Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

A Presidência Imperial


Quarta, 15 de junho de 2011
Por Ivan de Carvalho
De repente, descobriram a pólvora. Ou redescobriram, como a maioria das coisas que estão aí, tema sobre o qual não escreverei, pelo menos hoje, neste espaço. No momento, reservado ao registro de um novo, emocionante e essencial debate sobre o desequilíbrio cada vez maior e mais notório entre os Três Poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – na república brasileira.

            O que de repente foi descoberto é que o país caminha a passo rápido para o que alguns estão chamando de “Executivo hipertrofiado” e outras de “Presidência imperiral”. As duas expressões se ajustam como uma luva à conjuntura, uma nada fica a dever à outra, mas se levamos em conta as duas, conjuntamente, temos um cenário mais completo e mais claro, mais explícito, do mau caminho pelo qual a já titubeante democracia brasileira, acossada por vários flancos, vai sendo empurrada.

           Gilmar Mendes, ministro e último ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ligou o alarme. Não que já não estivesse o tema sendo abordado aqui e ali, mas vindo de onde veio e dentro da polêmica sobre o comportamento sinuoso e altamente discutível do STF em relação ao caso Battisti, o debate ganhou densidade. E ele deixou claro que o STF está se tornando subordinado à Presidência da República.

            Densidade é o que também está ganhando no Congresso com as iniciativas (inclusive uma delas do presidente do Senado Federal e do Congresso, José Sarney, cujo governismo é indiscutível) que visam a por limites ao abuso que o Executivo, através da Presidência da República, vem há anos e cada vez com mais intensidade praticando com a utilização do instrumento da Medida Provisória.

            A Constituição só permite uma medida provisória sobre um assunto específico e desde que atendidos os requisitos de urgência e relevância. Pois a Presidência da República tem enviado com cada vez mais freqüência ao Congresso medidas provisórias sem a menor urgência e frequentemente sem a exigida relevância constitucional (daria para fazer por projeto de lei com tramitação em regime de urgência ou mesmo sem a urgência).

Assim, não atende aos dois requisitos constitucionais, bem como desrespeita o preceito de que uma medida provisória deve abordar um determinado assunto específico. E então o chefe ou a chefe do Executivo coloca nela “assuntos de carona”, como ontem os qualificou o presidente do Conselho Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcanti, avisando que a Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB examina a proposta de medidas judiciais para impedir que esses “assuntos de carona” continuem sistematicamente a serem incluídos nas MPs.

Um exemplo? Numa MP que cria a Secretaria de Aviação Civil foi incluída emenda que flexibiliza – facilita, reduz o rigor – dos processos de licitação para as obras da Copa do Mundo de 2014. É a quarta tentativa governista para aprovar essa “flexibilização” dentro de uma MP, já que as três tentativas anteriores não tiveram êxito.

Bem, a OAB vai tentar acabar com as “caronas” nas MPs, mas tem que fazer isto no STF, que deu – contrariando entendimento anterior do tribunal – poder discricionário ao presidente da República (no caso específico, foi Lula) para decidir sobre a concessão de refúgio a Battisti, mesmo sem respeitar os termos do acordo de extradição existente entre Brasil e Itália. Por isso, talvez, o PPS tenha uma Proposta de Emenda Constitucional para mudar profundamente o processo de escolha dos ministros do STF, hoje totalmente monopolizado pela Presidência da República.

Mas a proposta – assim como uma idéia de Sarney sobre a tramitação das MPs – terá (teria) de ser aprovada pelo Congresso, onde a presidente da República, que não quer, tem ampla maioria. Um Congresso que aprova um orçamento proposto pelo Executivo e que, mesmo assim, é meramente “autorizativo”, uma fantasia que o governo só torna realidade nas partes que lhe interessam.
- - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.