Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 4 de junho de 2011

Um atraso de vinte dias


Sábado, 4 de maio de 2011 
Por Ivan de Carvalho
Vinte dias depois que uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo mostrou o veloz enriquecimento do ministro Antonio Palocci, ele decidiu, sob pressões irresistíveis, falar diretamente ao público sobre o caso, concedendo uma entrevista exclusiva ao Jornal Nacional, da Rede Globo, veículo que escolheu. Constava no início da noite de ontem que a íntegra seria divulgada logo depois na Globo News.

            Ante a inevitabilidade de tentar explicar-se com a população, o ex-ministro da Fazenda do governo Lula e atual ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República do governo Dilma Rousseff (cargo para o qual, faça-se justiça, foi indicado quase irrecusavelmente por Lula) descartou, de plano, o instrumento da entrevista coletiva. E nisto teve não somente concordância quanto aconselhamento não só de sua assessoria como do governo.

É claro que na situação política extremamente delicada em que está, a entrevista coletiva seria uma ameaça terrível. As coletivas dão chances a questionamentos não previstos, inesperados e ao questionamento das respostas, podendo chegar a gerar quase que debates entre jornalistas e, no caso, o ministro, para aprofundar um fato que eventualmente esteja sendo insuficientemente explicado pelo entrevistado. Uma hipótese para nem pensar.

Daí a entrevista exclusiva a um veículo escolhido. E o surgimento da questão de ser a entrevista ao vivo, como em um caso desse porte seria normal, ou gravada, o que, em tese, permite, afinal – embora não seja correto – corrigir derrapagens mais ou menos perigosas. A proposta do ministro foi de uma entrevista gravada em Brasília, embora a Globo haja tentado a entrevista ao vivo, ainda que por intermédio de um link que permitiria o ministro permanecer em Brasília, sem precisar ir ao estúdio em que estariam os entrevistadores. Ah, Palocci também desejou deixar para falar no início da semana, preocupado com a hipótese das reportagens de fim de semana trazerem algum fato novo que contrariasse o que falasse ontem na TV – caso em que seria uma bagaceira. Mas foi pressionado pelo governo a falar ontem mesmo.

Vamos todos nós, os telespectadores-cidadãos, ter a oportunidade de ouro de verificar as condições das cordas vocais do ministro, pois se resistiu durante 20 dias a dar explicações públicas sobre o que se levanta contra ele e se, mesmo as explicações privadas – ao comando de seu partido, aos senadores do PT e ao procurador geral da República foram tão discretas como mostrou o farto noticiário desses dias – que outra coisa iria ele nos oferecer na telinha além da sonoridade mais ou menos agradável de suas cordas vocais?

Estou com uma certa pena do ministro. A comissão executiva nacional do PT fez reunião esta semana e resolveu não defendê-lo. Não emitiu nota oficial, porque isso poderia ser o tiro de misericórdia, mas deixou claro que o problema Palocci é dele e do governo, não é do PT (que, só por acaso, imagino, é o partido do governo e no governo). E o presidente petista Rui Falcão deu-se ao luxo de declarar que o ministro deve se explicar – coisa que a oposição vinha dizendo há 20 dias. Aliás, tem muita gente no PT querendo arrancar Palocci do governo.

Aliás, do lado governismo-petismo, quem saiu na frente dizendo que a evolução econômico-financeira do ministro causa estranheza foi o governador Jaques Wagner, uma das lideranças de proa do PT no país. Ele apenas ressalvou que, sendo do PT, está “solidário” com Palocci, “até prova em contrário. E então, nos seus calcanhares, pronunciou-se na mesma linha, cobrando explicações, sem maiores ressalvas, o senador Walter Pinheiro. Surpreendido talvez pelo próprio silêncio, o deputado Pelegrino, que por falta de sorte era o líder da bancada do PT na Câmara na época do Mensalão, o que acabou lhe custando caro, fez soar as próprias cordas vocais no pedido de explicações que o presidente do Congresso, senador Sarney, repetiria ontem, praticamente “saindo de baixo”.

Porque o ministro, lá do alto onde esteve, despenca feito um bólido.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.