Do ESQUERDA.NET
É totalmente claro
que a política dos governos e dos bancos centrais alimenta uma bolha
especulativa nos mercados bolsistas. Já começou na China em 2015 e pode estalar
a qualquer momento na Europa e nos Estados Unidos.
4 de Outubro, 2015
Qual foi a evolução da situação e quais
são os acontecimentos mais importantes em relação aos temas abordados no livro
Bancocracia, desde que o terminou de escrever a 31 de março de 2014?
Não se impôs ao sistema financeiro privado nenhuma medida
que permitisse evitar o rebentar de novas crises. Os governos, bem como as
diferentes autoridades responsáveis por velar pelo respeito das regulamentações
e pelo seu aperfeiçoamento, atrasaram no tempo ou suavizaram enormemente as
pequenas medidas anunciadas em 2008-2009. Prosseguiu a concentração bancária e
também as atividades de risco. Os 15 a 20 maiores bancos privados da Europa e
dos Estados Unidos continuaram implicados em diferentes escândalos relacionados
com os empréstimos tóxicos, os créditos hipotecários fraudulentos, a
manipulação dos mercados cambiais, a manipulação das taxas de juro (em
particular o Libor), a manipulação do mercado da energia, a evasão fiscal em
massa, o branqueamento de dinheiro do crime organizado, etc. As autoridades
contentaram-se com impor multas, geralmente muito pequenas face aos delitos
cometidos e o seu impacto negativo sobre as finanças públicas, por não falar da
deterioração das condições de vida de centenas de milhões de pessoas em todo
mundo. Responsáveis de organismos de controlo como Martin Wheatley, que dirigia
o Financial Conduct Authority em Londres, foram despedidos por tentarem fazer o
trabalho que lhes tinha sido confiado e emitirem demasiadas críticas ao
comportamento dos bancosI.
George Osborne, o Chanceler do Echiquier (Ministro dos Assuntos Económicos e
Financeiros), decidiu livrar-se de Martin Wheathley em julho de 2105, nove
meses antes do final de seu contrato de cinco anosII.
Apesar das suas evidentes responsabilidades, nenhum
dirigente bancário nos Estados Unidos ou Europa (além da Islândia) foi
condenado enquanto os traders são perseguidos e condenados a penas de
prisão efetivas que vão de 5 a 14 anos.
Bancos que foram nacionalizados com grandes gastos a fim de
proteger os interesses dos seus grandes acionistas privados são vendidos
novamente a preços de saldo ao setor privado, como o Royal Bank of Scotland no
Reino Unido em 2015. O resgate do RBS tinha custado 45 000 milhões de libras, a
sua reprivatização provocará provavelmente uma perda de cerca de 14 000 milhões
de librasIII.
É também o caso do SNS Reaal e de ABN Amro nos Países Baixos, do Allied Irish
Banks na Irlanda ou de uma parte do defunto Banco Espírito Santo em Portugal.
As perdas para as finanças públicas são enormes.
A política do BCE evoluiu na forma mas não no conteúdo. A
instituição baseada em Frankfurt lançou a partir de princípios de 2015 uma
política ativa de quantitative easing (expansão quantitativa), comprando
mensalmente títulos aos bancos privados europeus por um montante de 60 000
milhões de euros. O BCE compra aos bancos produtos estruturados que os estimula
a produzir. Compra-lhes igualmente obrigações bancárias (covered bonds)
e títulos de dívida soberana dos países que aplicam políticas neoliberais. Ao
mesmo tempo, o BCE empresta aos bancos privados a uma taxa de 0,05% (taxa em
vigor desde setembro de 2014)IV.
