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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

A CAMPANHA DA MULHER PELA DEMOCRACIA-CAMDE

Terça, 24 de dezembro de 2019
Do Jornal InfoCruzeiro
Por
Salin Siddartha
Várias organizações e movimentos originários da sociedade civil, conservadores e de extrema direita, agiram para derrubar o Governo de João Goulart. Muitos deles eram financiados pelos Estados Unidos, como foi o caso do “complexo IPEA-IBAD” (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – Instituto Brasileiro de Ação Democrática), que brecava as ações sociais reivindicadas pelos movimentos populares durante o período em que durou aquele governo.

A Campanha da Mulher pela Democracia-Camde foi um movimento de direita criado, preparado e financiado pelo IPES e pelo IBAD, a partir de 1962, com a função de mobilizar a maior quantidade possível de mulheres, seguindo uma ideologia conservadora da Igreja Católica. A função tática de suas militantes (apelidadas de “camdocas”) era incumbir-se da opinião pública, pois, naquela época, pressupunham que, sem que a opinião pública pedisse, os militares não agiriam para intervir na situação política nacional e, assim, estavam à espera de um amadurecimento da opinião pública.

Recebendo apoio do jornal O Globo, a Camde era uma associação vinculada a uma campanha de desestabilização do Governo Goulart a qual lutava a favor da manutenção de valores e instituições supostamente ameaçados pelo comunismo, como a família e a religião, e participava das articulações que levaram à queda do Presidente Jango, combatendo contra a orientação governamental janguista de cunho nacional-trabalhista, fazendo-se presente nas diversas manifestações contrárias àquele Governo. Era muito atuante nos Estados da Guanabara, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Empenhava-se em afirmar o lar como espaço preferencial de atuação feminina, promovia lutas anticomunistas por meio de comícios e da distribuição de panfletos, além de dedicar-se a trabalhos assistenciais junto à população desassistida e favelada. A Campanha da Mulher pela Democracia foi uma das promotoras na preparação da “Marcha com Deus pela Liberdade”, em São Paulo e no Rio de Janeiro, evento em que milhares de mulheres, com terços nas mãos, saíram em passeata “em defesa da democracia, da família e da moral cristã”, conforme afirmavam suas militantes. A “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” era, em verdade, uma reação do segmento mais conservador da sociedade brasileira contra o comício de João Goulart, realizado dia 13 de março de 1964, ao lado do prédio da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que reuniu mais de 300 mil trabalhadores.

A Campanha da Mulher pela Democracia apoiou o Golpe Militar que derrubou o Presidente João Goulart em 1º de abril de 1964 e foi a principal organizadora da “Marcha da Vitória”, realizada no Rio de Janeiro, em 2 de abril de 1964; durante essa demonstração, a Camde distribuiu um manifesto parabenizando o Exército pela deposição de Goulart. Em 1965, portanto um ano depois do Golpe Militar, as mulheres
da Camde colaboraram com a Superintendência Nacional de Abastecimento-Sunab numa campanha a favor do controle dos preços, dando início à “Campanha de Defesa da Economia Popular”, na qual serviu de intermediária entre órgãos governamentais, empresários e consumidores, lançando apelos às donas de casa para que agissem como “fiscais de preços” e não comprassem produtos que estivessem acima do valor divulgado pelas tabelas da Camde e da Sunab. Os comerciantes que aderiam à campanha recebiam um escudo para ser colocado nas vitrines de suas lojas a fim de indicar ao consumidor que aquele estabelecimento participava da campanha (duas décadas mais tarde, José Saney tentou uma nova versão dessa campanha, reeditando-a sob o título de os “Fiscais do Sarney”).

A Camde reivindicava a necessidade de uma propaganda oficial do regime militar que estabelecesse ligação direta entre o governo e o povo, mantendo vivos os ideais do Golpe Militar. A Campanha da Mulher pela Democracia representou bem os primeiros anos da Ditadura no Governo Castello Branco, porém o mesmo não ocorreu a partir de Costa e Silva, do qual divergiu por ter transformado o Movimento Militar em uma Ditadura.

Após a promulgação do AI-5, o regime militar passou a prescindir de organizações de massa, fazendo com que a mobilização feminina fosse paulatinamente perdendo força, levando as mulheres de classe média de volta ao seu papel tradicional no mundo doméstico, longe do espaço público, o que conduziu ao fim das atividades da Campanha da Mulher pela Democracia-Camde.

A Camde foi fundada por Amélia Molina Bastos, irmã do general Antônio Mendonça Bastos, do setor de informação e contrainformação do IPES, mas também tinha como líderes importantes a carioca Eudóxia Dantas, a catarinense e muito radical Edith Gama Ramos (esposa do Governador Celso Ramos), a paulista Antonieta Pellegrini (irmã de Júlio de Mesquita Filho, diretor-proprietário do jornal O Estado de São Paulo) e a carioca Regina Figueiredo da Silveira (irmã do banqueiro João Baptista Leopoldo Figueiredo, presidente do IPES e primo do general João Baptista de Oliveira Figueiredo, que foi o último Presidente da República do ciclo da Ditadura Militar).

Cruzeiro-DF, 23 de dezembro de 2019

SALIN SIDDARHA

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