Sexta, 9 de
outubro de 2015
Da Open
Knowledge
A Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) adotou recentemente
uma ferramenta de código proprietário para que os cidadãos de São Paulo opinem
sobre os projetos de lei em tramitação. No dia 10 de setembro, um ofício enviado por Antonio Assiz, diretor de Comunicação Externa, a todos os
vereadores, informou que a CMSP passaria a ter uma plataforma de participação
cidadã na web, o Vote na Web. O documento também convocava todos os vereadores
a cadastrarem três projetos de lei que considerassem relevantes para discussão.
Durante o processo, não houve nenhum espaço de participação popular, nem
consulta pública.
Há aproximadamente seis meses, a Open Knowledge Brasil,
apoiada pela Fundação Avina, disponibilizou a plataforma Eu Voto, uma ferramenta com o código aberto com o
mesmo propósito do Vote na Web. O software utilizado pela plataforma é o DemocracyOS, um programa de código aberto
criado na Argentina e adotado por diversas cidades ao redor do mundo. O EuVoto
é um projeto apartidário e já conta com o apoio de vereadores de diversos
partidos políticos na cidade de São Paulo, além da participação de cidadãos que
buscam um maior envolvimento nos processos de tomada de decisão do legislativo
municipal. Já são mais de 800 usuários cadastrados e 1700 votos realizados num
curto intervalo de tempo.
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A Open Knowledge Brasil defende a importância do
código aberto dos aplicativos e plataformas utilizados nessas instituições, o
que possibilita que mais pessoas tenham ciência dos algoritmos utilizados para
ordenar ou mostrar as informações e consigam contribuir de modo mais efetivo
para a melhoria dessas plataformas, evitando a dependência de um fornecedor
específico de software. Como vantagem, o próprio governo pode se apropriar do
código do aplicativo para customizações ou integrações necessárias de maneira
independente.
No entanto, essa opção foi preterida pela Câmara
Municipal de São Paulo. A Diretoria de Comunicação Externa da Câmara fechou um
acordo, por meio de sua agência de publicidade Artplan, com uma empresa de
consultoria e produção digital que fornece uma plataforma semelhante ao Eu
Voto. A diferença, porém, é que a administração pública pagará pela inserção de
publicidade neste aplicativo, cujo código é fechado.
Antes do comunicado, a equipe do Eu Voto havia
tentado diversas vezes contato com a Presidência da Câmara para apresentar a
solução livre e buscar possibilidades de colaboração, mas esta só respondeu
quando pressionada no fórum de discussão da Open Knowledge Brasil e depois
de uma
nota em nosso site sobre o caso, quando ainda estávamos tentando entender o
ocorrido.
Quando questionada sobre o memorando que comunicava
a adoção do Vote na Web, a equipe da Diretoria de Comunicação Externa na Câmara
replicou, no fórum aberto, que deixaria para se “manifestar em um momento mais
oportuno”. A seguir, representantes da Diretoria convidaram Everton Alvarenga,
diretor da Open Knowledge Brasil, e Ariel Kogan, coordenador do projeto Eu Voto
e conselheiro da organização, para uma reunião presencial.
No dia 22 de setembro, Alvarenga e Kogan dialogaram
com a equipe de Comunicação Externa da CMSP (Antonio Assiz, seu diretor, e
Eugênio Araújo, seu vice) e o chefe de comunicação da CMSP, Everaldo Gouveia.
Na reunião, questionaram o uso de uma ferramenta com código proprietário em
detrimento de uma com o código aberto, a falta de diálogo com os representantes
de um projeto que tem por objetivo a participação cidadã mais intensa e a falta
de clareza do processo, reivindicando o envio do acordo estabelecido. E
ouviram, da parte da Comunicação Externa, que esta se alinha ao uso de software
livre e que o uso da plataforma Vote na Web não acarretará no abandono do
EuVoto.
Após a promessa de envio do acordo, houve um recuo
de Assiz. No dia 29 de setembro, ele se recusou a fornecer documentos que
especificassem como a Artplan, agência que venceu uma licitação
milionária, utilizaria essa nova plataforma para publicizar as ações da
CMSP.
Na mesma semana, porém, o presidente da Câmara, o
vereador Donato, marcou uma reunião, que aconteceu no dia 30 de setembro, após
mais um convite de Alvarenga para o diálogo. Dela, participaram Alvarenga,
Kogan, Donato e Evandro Gouveia, chefe de Comunicação. Foi acertado que
enviariam o acordo entre a Artplan e a empresa responsável pelo Vote na Web e
que haveria uma reunião para a análise de possibilidades de colaboração entre a
Open Knowledge Brasil e a CMSP, que já ocorre desde 2011, ano em que a Open
Knowledge começou a atuar no Brasil.
Entre os documentos obtidos [1], há uma carta
de recomendação datada de 23 de setembro, escrita por Igor Leite,
coordenador de mídia da Artplan, para um projeto de mídia no Vote na Web. Há também
um ofício do diretor de Comunicação Externa, do dia 25 de setembro, para o
supervisor de contas Jorge Cintra. Através do documento com os valores
propostos pela Webcitizen, responsável pela Vote na Web, o custo mensal da
operação pode chegar a aproximadamente R$ 53.000, totalizando mais de meio
milhão de reais no intervalo de um ano (~R$ 636.000).
É curioso que esses documentos assinados com os
acordo financeiros e recomendação estejam datados após a reunião do dia 22 de
setembro, ainda que a mesa diretora tenha aprovado o uso do aplicativo no dia 9
de setembro [2] e convocado oficialmente todos assessores dos vereadores para
uma apresentação sobre o mesmo uma semana depois.
Em entrevista
à rádio CBN na última sexta-feira (02/10), Fernando Barreto,
diretor-executivo do Vote na Web, afirmou que sua equipe procurou a Artplan
para fechar um acordo de publicidade na plataforma. Quando perguntado sobre a
opção da Câmara em utilizar um software proprietário, admitiu que o ideal é que
se utilizem softwares livres em órgãos públicos.
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Consideramos esta situação mais um reflexo da falta diálogo
entre a população e o poder público, o que acaba, na maioria dos casos,
incorrendo no aumento das despesas das instituições públicas com processos
fechados, ineficientes e obscuros. Assim como defendemos o uso do software
livre e do código aberto, apoiamos também processos transparentes, claros e
coerentes nas instituições públicas. Só desta forma será possível abrir a
administração pública para permitir a participação popular em processos de tomada
de decisão que competem a todos.
Notas
[1] Nos foi solicitado pela secretária da presidência irmos
buscar pessoalmente os documentos no escritório da Comunicação Externa. Não
entendemos por que não foram enviados os documentos por correio ou e-mail após
sua digitalização.
[2] A Open Knowledge Brasil não conseguiu achar o vídeo da
reunião ocorrida no dia.