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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Espionagem cibernética

Sexta, 18 de outubro de 2013
Por Ivan de Carvalho
         O mais amplo e supostamente mais eficaz aparelho de espionagem eletrônica do mundo é o dos Estados Unidos, que trabalha unificado com o Reino Unido, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia. Eles trabalham tão integrados na espionagem cibernética que ganharam o apelido de “os cinco olhos”, expressão que é uma tradução literal do original em inglês.
         Mas vale acrescentar algo. Os Estados Unidos não são apenas o núcleo desse também chamado Quinteto, que atua como uma unidade não somente de inteligência, mas política e, sempre que possível, militar.
Os Estados Unidos mantêm interação bastante íntima com os serviços de inteligência – inclusive eletrônica, mas abrangendo também outros aspectos da espionagem – com numerosos outros Estados. Citar Israel, a Alemanha, a Itália, a França, o Japão, a Noruega, o Egito, a Arábia Saudita, a Espanha, a Colômbia é apenas iniciar uma lista que não deixarei que se estenda a ponto de cansar o leitor.
         Mas esse vasto conjunto de países nucleado pela América – com seu círculo interno representado pelo Quinteto e o círculo externo composto pelos demais Estados integrados (entre os quais Israel ocupa, sem abrir mão de sua autonomia, lugar de grande destaque sob todos os aspectos) – é o principal, mas não o único ator da espionagem global.
         Pelo menos mais dois polos compõem o tripé mundial da espionagem eletrônica, embora nenhum dos dois tenha ainda a pujança tecnológica e as vantagens geopolíticas proporcionadas pela grande convergência dos cabos de fibra ótica para território norte-americano, bem como pela superioridade do sistema de satélites de espionagem americano.
         No entanto, não se pode citar o honroso segundo lugar em eficiência que o sistema de espionagem eletrônica da Rússia detém, sob, aliás, o incentivo do presidente Vladimir Putin, desde adolescente determinado a ingressar na poderosa polícia política soviética, a KGB, também responsável por toda a espionagem no exterior e no interior da agora extinta URSS. Putin pediu emprego na KGB, foi recusado e aconselhado a estudar Direito para tentar. Deu meia volta, estudou, formou-se, voltou e obteve o emprego. Mais tarde, obteve o poder necessário para suceder a Boris Yeltsin na presidência da Rússia, exercer dois mandatos presidenciais consecutivos, eleger então um presidente cuja missão principal era nomeá-lo (a Putin) para primeiro-ministro com poder incontrastável e voltar à presidência, onde está e para a qual pretende reeleger-se.
         O terceiro lugar em espionagem eletrônica deve ser deferido à República Popular da China. Uma espionagem extremamente agressiva, que, além de usar – com as limitações que sua tecnologia avançada, mas não comparável à americana ou mesmo à russa – a coleta de dados nos moldes americanos, russos, britânicos, canadenses, etc, pratica ataques em massa contra redes de computadores governamentais (o governo americano foi um alvo) e empresariais. Espionagem política, militar, comercial, industrial – e de fácil identificação da origem, o que não parece preocupar os chineses.
         Bem, e qual a razão de se estar aqui escrevendo tudo isso? É que, pelo que se noticia, aliás com exagerada discrição, o Brasil e a Rússia decidiram formar um “grupo de trabalho” – detesto esta expressão, pois geralmente designa onde não se trabalha – para sugerir soluções em defesa cibernética. Para defender-se dos Estados Unidos e, mais amplamente, do Quinteto, do qual a Rússia não faz parte. Vejo o risco de apenas mudarmos para ser alvo de outros espiões. É que fico me perguntando se Vladimir Putin, o homem da KGB, vai permitir que seu governo sugira soluções ao governo brasileiro capazes de impedir que a Rússia faça espionagem cibernética contra o Brasil, um país importante, membro dos BRICs. Putin, até hoje, em toda sua carreira política, não fez gol contra.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.