Terça, 9 de
setembro de 2014
Alex
Rodrigues - Repórter da Agência Brasil
Brasília – Depois de inspecionar oito dos 23
estabelecimentos prisionais administrados por empresas privadas em
funcionamento no Brasil, a Pastoral Carcerária recomenda que o processo de
privatização seja imediatamente revertido.
A Pastoral concluiu que a privatização dessas unidades como
alternativa à incapacidade do Estado de garantir a segurança e o bem-estar dos
presos não tem sido vantajosa para a administração pública nem financeiramente
nem legalmente.
A entidade aponta falta de transparência dos contratos
firmados entre governos estaduais e empresas e classifica como ilegal a
iniciativa do Estado de delegar à iniciativa privada atividades como custódia,
segurança e vigilância interna de unidades prisionais. A Pastoral pede que o
Poder Público encontre meios de tornar a administração penitenciária estatal
mais eficiente.
“Os estados devem romper imediatamente os contratos com a
iniciativa privada e devolver a custódia dos presos a agentes públicos
concursados”, recomenda a Pastoral Carcerária em um relatório obtido com
exclusividade pela Agência Brasil. O documento reúne observações,
conclusões e recomendações dos pesquisadores e agentes da pastoral que
visitaram as instalações privatizadas e conversaram com detentos, funcionários
e diretores das unidades de seis estados: Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Minas
Gerais, Santa Catarina e Tocantins.
À época da visita, as oito unidades eram administradas por
cinco diferentes empresas e abrigavam cerca de 20 mil presos de um total de
mais de 520 mil pessoas privadas de liberdade em todo o país. Ao fim da
pesquisa, coordenada pelo assistente jurídico da Pastoral, José de Jesus Filho,
a entidade concluiu que não há como comparar os resultados alcançados em
unidades privatizadas com aqueles obtidos pelos estabelecimentos públicos, uma
vez que os dois modelos funcionam com lógicas distintas e diferentes recursos
materiais, humanos e financeiros.
“Quando uma unidade privatizada apresentou aparente
desempenho satisfatório em termos de assistência à saúde ou jurídica - o que
raramente se encontra em uma prisão gerida pelo Poder Público - esse resultado
está associado ao fato de que há maior investimento nessas unidades e que a
alocação de recursos para elas implicou em maior redução dos já escassos
recursos destinados a unidades públicas”, aponta o relatório, fazendo ressalva
a uma vantagens atribuídas ao modelo implementado no Brasil no final da década
de 1990: a agilidade na prestação de serviços essenciais aos presos, como
saúde, higiene e alimentação, além da manutenção das instalações.
O documento destaca ainda a dificuldade dos pesquisadores de
obter informações sobre custos e procedimentos. Outro ponto relatado diz
respeito à forma seletiva de trabalho dessas unidades prisionais que só aceitam
receber presos com bom comportamento, recusando ou devolvendo às unidades
públicas os que não se ajustam a suas regras disciplinares. Além disso, nenhum
dos estabelecimentos privatizados visitados lida com o problema da
superlotação, comum nos presídios públicos. A Pastoral conclui que “a
privatização pode te agravado as condições de vida em unidades não
privatizadas”.
“Não há informações suficientes para realizar uma análise
segura da efetividade da privatização no âmbito dos estados, a começar pela
falta de transparência. Governos estaduais e empresas privadas resistem a
oferecer informações dos processos de licitação. A maioria ignorou nossos
pedidos de informação ou explicitamente se recusou a responder nossas
perguntas, mesmo diante de expressa menção à Lei de Acesso à Informação”,
aponta a Pastoral.
O relatório rebate também o argumento de que o percentual de
presos que voltam a praticar um crime após cumprirem pena em estabelecimentos
privatizados é menor. “Não há dados confiáveis e sistematizados, nem estudos
sérios que possibilitem essa avaliação. Além disso, a reincidência é produto de
múltiplos fatores – sendo a vida na prisão um deles – de forma que tem sido um
desafio determinar porque as pessoas deixam ou voltam a praticar crimes”.
A entidade aponta 15 aspectos essenciais para a recomendação
de reversão do processo de privatização. Entre eles, as queixas de que, a
pretexto de evitar fugas e rebeliões, algumas das administradoras de
penitenciárias privadas violam direitos fundamentais dos presos, limitando ou
até proibindo o exercício adequado de atividades recreativas, banho de sol e
exercícios físicos – previstos na Lei de Execução Penal. “O nível de rigidez
disciplinar aproxima as unidades privatizadas dos chamados 'regimes
disciplinares diferenciados' ou das prisões federais, situação agravada pela
ausência de controle externo”, diz o documento.
A Pastoral também aponta a alta rotatividade entre os
funcionários contratados pelas administradoras das unidades privatizadas como
um fator de risco. De acordo com os pesquisadores e agentes pastorais, esses
trabalhadores ganham menos que os servidores públicos e recebem pouca ou
nenhuma qualificação para o serviço de custódia de presos.
Entre as recomendações também consta a sugestão para que o
Ministério Público nos estados investigue suspeitas de corrupção ou fraude na
contratação de algumas das empresas terceirizadas e descubra se essas mesmas
firmas têm autorização da Polícia Federal para exercer a atividade de segurança
privada.