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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Quais as verdadeiras intenções de Bolsonaro em relação à cultura afro-brasileira (O novo presidente da Fundação Palmares)

Quinta, 5 de dezembro de 2019
Por
Negodai*

O novo presidente da Fundação Palmares, Sérgio do Nascimento de Camargo, nomeado na quarta-feira (27/11) assumiu a presidência da Fundação recebendo fortes críticas de racista devido a seus posicionamentos sobre a questão da cultura negra, do negro e o lugar que ele ocupa em nossa sociedade. Sérgio do Nascimento teve nomeação suspensa pelo juiz substituto da 18ª Vara Federal do Ceará, em Sobral, segundo decisão, o novo presidente colocaria a entidade em risco.
Em entrevista, Bolsonaro disse que a indicação do jornalista Sérgio do Nascimento de Camargo para Fundação Palmares foi do novo secretário especial da cultura, Roberto Alvim, aquele que quando era diretor da Funarte (Fundação Nacional de Artes) convidou a esposa, Juliana Galdino, que assinou, no primeiro documento, declaração dizendo que aceitava o cargo de diretoria artística do Teatro Plínio Marcos, em Brasília, no período entre outubro de 2019 a setembro de 2020. Ela assumiria a montagem da peça Os Demônios, baseada na obra do escritor russo Fiódor Dostoiévsk. O projeto estava orçado no valor de R$ 3,5 milhões. Depois de entrevistado pela revista Veja, no mês de Setembro, Alvim disse que sua mulher trabalharia de graça e que depois desistiu da contratação. Informação divulgada pelo colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo.
O novo secretário especial de cultura, agora reproduzindo a fala do próprio Bolsonaro em entrevista, “um tal Roberto Alvim”, foi quem indicou o jornalista Sérgio do Nascimento de Camargo para presidência da Fundação Palmares. Mesmo tendo ocorrido o caso da indicação da mulher do novo secretário de cultura especial, Roberto Alvim, Bolsonaro disse que o novo secretário tem carta branca para atuar. Existem critérios de ética e moralidade em casos como esse? Não foi o próprio Bolsonaro que disse em campanha que viria uma nova política?
Na sequência Bolsonaro fez considerações sobre a cultura no país:
         “a cultura nossa tem que está de acordo com a maioria da população brasileira, não de acordo com a minoria.”
Vale lembrar que a maioria da população brasileira é de não brancos, se fosse o caso de seguir a maioria. Só que a defesa, a fomentação e as manifestações da cultura no país não devem seguir nem a maioria, nem a minoria, devem está de acordo com a pluralidade, não seria esse o correto? 
Sérgio do Nascimento de Camargo, presidente nomeado da Fundação Palmares é jornalista, filho do poeta, contista, romancista, pesquisador e escritor negro Oswaldo de Camargo que exerce militância na literatura.
Sérgio do Nascimento Camargo se intitula um negro de direita, tudo bem, isso é uma escolha que cabe a ele. Mas, aí surgem algumas questões: O que significa negro de direita? O negro de direita é contra política de cotas? O negro de direita pode ser contra estatismo ou estadismo e a favor da iniciativa privada? O negro de direita é a favor de políticas que incentivam a meritocracia? Sim, ele pode ser tudo isso, ele tem direito às escolhas subjetivas dele.
O problema do Sérgio do Nascimento Camargo não é ser um negro de direita. O problema é que ele é cruel, violento, agressivo nas concepções do pensamento que propõe, o que o faz se aproximar da ignorância. Parece que ele faz afirmações apenas com o intuito de escandalizar deixando de lado argumentações históricas e sociais que as pudessem justificar. Como alguém que presidente a Fundação Palmares, entidade criada para defender e fomentar a cultura e as manifestações afro-brasileiras pode pensar contra aquilo que foi nomeado para proteger e fomentar? Você colocaria o lobo para proteger o seu galinheiro? Existiria aí, por parte do governo Bolsonaro a intenção de salvaguardar a cultura afro-brasileira dando carta branca ao secretário especial de cultura Roberto Alvim para escolher alguém que não tem apreço pelos valores que deveria defender? Existiria, aí, uma questão ideológica política influenciando? Estaria em prática, aos nossos olhos, o racismo institucional e estrutural?