A FED pôs termo à política de quantitative easing
levada a cabo entre 2008 e 2014. Não compra já títulos hipotecários
estruturados aos bancos. Anunciou desde o início de 2014 que procederá, pela
primeira vez desde 2006, a uma subida das taxas de juro. Em princípio, isto
deveria ter lugar antes de finais de 2015. Mas as potenciais repercussões
negativas para a economia do país levam-na a hesitar. Efetivamente, uma subida
das taxas de juro atrairá em massa capitais aos Estados Unidos, o que
encarecerá o dólar contra as demais moedas e diminuirá as exportações norte
americanas dada o marasmo do resto da economia mundial. Além disso, numerosas
empresas privadas correm o risco de encontrar graves problemas de
refinanciamento das suas dívidas. Sem esquecer que o custo do reembolso da dívida
pública aumentará mecanicamente. Ainda que isto conte pouco nas dúvidas da FED,
há que acrescentar que o impacto sobre as economias emergentes será muito
negativo pois massas consideráveis de capitais abandona-las-ão e serão
transferidas para os Estados Unidos com a intenção de obter maior rendimento e
segurança.
As políticas seguidas tanto pelos bancos centrais como pelos
governos não relançaram o investimento produtivo. As grandes empresas privadas
estão sentadas sobre montanhas de liquidez de um lado e outro do Atlântico.
Para as empresas não financeiras europeias, isto representa mais de 1000
milhões de euros (1 000 000 000 000 euros) que, em vez de serem utilizados para
aumentar os investimentos e a produção, permanecem na tesouraria das empresas.
As empresas utilizam em massa os seus benefícios para comprar as suas próprias
ações em Bolsa a fim tanto de manter as cotações em alta(ou impedir a sua
queda) como de proporcionar aos acionistas copiosos rendimentos. Ao mesmo
tempo, a parte dos benefícios que serve para remunerar os acionistas sob a
forma de dividendos continua a aumentar, o que reforça a tendência a não
investir.
É totalmente claro que a política dos governos e dos bancos
centrais alimenta uma bolha especulativa nos mercados bolsistas. Esta bolha
pode rebentar em qualquer momento. Já começou na China em 2015 e terá lugar a
qualquer momento na Europa e nos Estados Unidos.
Paralelamente, os preços de uma série de matérias primas
estão em baixa (petróleo, minerais sólidos...). A queda radical do preço do
petróleo pôs fim ao boom do gás de xisto nos Estados Unidos e numerosas
empresas do setor estão à beira da falência. Grandes países exportadores de
petróleo como Venezuela e Nigéria estão muito afetados pela queda dos preços.
Uma das teses do livro Bancocracia é que os bancos centrais
e os governos perseguem dois grandes objetivos: 1. Resgatar os grandes bancos
privados, os seus grandes acionistas e os seus principais dirigentes ao mesmo
tempo que garantem a prossecução dos seus privilégios. Pode-se afirmar sem
risco de incorrer num equívoco que, sem a ação dos bancos centrais, alguns
grandes bancos teriam falido e que isto teria forçado os governos a implementar
fortes medidas coercivas aos seus dirigentes e grandes acionistas. 2.
Participar e apoiar de forma ofensiva nos ataques do Capital contra o Trabalho
a fim de aumentar os lucros das empresas e tornar as grandes empresas europeias
mais competitivas no mercado mundial face aos seus concorrentes estrangeiros...
Estes dois objetivos são comuns à FED, ao Banco de Inglaterra, ao BCE e ao
Banco de Japão.
No que se refere ao BCE, acrescentam-se a isso dois
objetivos específicos e complementares: 1. Defender o euro, que é uma camisa de
força para as economias mais débeis da zona euro bem como para todos os povos
europeus. O euro é um instrumento ao serviço das grandes empresas privadas e
das classes dominantes europeias (o 1 % mais rico). Os países que fazem parte
da zona euro não podem desvalorizar a sua moeda já que adotaram o euro. No
entanto, os países mais débeis da zona euro sairiam a ganhar em desvalorizar
por forma a reencontrar a competitividade face aos gigantes econômicos alemão,
francês, face a Benelux (Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo) e à Áustria.
