Domingo, 9 de novembro de 2014
"É oficial: Os EUA são o principal Estado terrorista
do mundo, e orgulhosos disso".
Esta deveria ter sido a manchete da notícia principal no New
York Times de 15 de Outubro, a qual foi polidamente intitulada:
"Estudo da CIA da ajuda encoberta alimenta cepticismo acerca do apoio a
rebeldes sírios".
O artigo informa sobre uma revisão da CIA das recentes
operações encobertas dos EUA a fim de determinar a sua eficácia. A Casa Branca
concluiu que infelizmente os êxitos foram tão raros que alguma reconsideração
desta política era pertinente.
O artigo citava o presidente Barack Obama a dizer que
pedira à CIA para efectuar a revisão a fim de descobrir casos de "financiamento
e fornecimento de armas a insurgências num país que realmente tivesse
funcionado bem. E eles não puderam sugerir muito". Assim, Obama tem alguma
relutância quanto à continuação de tais esforços.
O primeiro parágrafo do artigo do Times menciona
três grandes exemplos de "ajuda encoberta": Angola, Nicarágua e Cuba.
Cada caso foi de facto uma grande operação terrorista dirigida pelos EUA.
Angola foi invadida pela África do Sul, a qual, segundo
Washington, estava a defender-se de um dos "mais notórios grupos
terroristas" do mundo – o African National Congress, de Nelson Mandela.
Isso foi em 1988.
Nessa altura a administração Reagan estava virtualmente
isolada no seu apoio ao regime do apartheid, violando mesmo sanções do
Congresso quanto ao aumento do comércio com o seu aliado sul-africano.
Enquanto isso Washington somava-se à África do Sul ao
proporcionar apoio crucial ao exército terrorista de Jonas Savimbi, em Angola.
Washington continuou a fazer isso mesmo depois de Savimbi ter sido completamente
derrotado numa eleição livre cuidadosamente monitorada e de a África do Sul ter
retirado seu apoio. Savimbi foi um "monstro cuja sede de poder trouxe
miséria espantosa ao seu povo", nas palavras de Marrack Goulding,
embaixador britânico em Angola.
As consequências foram horrendas. Em 1989 uma investigação
da ONU estimava que as depredações sul-africanas levaram a 1,5 milhão de mortes
em países vizinhos, sem falar no que estava a acontecer dentro da própria
África do Sul. Forças cubanas finalmente repeliram os agressores sul-africanos
e obrigaram-nos a retirarem-se da Namíbia ocupada ilegalmente. Os EUA sozinhos
continuaram a apoiar o monstro Savimbi.
Em Cuba, após a fracassa invasão da Baia dos Porcos, em
1961, o presidente John F. Kennedy lançou uma campanha assassina e destrutiva
para levar "os terroristas da terra" para Cuba – palavras de um
colaborador próximo de Kennedy, o historiador Arthur Schlesinger, na sua
biografia semi-oficial de Robert Kennedy, ao qual foi atribuída responsabilidade
pela guerra terrorista.
As atrocidades contra Cuba foram graves. Os planos eram
para que o terrorismo culminasse num levantamento em Outubro de 1962, o qual
levaria a uma invasão dos EUA. Nesta altura, meios académicos reconhecem que
isto foi uma das razões porque o primeiro-ministro russo Nikita Khruschev
instalou mísseis em Cuba, iniciando uma crise que esteve perigosamente próxima
da guerra nuclear. O secretário da Defesa dos EUA Robert McNamara
posteriormente reconheceu que se tivesse estado no lugar de um líder cubano
"podia ter esperado uma invasão estado-unidense".
Ataques americanos contra Cuba continuaram durante mais de
30 anos. O custo para os cubanos foi naturalmente rude. Os relatos das vítimas,
que dificilmente alguma vez são ouvidos nos EUA, foram relatados em pormenor
pela primeira vez num estudo de 2010 do académico canadiano Keith Bolender,
"Voices From the Other Side: an Oral History of Terrorism Against
Cuba".
