Sexta, 4 de outubro de 2013
Do STF
No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 583523, realizado
na sessão desta quinta-feira (3), o Plenário do Supremo Tribunal Federal
(STF), por unanimidade, declarou não recepcionado pela Constituição
Federal (CF) de 1988 o artigo 25 da Lei de Contravenções Penais (LCP),
que considera como contravenção o porte injustificado de objetos como
gazuas, pés-de-cabra e chaves michas por pessoas com condenações por
furto ou roubo ou classificadas como vadios ou mendigos. Segundo o
ministro Gilmar Mendes, relator do processo, o dispositivo da LCP é
anacrônico e não foi recepcionado pela CF por ser discriminatório e
contrariar o princípio fundamental da isonomia. A matéria teve
repercussão geral reconhecida.
O ministro Gilmar Mendes lembrou que a Lei de Contravenções Penais
foi instituída por meio de decreto-lei, em 1941, durante o período
ditatorial conhecido como Estado Novo. “Não há como deixar de reconhecer
o anacronismo do tipo penal que estamos a analisar. Não se pode admitir
a punição do sujeito apenas pelo fato do que ele é, mas pelo que faz",
afirmou. "Acolher o aspecto subjetivo como determinante para
caracterização da contravenção penal equivale a criminalizar, em
verdade, a condição pessoal e econômica do agente, e não fatos objetivos
que causem relevante lesão a bens jurídicos importantes ao meio
social”.
O RE 583523 teve repercussão geral reconhecida pelo Supremo por
tratar da admissibilidade constitucional da punição criminal de alguém
pelo fato de já ter sido anteriormente condenado e, ainda, por discutir
os limites constitucionais da noção de crime de perigo abstrato, o que
demonstrou a necessidade de análise da constitucionalidade da norma da
LCP. Na ocasião em que foi reconhecida a repercussão geral, o STF
considerou que o tema tem profundo reflexo no "ius libertatis", bem
jurídico fundamental, e, por este motivo, ultrapassa os limites
subjetivos da causa.
O recurso foi interposto pela Defensoria Pública do Rio Grande do Sul
contra acórdão do Tribunal de Justiça gaúcho (TJ-RS) que manteve a
condenação do recorrente, por posse não justificada de instrumento de
emprego usual na prática de furto, com base no artigo 25 da LCP, pois
anteriormente havia sido condenado por furto. Em sustentação oral na
sessão plenária, o defensor público Rafael Rafaelli considerou que o
dispositivo da LCP inverte o ônus da prova ao determinar a presunção de
culpa de pessoas por sua condição de miserabilidade ou por ter
antecedentes criminais.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, retificou o parecer
anterior do Ministério Público Federal (MPF) para considerar que o
dispositivo legal não está recepcionado pela Constituição Federal. Em
seu entender, a norma dá tratamento jurídico desigual a cidadãos já
socialmente desigualados. Segundo ele, ao invés de restabelecer o
equilíbrio entre situações díspares acentua a desigualdade. “A norma
acaba por inverter o princípio constitucional da presunção de
inocência”, disse.