Da ANTC
Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil
Presidenta Dilma Rousseff durante encontro com representantes
de entidades sindicais e empresariais no Palácio do Planalto. (Brasília -
DF, 18/12/2015)
Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
Iniciativa afronta
a independência do Congresso Nacional e a Constituição, que não permite
medida provisória para disciplinar matérias que tenham relação com
direito penal, processual penal e processual civil
BRASÍLIA.
O Palácio do Planalto prepara mais uma manobra contra o Congresso
Nacional. O Jornal Correio Braziliense desta sexta-feira (18) divulgou
matéria informando que a Presidente Dilma Roussef assinará, hoje, uma
Medida Provisória sobre a legislação que disciplina o acordo de
leniência, já que o Congresso Nacional não votou o texto do Projeto de
Lei º 3.636, de 2015, em tramitação na Câmara dos Deputados para alterar
a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de 2013). A Reuters também divulgou
a intenção do Governo em reportagem publicada ontem.
Ainda de acordo com a notícia do Correio,
a Presidente da República pretende incluir o Tribunal de Contas da
União como parte das negociações. Além de afrontar o Congresso Nacional,
a idéia, se for levada adiante, será inconstitucional e certamente será
questionada no Supremo Tribunal Federal por uma ação direta de
inconstitucionalidade.
O acordo de leniência previsto no Projeto
de Lei nº 3.636, de 2015, toca em matérias que têm reflexo em questões
de natureza processual civil, penal e processual penal, o que não pode
ser objeto de medida provisória.
Pela proposta em tramitação na Câmara dos
Deputados, um acordo celebrado com a participação do órgão de controle
interno e do órgão jurídico afastará a legitimidade do ente da Federação
de ajuizar e, pior, impedirá o trâmite da ação de improbidade
administrativa, assim como livra as empresas da aplicação de sanções da
própria Lei Anticorrupção.
O Projeto de Lei nº 3.636, de 2015,
também pretende estender para a esfera penal os efeitos do acordo de
leniência celebrado na esfera cível com a participação do Ministério
Público. Nesse ponto, a proposta abrange questões de direito penal e
processual penal.
Por apresentar essas repercussões, essa
matéria não pode, de forma alguma, ser objeto de medida provisória por
vedação expressa do artigo 62, § 1º, inciso I, alínea ‘b’ da
Constituição de 1988, que impede sua edição sobre direito penal,
processual penal e processual civil.
É igualmente descabida a idéia de incluir
os Tribunais de Contas nos acordos de leniência que serão celebrados
pelos órgãos de controle internos de todos os Poderes da União, dos 26
Estados, do Distrito Federal e demais de 5,5 Municípios, pois
desfiguraria o papel fundamental daquelas instituições de controle
externo conferido pela Constituição de 1988.
Uma das principais funções que o artigo
71 da Constituição Federal confere ao Tribunal de Contas é julgar as
contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros e as
contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra
irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.
Ou seja, é o TCU o guardião do erário
público, devendo canalizar seus esforços para proteger o dinheiro do
povo e não ocupar a maior parte dos Auditores de Controle Externo com
programa de ‘salvamento de empresas corruptas’ que tramaram contra o
Estado brasileiro. Esse, sem dúvida alguma, não foi o objetivo da aprovação da Lei Anticorrupção pelo Congresso Nacional.
Se assim ocorrer, dada a multiplicidade
dos órgãos de controle interno, os Tribunais de Contas não farão outra
coisa senão avaliar a legalidade e a legitimidade de acordos de
leniência celebrados por mais de 11 mil controles internos que existem
no País, já que estes órgãos têm a missão institucional de apoiar o
controle externo no exercício de sua missão, conforme previsto no artigo
74, inciso IV da Constituição Federal.
Importante destacar que cerca de R$ 200 bilhões
do orçamento da União são aplicados de forma descentralizada pelos
Estados e mais de 5,5 mil Municípios, o que praticamente inviabiliza a
participação do TCU e demais Tribunais de Contas na negociação de
acordos celebrados por mais de 11 mil órgãos de controle interno
existentes no País.
Para apurar o dano causado ao patrimônio
público, o Tribunal de Contas se vale de procedimentos específicos para
defender, de fato, o erário público, o que faz mediante julgamento de
contas precedido por auditorias, inspeções e demais procedimentos de
fiscalização que exigem tempo e uma equipe altamente especializada de
Auditores de Controle Externo, que vão a campo auditar as obras
superfaturadas, por exemplo, tarefa que não pode ser realizada a toque
de caixa.
"Transformar o TCU em um verdadeiro
‘cartório’ para legitimar ‘programa de salvamento de empresa corrupta’ é
desvirtuar a função constitucional dessa instituição republicana, além
de violar Convenções internacionais das quais o Brasil é signatário",
diz Lucieni Pereira, Presidente da ANTC.
A intenção de disciplinar a matéria por
medida provisória também toca em uma das principais funções
institucionais do Ministério Público prevista no artigo 129, inciso III
da Constituição de 1988, que é a de “promover o inquérito civil e a ação
civil pública, para a proteção do patrimônio público e social”, cujo
processo não pode ser disciplinado pela via provisória.
A Lei Anticorrupção foi editada em
decorrência da necessidade de atender aos compromissos internacionais de
combate à corrupção assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção das
Nações Unidas contra Corrupção (ONU), a Convenção Interamericana de
Combate à Corrupção (OEA) e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de
Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais
Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE).
Ao ratificar as três Convenções, o Brasil
obrigou-se a punir de forma efetiva as pessoas jurídicas que praticam
atos de corrupção. Para justificar a modelagem inovadora, de
responsabilização objetiva da pessoa jurídica na esfera cível, o Poder
Executivo alegou na Exposição de Motivos ter escolhido tal via porque o
Direito Penal não oferece mecanismos efetivos ou céleres para punir as
sociedades empresárias, muitas vezes as reais interessadas ou
beneficiadas pelos atos de corrupção.
Assim, a edição da medida provisória
anunciada pela imprensa não apenas significará um verdadeiro afronta da
Presidente da República ao Congresso Nacional, como grave violação aos
fundamentos de Convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.