Pedro Augusto Pinho*
No início da década de 1960, a vitoriosa atuação da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) na disputa espacial parecia mostrar
que o mundo se inclinaria para o campo socialista.
As forças do capitalismo, grupadas nos Estados Unidos da América
(EUA), empreendiam a campanha contra “o comunismo” e este programa invadia
todos ambientes: estudantil, empresarial, sindical, agrário, artístico. Quando
as ideias não bastavam, as forças da inteligência (espionagem) e os militares
estadunidenses aplicavam golpes, demoliam a democracia que, contraditoriamente,
sua manutenção era parte importante dos discursos.
Eram facilmente constatáveis as contradições entre as
propagandas, as comunicações, os discursos e as ações empreendidas contra os
povos que, majoritariamente, apenas queriam ter vida digna: soberania e
cidadania.
Uma questão, entre tantos exemplos possíveis, tratava da
compreensão do planejamento. Como a URSS tinha planos plurianuais, orientadores
das ações públicas, na doutrinação contrária entendia-se o planejamento como
cerceador da liberdade, inibidor das manifestações de vontade, um procedimento
não democrático e liberal.
No entanto todas as ações para a tomada do poder e a eliminação
das oposições aos interesses do império estadunidense eram minuciosamente
preparadas, envolvia o planejamento das comunicações, das fabricações, das
pedagogias, do transporte, de tudo que pudesse pressionar e influenciar o homem
comum e as lideranças.
Naqueles anos 1960, duas forças disputavam a primazia no campo
capitalista: a industrial e a financeira. Mas era uma peleja nas sombras, atrás
das cortinas, não reconhecida pelos contendores que, na aparência, apenas
focavam o comunismo.
O golpe de 1964, no Brasil, foi planejado e executado pelo
segmento industrial, embora não sofresse qualquer oposição dos financistas. E,
como nas ironias da história, sofreu um golpe dentro do golpe, em 1967, que
colocou militares nacionalistas no governo, estes existiam e eram até numerosos
à época.
Os financistas aprenderam, com esta virada no golpe de 1964, que
os militares não eram de confiança para conduzir o projeto de sujeição do
Brasil ao interesse das finanças. Desencadearam, então, um duplo processo.
Conquistar os militares, a partir da infiltração da ideologia
neoliberal nas escolas de comando e estado maior, e ampliando esta doutrinação
por toda cadeia de formação, instrução e adestramento militar. Hoje são raros
os militares nacionalistas e mais raros ainda os que assumem a defesa da
questão nacional.
Paralelamente, desconhecendo o grau de sucesso da doutrinação
neoliberal nas Forças Armadas (FA), ainda que mobilizasse toda comunicação de
massa, quase unicamente privada, na propaganda, enveredou também pela colocação
da juristocracia no poder brasileiro.
Detenhamo-nos um pouco nesta alteração da classe no governo.
Como sabemos de todos estudiosos da História pátria, o poder no Brasil, salvo
momentos de exceção, esteve em mãos estrangeiras, nos colonizadores, que se sucederam
desde 1500 até hoje.
Estes colonizadores colocavam no governo do Brasil setores da
sociedade com os quais tivessem estreito contato e domínio. Isto fez do Brasil
o “país essencialmente agrário” e, com a exploração mineral e energética, um
país exportador de produtos primários, seja oriundo do campo agropecuário, seja
das minerações e, mais recentemente, do petróleo descoberto pela Petrobrás em
águas ultra profundas, onde sua qualificação é única no mundo.
Com os militares sob suspeita, os financistas preparam os
juízes. Afinal, os pilares da administração nacional, desde os governadores
gerais lusitanos até os recentes eleitos em fraude eletrônica, foram a
repressão (ou justiça) e a finança. Tudo mais variava ou era unicamente
privado, como a grande imprensa.
Além disso, a juristocracia formara-se, historicamente, nas
fazendas, na alta classe média, nos cursos no exterior, na representação
política, o que a tornava não apenas identificada por classe, porém mesmo por
herança de família: avô, ministro; filho, desembargador; neto juiz. A
homogeneidade judiciária era muitíssimo maior do que a militar, que acolhia
mais democraticamente seus membros, dos pobres até os ricos.
Tudo foi minuciosamente preparado para que na saída dos
militares se empossasse o poder financeiro. A sucessão do Geisel, a eleição
indireta de Tancredo-Sarney, a constituição de 1988 foram a instrumentação
adequada para o que se seguiu e permanece até hoje: governo das finanças, do
capital financeiro, da especulação e da corrupção.
E, com um toque maquiavélico, armar parte da oposição com um
discurso identitário que se confunde com o da própria banca. E, o que torna
ainda mais complexa a junção oposicionista, os identitarismos passam a ser
agredidos por grupos conservadores, por crenças religiosas, que acabam por
fazer crer que o neoliberalismo é libertário e não escravagista.
E, pelas facilidades tributárias, patrimoniais, contábeis, as
igrejas, especialmente a neopentecostal que tem formação ideológica
estadunidense – a teologia da prosperidade – atuam na lavagem do dinheiro
ilícito, formando o que o jornalista Romulus Maya denomina “evangelistão do
pó”.
O que temos hoje, alguns denominam cismogênese, palavra
construída pelo antropólogo anglo-estadunidense Gregory Bateson (1904–1980), que
significa no grego, origem da ruptura ou da divisão. São atores que agem tanto
no governo e quanto na oposição, cuja passagem de um polo ao outro não modifica
sua conduta nem mesmo seu discurso.
Verdadeira obra coletiva, de muitos pesquisadores, de muito
planejamento e de muita farsa e corrupção; uma construção da banca iniciada nos
anos 1950.
Mas não é surpreendente. Com as finanças no poder e sem
controles e regulações, o capital financeiro ficou, cada vez mais, representado
pelos ganhos ilícitos, criminosos, da produção e tráfico de drogas, dos
contrabandos de armas, pessoas e órgãos humanos. Com as mais expressivas formas
de enriquecer e criar um modelo de ação corrompendo policiais, militares,
juízes, políticos e toda estrutura dos Estados.
Há perfeita identidade entre a banca, o sistema financeiro
internacional, e a corrupção. Vimos magistrados e membros do ministério público
e da polícia brasileira, inteiramente ao arrepio da lei e da ética
profissional, viajarem para os EUA, desde a Nova República, para serem
treinados em fraudes processuais, ações irregulares quando não ilícitas na
condução dos processos e nos intensos e corruptos relacionamentos com advogados
e todos que participem, de algum modo, do Poder Judiciário e do Ministério da
Justiça.
E, mesmo apoiando pelo voto os agentes da banca, o povo tem
conceito cada vez menos elogioso do judiciário, da polícia e dos bancos.
Que Estado podemos imaginar, dominado pela especulação, pela
corrupção, pelas drogas, contrabandos e uma religião que divulga e pratica a
teologia do enriquecimento, sem qualquer restrição ética ou moral?
Que formação estar-se-á dando ao povo, pelos meios formais da
pedagogia oficial ou pela irresponsável comunicação de massa, para que tenha
orgulho nacional, que lute pela soberania do Brasil?
Por fim, que direito estará perseguindo este estado
traficante-financeiro-religioso-malthusiano?
Não há espaço para acomodações, entramos na era das rupturas.
*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado
Transcrito do Portal Pátria Latina