O custo da longa guerra terrorista foi ampliado por um
embargo esmagador, o qual continua ainda hoje em desafio ao mundo. Em 28 de
Outubro, a ONU, pela 23ª vez, endossou "a necessidade de acabar o bloqueio
económico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos contra
Cuba". A votação foi de 188 contra 2 (EUA, Israel), com abstenção de três
ilhas do Pacífico dependentes dos EUA.
Há agora alguma oposição ao embargo em altos postos nos
EUA, informa a ABC News, porque "já não é mais útil" (citando o novo
livro de Hillary Clinton, "Hard Choices"). O académico francês Salim
Lamrani analisou os custos amargos para os cubanos no seu livro de 2013,
"The Economic War Against Cuba".
A Nicarágua nem precisaria ser mencionada. A guerra
terrorista do presidente Ronald Reagan foi condenada pelo Tribunal Mundial, o
qual ordenou aos EUA que terminassem o seu "uso ilegal da força" e
pagassem reparações substanciais.
Washington respondeu escalando a guerra e vetando uma
resolução de 1986 do Conselho de Segurança da ONU conclamando todos os estados
– o que significava os EUA – a cumprirem o direito internacional.
Outro exemplo de terrorismo será assinalado em 16 de
Novembro, o 25º aniversário do assassinato de seis padres jesuítas em San
Salvador por uma unidade terrorista do exército salvadorenho, armada e treinada
pelos EUA. Por ordens do alto comando militar, os soldados invadiram a
universidade jesuíta para assassinar os padres e quaisquer testemunhas –
incluindo o caseiro do prédio e sua filha.
Este evento culminou nas guerras terroristas dos EUA na
América Central na década de 1980, embora os efeitos ainda estejam nas
primeiras páginas de hoje em reportagens sobre "imigrantes ilegais",
a fugirem em não pequena medida das consequências daquela carnificina e a serem
deportados dos EUA para sobreviverem, se puderem, nas ruínas dos seus países de
origem.
Washington também emergiu como o campeão mundial na
geração de terror. O antigos analista da CIA Paul Pillar adverte do
"impacto da geração de ressentimentos devido aos ataques
estado-unidenses" na Síria, os quais mais uma vez induzem as organizações
jihadistas Jabhat al-Nusra e Islamic State a "emendar suas violações do
ano passado e fazerem campanha em conjunto contra a intervenção dos EUA
retratando-a como uma guerra contra o Islão!
Isto agora é uma consequência habitual das operações dos
EUA que ajudaram a alastrar o jihadismo de um canto do Afeganistão para grande
parte do mundo.
A actual manifestação mais temível de jihadismo é o Estado
Islâmico, ou ISIS, o qual estabeleceu seu califado assassino em grandes áreas
do Iraque e da Síria.
"Penso que os Estados Unidos são um dos criadores
chave desta organização", relata o antigo analista da CIA Graham Fuller,
um eminente comentador acerca da região. "Os Estados Unidos não planearam
a formação do ISIS", acrescenta, "mas suas intervenções destrutivas
no Médio Oriente e a Guerra do Iraque foram as causas básicas do nascimento do
ISIS".
A isto podemos acrescentar a maior campanha terrorista do
mundo: o projecto global de Obama de assassínio de "terroristas". Os
"impactos da geração de ressentimentos" com os ataques de drones e
forças especiais são demasiado bem conhecidos para exigirem comentários
adicionais.
Isto é um recorde a ser contemplado com algum pavor.
03/Novembro/2014
[*]
Professor emérito de linguística e filosofia no Massachusetts
Institute of Technology, in Cambridge. Seu livro mais recente é
Power Systems: Conversations on Global Democratic Uprisings and the New Challenges to U.S. Empire. Interviews with David Barsamian
.
O original encontra-se em www.truth-out.org/opinion/item/27201-the-leading-terrorist-state
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/