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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Projeto de Lei 6.159/2019 apresentado pelo Poder Executivo impõe retrocesso nos direitos de pessoas com deficiência, aponta PFDC (MPF)

Sexta, 6 de dezembro de 2019
Do MPF
Em Nota Técnica encaminhada aos parlamentares que irão analisar o Projeto de Lei 6.159/2019, órgão defende a rejeição da matéria
Imagem de parte das pernas e pés de um cadeirante e o texto "Inclusão: Pessoa com Deficiência"
Foto: Pixabay
O Projeto de Lei 6.159/2019, apresentado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional em novembro, representa grave retrocesso nos direitos sociais historicamente assegurados a pessoas com deficiência e, por esse motivo, deve ser rejeitado. O alerta consta em Nota Técnica da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF), encaminhada nesta sexta-feira (6) como subsídio aos parlamentares que irão analisar a matéria.
No documento, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e os integrantes do Grupo de Trabalho Inclusão de Pessoas com Deficiência da PFDC apontam que a elaboração do projeto de lei não contou com qualquer debate prévio junto ao público diretamente interessado, exigência do ordenamento jurídico nacional (Lei 13.146/2015 - Lei Brasileira de Inclusão) e internacional (Convenção sobre os Direitos de Pessoas com Deficiência, ratificada pelo país).

A respeito dessa questão, o órgão do MPF ressalta que a Constituição Federal de 1988 contém uma dimensão extremamente significativa de democracia participativa. "Reconheceu-se que pessoas e grupos historicamente invisibilizados acumularam conhecimento e, na medida em que suas lutas foram incorporadas pelo Direito, a participação surge como imperativo de continuidade e coerência na formulação das políticas públicas pertinentes", salienta a nota.

Além disso, ao tentar disciplinar sobre o auxílio inclusão e o sistema de cotas para pessoas com deficiência, a proposta desconsiderou o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD) - que impede que os projetos tenham duas ou mais matérias diversas. A pretexto de regular a instituição do auxílio inclusão previsto na Lei Brasileira de Inclusão (LBI), afirmam os procuradores, o projeto promove uma série de alterações prejudiciais no sistema de cotas para as pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Assim, diante da distinção das matérias, não existe fundamento válido para a sua votação em um mesmo PL.

O auxílio inclusão é uma forma de incentivar as pessoas com deficiência que dependem da Assistência Social a entrarem no mercado de trabalho e, com isso, facilitar a sua inclusão social. Nesse sentido, a Nota Técnica menciona uma manifestação emitida pela Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, segundo a qual o PL 6.159/2019 "não tem o escopo de contribuir para a inclusão da pessoa com deficiência, mas, sim, de desonerar o empregador", voltando o foco da deficiência como fator de "incapacidade", nos moldes do superado modelo médico da deficiência.

Também foi mencionado com preocupação pela PFDC o fato de o PL 6.159/2019, em seu art. 10, promover alterações substanciais em dispositivos da Lei 8.213/1991 que se referem aos programas de habilitação e reabilitação, instituindo um caráter compulsório que - após análise mais aprofundada - pode levar à constatação de que a medida se destina a facilitar o cancelamento de benefícios regularmente concedidos.

Outro problema identificado, ainda no art. 10 da proposta legislativa, está relacionado às excludentes criadas no cálculo de vagas consideradas para fins de se verificar o cumprimento da reserva legal. Pelo PL, vagas com jornada de trabalho inferior a 26 horas - justamente as mais procuradas por pessoas com deficiência - não poderão ser computadas, bem como aquelas destinadas a atividades perigosas.

Por outro lado, entre as que podem ser calculadas para fins de cota, o projeto admite várias manobras que facilitam a comprovação pela empresa de seu cumprimento, como é o caso, entre outros, de pessoas contratadas como aprendizes, que poderiam ser enquadradas no cumprimento da cota de pessoas com deficiência. Ainda assim, pondera a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, mesmo que a empresa não cumpra a reserva de vagas, ela pode substituir a contratação de pessoas com deficiência pelo pagamento de uma multa irrisória equivalente a dois salários mínimos, pelo período de três meses.

"Verifica-se, pois, que o projeto é absolutamente danoso aos direitos das pessoas com deficiência já conquistados ao longo de décadas. Ele destina a tais pessoas um tratamento indigno, pois deixa explícito que a sua presença no ambiente de trabalho é um peso que pode ser evitado pela empresa. O projeto desconsidera que as cotas não se prestam apenas à 'inserção' no mercado de trabalho, mas principalmente à promoção da diversidade no ambiente de trabalho e ao cumprimento do direito fundamental das pessoas com deficiência ao trabalho", afirma o documento da PFDC.