Sérgio do Nascimento Camargo é contra o dia da Consciência Negra. “Merece estátua, medalha e retrato em cédula o primeiro branco que meter um preto militante na cadeia por crime de racismo”. “O Brasil tem racismo nutella. Racismo real existe nos EUA...”, “Mulher preta que é feminista, lulista e afromimizenta não pode reclamar da solidão da mulher negra. Ninguém é louco de encarar!”, “Tenho nada a ver com a África, seus costumes e religião...” Isso parece fala de alguém que irá defender e fomentar a cultura e as manifestações afro-brasileiras? Quem o escolheu têm responsabilidade sobre isso? Sérgio ainda afirmou que a escravidão foi boa, pois os negros viveriam em condições melhores no Brasil do que na África. De que África ele está falando, pois no continente africano existem “várias” Áfricas, olha o padrão de comparação, olha os negros que estão na África. Ele está se referindo a quais negros? Quais países? Simplesmente fala e não explica, fala por falar, para impactar. Isso cheira a despreparo ou é ignorância? Então, a questão principal que deve ser observada não é o fato dele ser um negro de direita, mas que suas concepções agridem a comunidade negra como um todo. É claro que os negros não são todos iguais, como os brancos também não o são, mas existem algumas questões que concernem a todos os negros.  As várias gerações com seus ancestrais nascidos no Brasil foram trazidos para cá em circunstâncias desumanas e depois da “abolição” veio simplesmente à exclusão.
Segundo Joaquim Nabuco (1849-1910), político, diplomata, historiador, jurista e jornalista brasileiro: “A escravidão permanecerá por muito tempo como característica nacional do Brasil”. Um olhar histórico, político e social e condizente com a realidade verá que a discriminação do povo negro fez, faz e parece que fará ainda durante muito tempo parte da identidade nacional. Haja vista, casos recentes de racismo, como no caso da atriz Cacau Protásio por militar no quartel dos bombeiros do Rio de Janeiro.
Veja a sua volta, num restaurante caro, quantos negros têm ali, procure quantos negros têm nos cursos de ponta das universidades públicas ou particulares, quantos negros existem na cúpula das empresas, vá vê a cor dos presídios brasileiros, a cor que mais morre vítima de homicídio.
Sérgio do Nascimento Camargo não é porque ele é negro que está livre do racismo. O racismo não é uma condição da pele, nem é uma condição psicológica (vitimismo, como hoje dizem por aí), ele é uma prática estrutural, histórica e socialmente determinada a um grupo. Se estudarmos os grupos judeus pró-nazista, geralmente compostos de gente da comunidade judaica, sobretudo os que não tinham expressão social nenhuma, perceberemos que viram no nazismo a chance de se vingar da sua própria comunidade, assim como houve armênios coniventes com o genocídio armênio na Turquia.
Será que não poderia existir, hoje no Brasil, um negro racista no comando na Fundação Palmares querendo desconstruir a cultura e as manifestações afro-brasileiras? Só sabe o que é a necessidade quem um dia por ela passou. É o pouco que dá significado ao muito, assim como é o muito que dá significado ao pouco. Só quem percorre a distância sabe o que ela significa. Quem nunca disputou uma maratona, jamais terá noção da distância percorrida. Negro que acha que a escravidão foi benéfica jamais sentiu o sofrimento e nem terá a consciência sentida na pele de quem tem que a enfrentar todos os dias o que é ser negro no Brasil.
*Negodai (Filosofia-UCB-Cantor-Poeta-Compositor)