Segunda, 12 de outubro de 2015
Vladimir Platonow - Repórter da
Agência Brasil
O território sírio se transformou em um espaço de disputa
entre as grandes potências, principalmente os Estados Unidos e a Rússia, e esse
tipo de conflito não é novidade no Oriente Médio, que historicamente tem sido
palco de guerras com participação externa, com os exemplos mais recentes no
Iraque e no Líbano, diz o professor Kai Kenkel, do Instituto de Relações
Internacionais da PUC Rio.
Alemão radicado há oito anos no Brasil e doutor em
relações internacionais pela Universidade de Genebra, Kenkel diz que a Síria
está sendo usada como tabuleiro do jogo de interesses das grandes potências.
“Grande parte deste conflito sempre teve a ver com o que estava acontecendo
entre Ocidente e Rússia e Ocidente e Irã.”
De acordo com o professor, a Rússia, que tem poucos portos
livres de gelo durante o ano inteiro, tem uma grande e importante base naval na
cidade síria de Tartus.“Sempre foi muito importante ter um porto próximo da
Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], no Mediterrâneo.”
Para Kenkel, é quase lugar comum considerar o regime do
atual presidente sírio, Bashar Al Assad, de difícil apoiamento, por causa de
suas posições políticas. O professor afirma, porém, que a simples remoção de
Assad poderia deixar um vácuo de poder perigoso. “Existe um consenso de que o
regime do Assad não é bom, mas pior seria o vácuo com a saída dele. E isso é
importante até na percepção do Ocidente. Se a minoria alauíta [grupo étnico do
qual faz parte Assad] é retirada do poder, vamos ter uma maioria sunita na
Síria, que vai começar a integrar mais com os outros países sunitas e acarretar
uma diminuição do que está à disposição do Ocidente para negociar. E vai criar
uma situação, dependendo de quem ganhar, de um governo radical."
Kenkel diz que não tem bola de cristal para saber o que
vai acontecer nos próximos meses ou anos no Oriente Médio, mas acredita que uma
intervenção de potências estrangeiras não vai funcionar.
“Não acredito que uma intervenção externa, a esta altura,
seja uma solução viável para a crise. Acho que, em 2011, houve um momento em
que uma intervenção externa teria trazido um resultado que poderia ter salvo
muitas vidas na Síria. Mas, hoje em dia, se você cria um quadro de eleições
puramente democráticas na Síria, vai gerar um governo completamente intratável
para o Ocidente. Os opositores já declararam que querem acabar com os alauítas.
Essa seita da família do Assad está encurralada. Se perdem o conflito, perdem a
vida.”
A professora da Universidade de São Paulo (USP) Arlene
Clemesha, doutora em história árabe, também diz que não é possível fazer
previsões sobre o futuro do Oriente Médio. Ela afirma, porém, que a integridade
territorial da Síria está em risco. “Toda previsão é falha, mas a Síria já
tomou o rumo de um Estado fragmentado e falido. É uma realidade, com a
agravante dos atores regionais, agora com a Rússia se colocando diretamente.”
Entre os interesses diretos da Rússia na região, Arlene
cita dois objetivos, um tático e outro econômico: “manter uma base [naval] é
parte dos interesses russos. Eles querem uma saída para o Mediterrâneo e também
querem manter todo um investimento que já foi feito, continuando um parceiro
privilegiado da Síria.”
A Embaixada da Síria no Brasil foi procurada para comentar
os temas da reportagem, mas não indicou ninguém para falar sobre o assunto,
preferindo enviar textos e documentos que refletem o pensamento oficial sobre
as questões. Nos textos, rebate-se o apoio armado de países como Reino Unido,
França e Austrália aos rebeldes e afirma-se que qualquer presença armada nos
territórios sírios, de qualquer país que seja, sem a aprovação do governo, com
o argumento de combater o terrorismo, é considerada uma violação à soberania da
Síria.
“O combate ao terrorismo em territórios sírios exige uma
estreita coordenação com o governo local, com o objetivo de implementar as
resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas relativas ao tema do
combate ao terrorismo.”
Em outro texto, é reproduzida entrevista do presidente
Bashar Al Assad a um canal de televisão, em agosto deste ano, na qual ele fala
sobre as premissas básicas para encerrar o conflito. “A soberania da Síria, a
unidade territorial da Síria e a determinação do povo sírio. Isso significa que
não haverá mobilização de nenhuma parte, porque, no final, a decisão será
puramente nacional. Em termos práticos, deve haver uma base para qualquer
iniciativa, que comece, se fundamente e se apoie no combate ao terrorismo.
Qualquer iniciativa que não inclua o item do combate ao terrorismo como
primeiro item não terá valor.”