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(Millôr Fernandes)

domingo, 11 de novembro de 2018

Documentário trata do encarceramento de mulheres que são mães no Brasil

Domingo, 11 de novembro de 2018
Da


C(Elas) adota postura crítica ao retratar o cotidiano de mulheres que passam os meses de gestação e se tornam mães dentro da prisão

Imagem que ilustra o cartaz do documentário | Foto: Divulgação
“Quando a gente manda a criança embora antes do tempo, eles falam que a gente não tem atitude de mãe, mas eu acho que atitude de mãe é você mandar embora antes. Quem ama não deixa preso”. Esse é o trecho de um dos depoimentos de uma das mães encarceradas na Penitenciária Feminina de Cariacica, no Espírito Santo, que é personagem no curta-metragem C(Elas), dirigido por Gabriela Santos Alves, lançado no ano passado, e que acompanha os meses finais da gravidez e os primeiros após o nascimento de um bebê no cárcere.

Na última quinta-feira (08/11), houve exibição gratuita do documentário e debate no Cineclube Socioambiental Crisantempo, com a organização da plataforma Videocamp. Após a sessão, Nathalie Fragoso, advogada do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (Cadhu), Mayara Silva e Thaís Dantas, advogadas do projeto Prioridade Absoluta, foram convidadas para debater sobre o tema trabalhado no filme: o encarceramento de mulheres que são mães e o não reconhecimento da sua capacidade de exercer a maternidade e, portanto, a falta de liberdade para escolher o que é melhor para os seus filhos.
O Cadhu foi um dos responsáveis pelo pedido de habeas corpus coletivo, solicitando a revogação da prisão preventiva e a concessão de prisão domiciliar para gestantes e mães de crianças menores de doze anos de idade, concedido pelo Supremo Tribunal Federal no início do ano. O programa Prioridade Absoluta participou como amicus curiae  (dando subsídios de dados para o julgamento da ação) nesse processo, fornecendo argumentos apontando as violações aos direitos das crianças que nascem no cárcere.
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O documentário busca impactar ao retratar a realidade do cotidiano das mulheres no Alojamento Materno Infantil da PFC. Essa ala penitenciária é apelidada por funcionário e até pelas próprias internas como “berçário” mas, “não é um berçário, são grades por todos os lados e mulheres em regimes de ócio e disciplina, sendo monitoradas. A sua maternidade é editada o tempo todo”, disse Nathalie Fragoso, observando também que há prisões em situações ainda mais precárias e violentas.
“Uma coisa que me chocou muito no filme foi a atitude das mães querendo proteger os filhos do vínculo com elas. Porque é o amor se expressando no imperativo de manter distância”, disse. “A prisão das mulheres pode implicar o sequestro da maternidade”, complementou Nathalie.
O filme também abordou a questão do prazo de 6 meses que as mães têm para amamentar seus filhos. “Esse é um prazo mínimo, inclusive estabelecido pela Organização Mundial da Saúde, só que dentro do sistema prisional e socioeducativo é visto como prazo máximo. Isso é muito preocupante”, alertou Mayara Silva.
Ela explicou que, apenas o fato da mulher estar em privação de liberdade a gravidez já é considerada de risco, por conta do alto nível de estresse e vulnerabilidade. “Quando essas mulheres passam mal, elas não precisam apenas de uma ambulância e um médico, elas são obrigadas a aguardar um guarda para poder acompanhá-las. A segurança é posta muito acima da saúde nesse espaço e nessa situação”, critica.
Em meio aos relatos do documentário, as mães contam sobre casos de crianças que saíram do presídio com problemas de saúde: “teve casos em que a criança aguou, outros em que a criança ficou desnutrida”. Além disso, Thaís Dantas alertou sobre o estresse tóxico a que elas estão submetidas por estarem em ambiente carcerário. “É quando a criança está exposta a uma situação contínua de estresse e violência e que por conta disso há um prejuízo a sua formação cerebral”, explicou.

Nathalie, Mayara e Thais promoveram exibição e debate | Foto: Patrícia Giannini Beyersdorf
“São muitas as pesquisas e os relatos de crianças que passaram um tempo a mais no presídio, até começar a desenvolver fala e a caminhar e que começaram a reproduzir muitos comportamentos que são comuns dentro do cárcere. Desde aprender a dar a mão para uma algema – o que é uma violação muito grave – até outros abusos que em um primeiro olhar não são tão perceptíveis”, disse.


Dantas explicou que para avançar nessa discussão é preciso fazer com que a sociedade toda entenda que o direito da criança e da mãe não são opostos, mas complementares. Principalmente porque a questão de gênero permeia esse debate e a mulher está sendo frequentemente culpabilizada. “Para garantir os direitos dessa criança você precisa garantir os direitos da mulher. Para assegurar o desenvolvimento infantil, você precisa proteger toda a família. Criança e mãe devem estar, sim, juntas e juntas fora do presídio!”, pontua a advogada Thaís Dantas.