nossas riquezas do subsolo a baixo custo para
nacionais e estrangeiros que se apropriam privadamente da riqueza que deveria
ser de todos. Essa é a corrupção real.”
E adiante: “O imbecil perfeito é criado quando o cidadão
espoliado passa a apoiar a venda subfaturada desses recursos a agentes privados
imaginando que assim evita a corrupção estatal. Como se a maior corrupção não
fosse precisamente permitir que uma meia dúzia de super-ricos ponha no bolso a
riqueza de todos, deixando o resto na miséria. Essa foi a história da Vale.”
Não é a esquerda ou as corrupções, é a
luta das elites contra seu próprio país e seu povo
Constrói-se, com a pedagogia colonial e a ausência de uma
estrutura de comunicação de massa não comercial, aberta e nacional, um
paradoxo: a capacidade do brasileiro de vencer desafios, como a construção dos
melhores aviões de médio porte, a produção de petróleo em águas ultraprofundas,
o ineditismo em soluções para energia nuclear e muitas outras conquistas
científicas e tecnológicas, que receberam prêmios, troféus e considerações
internacionais, foi obnubilada, desconsiderada diante do suposto “jeitinho” brasileiro
e do tão difundido “complexo de vira-lata”.
Estas elites, cujos olhos estão invejosamente postos no
exterior, reprimem a emancipação da população brasileira; quer vê-la submissa,
escrava, para não saber que esta elite tem os pés de barro, vive da corrupção e
dos negócios sujos, indecentes, legalizados por congressos e judiciários
igualmente venais.
A industrialização exigiria a demonstração deste
conhecimento, a formação de capacitação, a emancipação e o orgulho de ser o
mestiço brasileiro, o afrodescendente, este povo tolerante, sem ódio e
hospitaleiro. E formaria o mercado onde seria o usuário destas exportações
aviltadas pelo câmbio imposto pelo comprador. Através da industrialização, o
Brasil estaria sentado à mesa das decisões mundiais, pela riqueza humana, que
esta elite não é capaz de mostrar, a não se por mínimas exceções.
A 11 de novembro de 1940, no Rio de Janeiro, assim se
expressou, num ágape, o maior presidente do Brasil, Getúlio Vargas (A Nova
Política do Brasil, vol. VIII, José Olympio Editora, RJ, 1941):
“Numa sociedade onde os interesses individuais prevalecem
sobre os interesses coletivos, a luta de classe pode surgir com o caráter de
uma reação de consequências funestas. Por isso, as leis sociais, para serem
boas e adaptáveis, devem exprimir o equilíbrio dos interesses da coletividade,
eliminando os antagonismos, ajustando os fatores econômicos, transformando,
enfim, o trabalho em denominador comum de todas as atividades úteis. O trabalho
é, assim, o primeiro dever social. Tanto o operário como o industrial, o patrão
como o empregado, realmente voltados às suas tarefas, não se diferenciam
perante a Nação no esforço construtivo: são todos trabalhadores. Diante deles e
contra eles só há uma classe em antagonismo permanente, cuja nocividade é
preciso combater e reduzir ao mínimo: a dos homens que não contribuem para o
engrandecimento do país, a dos ociosos, a dos parasitas”, os vendilhões da
pátria e os escravocratas, estes capitães-do-mato de pele branca. Aqueles que
se humilham diante dos estrangeiros que lhes retribui com as esmolas pela
espoliação, pelo esbulho do Brasil.
E o Brasil dessa elite não tem lugar nos foros
internacionais, onde sofrem com o mesmo desrespeito com que tratam os seus
naturais. Para facilidade de compreensão da ignara elite, vamos dividir a
presente situação mundial em dois blocos: o da produção e o da esterilidade.
Pertencem ao bloco da esterilidade todos os governos e
sistemas de poder que se curvam ao neoliberalismo. Que consideram o capital
financeiro mais importante do que o ser humano, que tiram dinheiro da saúde, da
educação, da aposentadoria dos mais frágeis para engordar, com juros imorais e
operações financeiras ou jogatinas aéticas, a riqueza dos bancos. Que, em
comportamento que poderíamos nominar de psicopata, apenas veem o lucro, a
eliminação da concorrência, a concentração de renda como objetivo de vida, sem
atentar para qualquer valor moral.
A capacidade do brasileiro de vencer
desafios foi obnubilada diante do suposto ‘jeitinho’
Os neoliberais são na efetividade os grandes corruptores e
também os corruptos, que tanto assombram a classe média invejosa de seus
triunfos amorais; e que apenas não são ilícitos pela compra dos legislativos e
dos judiciários, como Jessé Souza descreveu em A classe média no
espelho (Estação Brasil, RJ, 2018).
No outro polo estão países e ideologias do desenvolvimento
humano, da produção, da industrialização e do conhecimento. Se, na esterilidade
do capital financeiro, basta ter dinheiro para ganhar dinheiro, no sistema
produtivo o saber é valorizado, do operário qualificado, do tecnólogo criativo,
do cientista dedicado. E há espaço e necessidade do trabalho, do trabalhador
que vai acionar todo sistema como consumidor e contribuinte. É o sistema do
capital industrial que gera renda, lucro, salário e imposto, satisfazendo o
próprio capital, o trabalho e o Estado Nacional.
Só faltaria nacionalismo, ou seja, visão coletiva baseada no
sentimento de pertencimento a uma nação, para o Brasil ser – pelo território e suas
riquezas naturais, pela população e sua capacidade – um grande país e, assim,
sentar-se como referência à mesa dos organismos internacionais da produção e a
eles se alinhar. Pela ação de traidores da Pátria, que alienam o saber e o
patrimônio nacional para o capital estéril, ficamos paralisados como uma vaca
leiteira que vê roubada sua abundante riqueza enquanto seus filhos têm fome.
No número 4, volume XXVI, o Solidariedade
Ibero-Americana (1ª quinzena de agosto de 2019) apresenta a seguinte
chamada na capa: “Enquanto a Iniciativa Cinturão e Rota, encabeçada pela China
com a cooperação da Rússia, se consolida como uma nova proposta para o
relacionamento entre as nações, os EUA e o Reino Unido se obstinam em criar
focos de desestabilização”. Poder-se-ia incluir Israel neste conjunto belicoso,
pois estes países do capital estéril já declararam guerra contra o capital
produtivo e a própria humanidade com seu projeto e ações neomalthusianas.
Ao fim, como assinala Jessé Souza, existe uma necessidade
interna, imaterial, especificamente humana que tem a ver com “o desafio de
construir uma vida virtuosa e feliz”. Urge uma profunda mudança política e
institucional para que o Brasil seja devolvido aos brasileiros e que nossos
imensos recursos possam ser aproveitados internamente para que uma vida assim
seja possível a todos.
Felipe Quintas, Doutorando
em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense.
Gustavo Galvão, Doutor
em economia e autor de As 21 lições das
Finanças Funcionais e da Teoria do Dinheiro Moderno (MMT).
Pedro Augusto Pinho, Administrador
aposentado.
*Transcrito do Monitor Mercantil, 02/10/2019, pag. 2,
Opinião