Quinta, 6 de novembro de 2014
Tribuna da Imprensa
André Barros
Ilegal mostra a batalha de Katiele Fischer, uma mãe que luta para garantir o direito à saúde à sua filha, Any Fischer. |
Mesmo depois de grande mobilização de mães e pais de crianças com
graves crises compulsivas e pacientes que usaram a maconha como última e
única substância eficiente no combate a graves doenças, a ANVISA
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária) manteve a maconha, mais
especificamente o CBD – o canabidiol -, na ilegalidade. Tal luta foi
bravamente retratada no sensacional filme “Ilegal”.
Mas cabe esclarecer que o que é ilegal não é crime. Para alguém ser
condenado pela prática de um crime é necessária a análise da conduta.
Primeiro, precisa ser verificado se o autor da conduta tinha a
finalidade de praticar um fato anteriormente definido em lei como crime,
isto é classificado pela doutrina como fato típico. Por exemplo, não
pagar uma dívida é ilegal, mas não é crime. Vender droga legal não é
crime, mas vender droga ilegal é crime. Depois, deve ser verificado se a
conduta típica é ilícita. Uma pessoa que mata alguém em legítima defesa
não comete crime. O autor praticou um fato definido na lei como crime,
homicídio, mas não agiu ilicitamente, porque estava se defendendo,
consequentemente agiu de forma lícita. Por último, mesmo praticando um
fato típico e ilícito, precisa ser analisado se a pessoa tinha
capacidade de entender o caráter ilícito do fato, se tinha algum
transtorno psíquico que tirava essa capacidade no momento da ação. E,
ainda, se tinha consciência da ilicitude do fato. Pode ter agido por
erro, pensava que estava portando açúcar, mas era cocaína. Pensava que
seu adversário estava armado, mas a arma era de brinquedo. Por último,
deve ser verificado se seria possível exigir do autor conduta diversa.
A conduta típica e ilícita poderia ser reprovada? Por exemplo, poderia ser exigido de uma mãe, que importa maconha ou remédio com seus elementos para salvar a vida de seu filho, uma conduta diversa? Poderia ser exigido de uma pessoa com câncer, que importa maconha para aliviar dores, enjoos e aumentar o apetite, uma conduta diversa? O que se analisa por último é a reprovabilidade, a essência da culpabilidade.
Portanto, se não se poderia exigir dessa mãe outra conduta, ela deve ser absolvida, pois sua conduta não é reprovável e não existe condição para a aplicação da pena.
Por responsabilidade e precaução, é importante deixar muito bem consignado, que esta análise não tem relação com a discussão se a acusada vai responder o processo presa ou em liberdade. Como essa absolvição pode ser decidida, por exemplo, depois de anos de prisão processual, essa é uma tragédia que pode acontecer em nosso sistema penal punitivo.
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