Quarta, 5 de outubro de 2014
Em entrevista ao
esquerda.net, Nacho Alvarez, professor na Universidade de Valladolid e
economista do Podemos, aponta que a situação económica em Espanha é má e
que “a política de austeridade, de cortes das despesas públicas e dos
salários tem de terminar”. Sobre o referendo na Catalunha, Nacho Alvarez
salienta “que em democracia os problemas resolvem-se com mais
democracia”.
Nacho Alvarez, professor na Universidade de Valladolid e economista do Podemos
Qual a situação económica em Espanha?
Nacho Alvarez: A situação económica em Espanha
continua a ser, neste momento, uma situação de crise. A crise foi muito
dura: 5,5 milhões de desempregados, centenas de milhares de pessoas
despejadas, jovens que se vão embora do país. A situação continua a ser
má, porque, apesar de alguns indicadores melhorarem levemente, a
situação social não se altera. Por exemplo, cria-se emprego, porém o
emprego criado é muito pouco e sobretudo é de muito má qualidade. Em
Espanha, mais de 800 mil pessoas trabalham uma só hora por semana. Estes
são os dados do emprego. A situação continua a ser de crise e continua a
ser uma situação que não permite pensar na melhoria das condições de
vida da população.
O que é que o Podemos, a nova força política de Espanha, propõe face a essa situação económica?
A primeira coisa que o Podemos propõe, no campo
económico, é cortar com a política que se aplicou até agora. Aplicou-se
uma política que tem gerido a crise em benefício das elites, das
oligarquias económicas, financeiras e políticas. E, há que mudar. A
primeira questão que colocamos é que a política de austeridade, de
cortes das despesas públicas e dos salários tem de terminar. É
necessário passar ao contrário: a uma recuperação dos serviços públicos,
da segurança social e dos salários. Em segundo lugar, é necessário
remover o tampão que, neste momento, trava o crescimento da economia
espanhola. É necessário reestruturar a dívida tanto pública como privada
em Espanha e para isso é necessário iniciar um processo de auditoria,
que audite a situação da dívida pública. E, em terceiro lugar, é
necessário utilizar o setor financeiro em benefício da recuperação
económica e em benefício das necessidades sociais. A Espanha tem um
banco que neste momento é público, que foi nacionalizado, é o Bankia,
esse banco tem de servir para que o crédito volte a fluir, para que vá
para as famílias, para as pequenas empresas, para que se crie habitação
social e para que em definitivo seja um instrumento de apoio à
recuperação económica e às necessidades sociais e não, como até agora,
que é simplesmente um banco zombie que não se utiliza em benefício
social.
Quais são os objetivos políticos do Podemos, neste momento?
O Podemos é a expressão política de uma mudança
substancial que houve na sociedade espanhola. Modificaram-se os vetores
fundamentais que, por debaixo do que aparentemente se via, estruturam a
maioria social espanhola. Há novos vetores que estruturam essa maioria
social que passam fundamentalmente por um desacordo, um grande
desacordo, com a política aplicada pelo governo durante a crise, tanto o
governo socialista como o governo popular. As pessoas interpretam que
essa política foi uma política em benefício das elites, das oligarquias e
da casta. E, portanto, o Podemos é a expressão política do que antes
foi a mobilização popular, da mobilização das Marés, do 15 M. Não
representa essas mobilizações, é a expressão política dessas
mobilizações e, portanto, é capaz de recorrer, de alguma forma, aos
novos vetores que aglutinam neste momento a maioria social. Vetores que
passam por uma crítica radical à corrupção, ao sistema de corrupção, e
ao próprio bipartidarismo em Espanha. Tanto o partido Popular como o
partido socialista acordaram uma gestão da crise que tratava em
definitivo de salvar os interesses das oligarquias económicas e
políticas contra os interesses da maioria social. Isso é o que o Podemos
impugnou, isso é o que o Podemos representa, algo diferente e algo que
rompe com essa lógica de bipartidarismo e de política ao serviço das
castas corruptas no nosso país.
Um problema importante em Espanha é a questão
catalã. Qual a posição do Podemos face ao referendo de 9 de novembro de
2014 na Catalunha?
A posição do Podemos face ao tema catalão é
inequívoca. O que nós colocamos é que em democracia os problemas
resolvem-se com mais democracia. O Podemos não é um partido
independentista, de forma nenhuma. Mas o que podemos colocar neste
momento é que é necessário que perante problemas democráticos se
aperfeiçoem as ferramentas democráticas com que contamos. Não se pode
utilizar a lei para travar a vontade popular e a vontade democrática de
um povo que quer decidir. O direito de decidir tem que ser contemplado e
tem que ser utilizado precisamente para resolver estes problemas
democráticos. Ora bem, a partir do Podemos convidamos os catalães, os
bascos, os irmãos dos espanhóis que querem exercer o direito de decidir a
que o façamos todos juntos e que fiquemos todos juntos precisamente
para lançar um projeto constituinte que mude o país e um processo
constituinte que termine com o regime de 1978 e que abra um novo período
no conjunto do Estado.
Entrevista realizada por Carlos Santos e Nino Alves.
Fonte: Esquerda.Net