Sexta, 3 de junho de 2011
Por Ivan de Carvalho

No
Brasil, há vários medicamentos que, de há muito, só podem ser vendidos sob
receita médica. Muitos deles, os conhecidos como de “tarja preta”, exigem das
farmácias a retenção da receita. Outros exigem apenas a apresentação, sem
retenção. E muitos outros não exigem receita nenhuma – são totalmente
liberados.
A
grande novidade é que, diante de um antigo e ativo lobby da poderosa categoria
médica e tendo como fundamento o fato de que microorganismos, especialmente as
bactérias, tendem a adaptar-se aos antibióticos por meio de mutações que lhes
aumentam a resistência, o governo federal, por intermédio do órgão próprio,
determinou que todo e qualquer antibiótico, sob qualquer apresentação, só pode ser
vendido nas farmácias quando o comprador tiver a respectiva receita médica.
As
farmácias certamente não estão felizes com a nova norma, pois a demanda por
antibióticos terá sido severamente reduzida. E muitas pessoas que, ainda
inocentemente, tentam comprar algum antibiótico que já haviam usado antes para
o mesmo tipo de problema que enfrentam no momento, vão à farmácia sem receita e
saem de lá sem o remédio. Felizes estarão, ao menos neste particular, os
médicos clínicos e os de especialidades que dão receitas que incluem
antibióticos. Seus consultórios devem estar um pouco ou muito mais freqüentados
e as filas de espera – com clientes segurados por planos de saúde que não pagam
um valor condigno pelas consultas – com elevado incremento na espera.
Mas
vamos agora ao núcleo do problema. O Brasil tem mais de 190 milhões de
habitantes e apenas 42 milhões deles têm a cobertura de algum plano ou seguro
de saúde. Os que têm plano se saúde que pagam valores reduzidos costumam não
encontrar vagas na rede credenciada ou referenciada para uma consulta sem terem
que entrar numa longa fila de espera.
Uma consulta
médica particular varia de preço, de acordo com o médico, a especialidade, a
oferta e a procura, além de vários outros fatores, e há, pelo menos na Bahia, a
carteira do Sinam, fornecida pela Associação Bahiana de Medicina, com a qual é
possível, não com todos, mas com uma parte dos médicos, obter-se uma consulta
por valores acima dos que paga a grande maioria dos planos de saúde, mas, ainda
assim, módicos.
Há,
no entanto, alguns grandes problemas.
É reduzido o
percentual de pessoas que, não tendo plano de saúde, não tem também a carteira
do Sinam (aliás, parece que cada vez mais mal vista pela categoria médica).
Esses teriam que pagar o preço de uma consulta particular, coisa que geralmente
anda aí pelos R$ 200,00, podendo ser bem mais ou um pouco menos. Essas pessoas
não podem pagar isso, sequer podem pagar pela tabela do Sinam. Elas ficam na
dependência de consulta no Sistema Único de Saúde. Isso leva uma vida (pode
levar a delas). Enquanto a infecção, que o antibiótico deveria combater,
desenvolve-se, multiplica danos e pode até atingir o estágio de uma septicemia
(infecção generalizada), muito frequentemente mortal.
Enquanto o
Brasil for um país de tantos pobres e o Sistema Público de Saúde for a nulidade
que é (ressalvados, às vezes, certos procedimentos de alta complexidade), a
exigência de receita para a compra dos antibióticos mais rotineiros é, para não
dizer um crime, uma besteira que vai continuar matando muita gente.
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Este artigo
foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de
Carvalho é jornalista baiano.