Países como Grécia, Portugal, Espanha ou Itália estão, portanto, presos por
pertencerem à zona euro. As autoridades europeias e os governos nacionais
aplicam a partir daí o que se chama a desvalorização interna: impõem uma
diminuição dos salários em benefício unicamente dos dirigentes das grandes
empresas privadas. 2. Reforçar a dominação das economias europeias mais fortes
(Alemanha, França, Benelux...) onde estão baseadas as maiores empresas privadas
europeias. Isto implica manter fortes assimetrias entre as economias mais
fortes e as mais débeis.
A vitória de uma coligação de esquerdas anti austeritária na
Grécia em janeiro de 2015 constituiu uma ameaça para o BCE, a Comissão
Europeia, as grandes empresas e todos os demais governos da UE (não só os da
zona euro). O BCE e todos os dirigentes europeus fizeram da derrota do projeto
de Syriza um objetivo central das suas atividades e conseguiram os seus
objetivos em julho de 2015. O BCE asfixiou literalmente o sistema financeiro
grego e o governo de Tsipras para pô-lo de joelhos. Para evitar capitular, o
governo Tsipras poderia ter optado por soluções alternativasV
como as que são propostas no capítulo final de Bancocracia. Deveria ter-se
apoiado nos resultados da auditoria realizada pela Comissão para a Verdade
sobre a Dívida GregaVI.
Preferiu manter uma orientação moderada que estava condenada ao falhanço.
No entanto, nestes últimos anos, vê-se muito claramente que,
como consequência da crise de 2007-2008 e do reforço das políticas neoliberais,
os povos estão dispostos a optar por soluções radicais. Como prova disso, o eco
encontrado em particular pelas propostas mais à esquerda do Syriza na Grécia,
do Podemos em Espanha e inclusive de Jeremy Corbyn no Reino Unido ou de Bernie
Sanders nos Estados Unidos. Uma das lições centrais da capitulação grega de
julho de 2015 é que são necessárias forças políticas que tenham verdadeiramente
vontade de aplicar as medidas que propõem integrando-as num programa coerente
de rutura com o sistema. Outra lição é que um governo de esquerdas deve aplicar
medidas radicais no que respeita à dívida ilegítima, aos bancos privados, aos
impostos, aos serviços públicos... a fim de promover a justiça social e de
empreender uma transição ecológica. Sem isto, não haverá saída da crise a favor
dos povos.
29/9/2015
Tradução para espanhol de Alberto Nadal para o VientoSur
Tardução para português de Mariana Carneiro para o Esquerda.net
http://cadtm.org/A cada-vez-mas-Banco...
Tradução para espanhol de Alberto Nadal para o VientoSur
Tardução para português de Mariana Carneiro para o Esquerda.net
http://cadtm.org/A cada-vez-mas-Banco...
I
Jonathan Ford, «Greenspan's capital ideia for cutting back on banking angst»,
Financial Times, 23 agosto 2015, http://www.ft.com/intl/cms/s/0/59b1... Este é um
extrato do artigo em questão: «The UK government recently sacked one of the
country's most senior financial regulators, the head of the Financial Conduct
Authority, Martin Wheatley. His crime? Annoying too many financiers by the
assiduousness with which tenho approached the task.»
IIThe
Independent, «Martin Wheatley still tens 'unfinished business' at financial
regulator FCA» http://www.independent.co.uk/news/b... consultado
a 10 de setembro de 2015.
IIIChristine
Berry, «RBS sai: there is an alternative», The NEF blog, 4 agosto 2015, http://www.neweconomics.org/blog/em...
IVEric
Toussaint, «Súper Mario 2.0 a favor dos banqueiros», 7 de setembro de 2014.
VIComité
para a Verdade sobre a Dívida Pública grega, Resumem Executivo: Relatório
Auditoria da Dívida Pública Grega, 18 de junho 2015.
Sobre o/a autor(a)
Politólogo.
Presidente do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo