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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Meio Ambiente. Desastre da Vale: relatório elaborado por universidade da Espanha aponta causas do rompimento da barragem em Brumadinho (MG)

Segunda, 4 de outubro de 2021

Arte: Secom/PGR

A pedido do MPF, Centro Internacional de Métodos Numéricos en Ingenieria (CIMNE), vinculado à Universitat Politécnica de Catalunya (UPC), estudou as causas do rompimento da Barragem I

Do MPF

O Ministério Público Federal (MPF) informa que a Universitat Politécnica de Catalunya (UPC), por meio do Centro Internacional de Métodos Numéricos en Ingenieria (CIMNE), entregou o relatório final dos serviços de análise, modelagem e simulação computacional para determinar objetivamente as causas prováveis ou determinantes e/ou concorrentes do rompimento da Barragem I, da Vale, na Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG, ocorrido em 25/01/2019.

O trabalho, que resultou em um relatório de mais de 500 páginas, foi acompanhado por peritos da Polícia Federal (PF) e desenvolvido sob a supervisão de consultores técnicos independentes. Em 4 de outubro, esses profissionais entregaram ao MPF a análise do relatório e referendaram a qualidade técnica do trabalho feito pelo CIMNE/UPC.

Causas - O relatório da CIMNE/UPC confirma que a ruptura da barragem B1, em Brumadinho, se deu em razão do fenômeno da liquefação. “É incontroverso que o rompimento da Barragem I envolveu o fenômeno do fluxo por liquefação. A liquefação é um processo associado ao aumento da poropressão, pelo qual a resistência ao cisalhamento é reduzida à medida que a tensão efetiva no solo se aproxima de zero. Apenas materiais contráteis estão sujeitos à liquefação. A liquefação está intrinsecamente relacionada ao comportamento frágil não drenado do solo”, diz o relatório.

Para chegar a essas conclusões, o CIMNE/UPC realizou diversas simulações: foi desenvolvido um modelo numérico o mais próximo possível da realidade e as informações disponíveis da barragem foram examinadas criticamente, incluindo a história da construção da barragem, registros pluviométricos (com extensão de mais de 40 anos) e movimentações de superfície da barragem nos anos imediatamente anteriores ao rompimento.

O relatório aponta que “a maioria dos rejeitos da barragem eram fofos, contráteis, saturados e mal drenados e, portanto, altamente suscetíveis à liquefação”. A caracterização geotécnica dos rejeitos foi considerada essencial para viabilizar um modelo computacional verossímil, razão pela qual foi realizada uma nova e abrangente campanha de coleta de amostras e testes de laboratórios, cujos resultados foram considerados em conjunto com os dados obtidos anteriormente.

O relatório também deu atenção especial às operações realizadas no ano anterior ao rompimento, que envolveram perfuração horizontal para instalação de drenos e perfuração de furos verticais para instalação de piezômetros. O documento também cita o grave incidente ocorrido durante a instalação de um dreno, em junho de 2018, que resultou em vazamentos visíveis de lama em vários pontos da barragem, mas que foram contidos. Esse incidente provocou um aumento local e temporário nas pressões piezométricas da água e algum abatimento na barragem. Registros sismográficos sugerem que uma liquefação contida pode ter ocorrido na época.

Gatilhos - No relatório são analisados os potenciais gatilhos da liquefação. Em uma análise preliminar, foram descartadas várias hipóteses. Segundo o documento, foram examinados os registros sismográficos e excluída a hipótese de um carregamento dinâmico, seja por terremotos ou atividades de mineração, como gatilho provável do rompimento.

O fenômeno do creep (deformações internas contínuas, que se desenvolvem com o tempo, sob determinada carga), apontado como um dos gatilhos para a liquefação em estudo anterior contratado pela Vale, foi analisado de forma mais aprofundada. Não foram encontradas evidências de qualquer situação significativa de cimentação nos rejeitos. “Para avaliar o comportamento de creep, os efeitos da taxa de deformação dos rejeitos foram sistematicamente medidos em três diferentes materiais reconstituídos usando testes triaxiais de controle de taxas de deformação. A magnitude dos efeitos da taxa de deformação medidos nos rejeitos foi sempre pequena e não indicou um papel relevante do processo de creep no rompimento.”

Após a calibragem do modelo computacional, cujos parâmetros foram determinados usando todas as fontes de informação relevantes obtidas a partir dos testes in situ e testes de laboratório, um conjunto de análises numéricas foi executado para auxiliar na interpretação do rompimento. “As simulações da história da barragem não mostram sinais de colapso iminente da barragem no momento da ruptura, mesmo quando fenômenos de creep e de aumento de precipitação são incorporados na análise. Na verdade, a estabilidade também é obtida mesmo que a análise seja continuada por um período de mais 100 anos. Este resultado sugere que algum fator ou evento adicional foi necessário para que a barragem rompesse.”

Assim, outros mecanismos potenciais de gatilho foram examinados, incluindo, em especial, a simulação da sobrepressão de água associada à perfuração do furo B1-SM-13, que, de fato, estava ocorrendo no momento da ruptura. “Sob condições de tensão e hidráulicas semelhantes às do fundo do furo B1-SM-13 durante a perfuração, as análises numéricas mostram que, usando o modelo constitutivo e os parâmetros adotados para os rejeitos, pode ocorrer a liquefação local devido à sobrepressão de água e sua propagação pela barragem.”

Nas simulações numéricas (em 2D e 3D) da perfuração do furo B1-SM-13, constatou-se que: “As características geométricas da ruptura e o padrão de deslocamentos resultantes são consistentes com as observações visuais. Em particular, o mecanismo de colapso obtido mostra uma ruptura dentro da barragem começando na crista e se estendendo até um local logo acima do dique de partida. O padrão de deslocamentos apresenta abatimentos na crista da barragem e protuberâncias para fora na base, conforme observado no início do rompimento.”

Foram feitas simulações de perfurações em outros pontos, mas em nenhum deles ocorre a ruptura geral da barragem; a zona de liquefação permanece contida, apresentando apenas um progresso limitado. Segundo o relatório, “os exames de testes de CPTu perto da localização dos furos verticais mostram que o perfil do solo no local do furo B1-SM-13 era especialmente desfavorável em relação ao início e propagação da liquefação.”

O relatório termina com a seguinte constatação: “O conjunto de análises numéricas realizadas permite concluir que a perfuração do furo B1-SM-13 é um potencial gatilho da liquefação que ocasionou o rompimento da barragem. As análises realizadas não foram capazes de identificar outros gatilhos de liquefação. Em particular, os cálculos realizados incorporando apenas os efeitos de aumento da precipitação e do creep, isoladamente ou em combinação, não resultaram em um rompimento geral da barragem.”

Contexto - A contratação do CIMNE/UPC é fruto do acordo celebrado entre o MPF e a Vale S/A, que assumiu os custos para a realização das atividades da instituição espanhola, consideradas fundamentais para a conclusão das investigações sobre as causas do rompimento da barragem. A escolha da UPC para a realização do estudo ficou a cargo exclusivo do MPF, com o auxílio da PF.

As premissas básicas que orientaram a busca de instituições com expertise internacional para o desenvolvimento dos trabalhos foram a detenção de inquestionável capacidade técnica e a ausência de potencial conflito de interesse relacionado a organizações ligadas à Vale S/A, aspecto fundamental para a apreciação isenta a respeito das circunstâncias do evento sob investigação.