Segunda, 7 de outubro de 2013
Anderson Vieira, Da Agência Senado
O indiano Kailash Satayarthi, criador
da Marcha Global Contra o Trabalho Infantil e indicado ao Nobel da Paz
em 2006, defendeu o investimento em educação como o mais importante meio
de prevenir e combater a exploração ilegal de crianças e adolescentes.
Segundo o indiano, o mundo tem feito progressos nos últimos 20 anos, mas
insiste no erro de tratar as duas questões isoladamente.
– As estatísticas mostram que existe
uma correlação. No Brasil, por exemplo, existem 3,8 milhões de crianças
fora da escola e pouco mais que isso trabalhando. Os números são
semelhantes. Trabalho infantil, analfabetismo e pobreza são três
vértices de um triângulo e mantêm relações de causa e efeito – disse,
nesta segunda-feira (6), em audiência pública da Comissão de Educação,
Cultura e Esporte (CE) do Senado.
O ativista indiano elogiou iniciativas
brasileiras, como o Bolsa-Escola e o Bolsa-Família, classificando-as de
“mecanismos positivos” e que podem ser copiados por outros países do
mundo, mas fez um alerta à autoridades locais em relação à Copa do Mundo
de 2014 e aso Jogos Olímpicos de 2016: outras nações que abrigaram
grandes eventos antes tiveram problemas com aumento do trabalho
infantil.
– Muitos jovens foram recrutados pela
prostituição, por hotéis, restaurantes e pela indústria, atuando na
fabricação de materiais esportivos e de outros produtos usados nos
eventos. Faço um apelo à sociedade civil e aos políticos brasileiros
para ficarem em alerta – afirmou o indiano, que aproveitou para elogiar a
atuação do senador Cirstovam Buarque (PDT-DF) no combate ao trabalho
infantil e em favor da educação.
Kailash Satayarthi criticou ainda a
comercialização da educação. Para ele, ver o setor como um negócio é um
perigo, pois cria diferença entre quem pode e quem não pode comprar.
- Educação é uma obrigação do Estado
que tem sido transferida para o setor privado. O perigo nisso é que seu
propósito básico é perdido, ou seja, criar cidadãos responsáveis e
comprometidos com a paz e harmonia social. A privatização, por sua vez,
transforma a educação em ferramenta para a indústria, para o aumento
produtividade e o lucro.
Coordenação
Outra convidada da audiência desta
segunda-feira, a secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Isa Maria de Oliveira,
considera que o Brasil perdeu o foco em relação ao tema. Segundo ela,
não falta dinheiro, mas gestão competente e eficiência no gasto dos
recursos.
– Há ausência de coordenação política
que articule as esferas federal, municipais e estaduais para colocar fim
à exploração indevida de crianças e de adolescentes. A infância é tempo
curto, e muitas das crianças que não tiveram direitos assegurados não
vão recuperá-los nunca mais – lamentou.
Ela lembrou que, no Brasil, se
uma crianças é negra, nasce no campo e é pobre, está fadada a ser
excluída da escola e estrar precocemente no trabalho infantil.
Zona rural
O integrante do Comitê do Distrito
Federal da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Tiago Manggini,
mostrou-se especialmente preocupado com a situação das crianças nas
zonas rurais, que sofrem com o fechamento de escolas no campo. Segundo
ele, cerca de 27 mil escolas foram fechadas no meio rural brasileiro
entre 2002 e 2010. Além disso, ressaltou, a dificuldade de acesso é
outro problema enfrentado no campo.
– O estudante às vezes frequenta mais o ônibus que a escola. Ele é um viajante e não estudante - disse.
Tiago Manggini defendeu a criação de
mecanismos legais para dificultar o fechamento de instituições de
ensino, o que necessitaria de ajuda do Congresso Nacional.
– Para abrir uma escola é muito
complicado; para fechar basta um ato do Poder Executivo. E, na maioria
das vezes, do Executivo municipal – lamentou.
Relatório
Segundo relatório lançado pelo Fundo
das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela Campanha Nacional pelo
Direito à Educação, ainda há muito a ser feito para se garantir ao
acesso pleno à educação no Brasil. Indicadores mostram que os grupos
mais vulneráveis são os historicamente excluídos, como negros,
indígenas, pessoas com deficiência, populações da zona rural e de baixa
renda.
A seguir, alguns números do setor:
* Crianças fora da escola:
- 4 a 6 anos: 1,6 milhão;
- 6 a 10 anos: 375 mil;
- 11 a 14 anos: 355 mil;
- 15 a 17 anos: 1,5 milhão.
* Em 2010, segundo estudo do IPEA:
- 16,5% das escolas do campo não possuíam energia elétrica;
- 14,8% não tinham cozinha para merenda;
- 14,1% não possuíam esgoto;
- 11% não tinham banheiro para os alunos;
* Transporte escolar:
- Cerca de 10% dos estudantes que vivem em zonas rurais levam mais de uma hora para chegar à escola todos os dias.
- Por volta de 65% dos alunos matriculados em escolas do campo não são atendidos por transporte escolar público.
* Fechamentos de escolas:
- Entre 2009 e 2010, 3.630 escolas rurais foram fechadas no Brasil. De 2002 a 2010, foram 27,7 mil estabelecimentos.
* Quilombolas:
- Das 1,696 escolas de educação básica
em áreas quilombolas, 92% estão na zona rural e têm os mesmos problemas
dos demais estabelecimentos de ensino no campo.
* O relatório completo está disponível na página da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, no seguinte endereço eletrônico: http://www.campanhaeducacao.org.br/?pg=Pesquisas&id=10