Sábado, 19 de
setembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
As manifestações populares de rua
ocorridas mais intensamente em junho e que, embora com dimensões bem menores e
em defesa de interesses mais específicos, continuam ocorrendo, criaram o
fenômeno dos “vândalos” brasileiros.
Os
vândalos históricos era uma tribo germânica oriental que, no século V, penetrou
no Império Romano e criou um estado no norte da África, ocupando a estratégica
Cartago, uma antiga cidade fenícia que Roma conquistara ao fim das chamadas
Guerras Púnicas. Cartago tornou-se o centro do estado dos vândalos e sua
localização às margens do Mediterrâneo permitiram que eles, sem demora,
saqueassem Roma no ano de 455. Foi um passo importante para, poucos anos mais
tarde, acontecer a queda do Império Romano do Ocidente.
Então,
por causa dessa ação contra Roma, a palavra vândalo ganhou, principalmente nas
áreas que integrara, o Império Romano, essa conotação que tem hoje e que a
mídia propaga amplamente quando um grupo de idiotas, geralmente ao fim de uma
manifestação pacífica de rua, surge com suas máscaras, rojões, coquetéis
molotov, botoques e bolas de gude (estas atingem pessoas, quebram vidros e
derrubam cavalos), pedaços de pau e ferro para depredar lojas, carros policiais
ou particulares, ônibus, agências bancárias, prédios públicos.
Com
isso eles realmente merecem a qualificação (ou desqualificação) de vândalos,
assim como a civilização cretense, numa fase em que empreendeu a conquista
militar de alguns povos, criou para o vocabulário português a palavra
depreciativa cretino (derivativo maldoso de cretense) e hoje, no país, tantos
existem agindo de modo a merecerem tal desqualificação. Na verdade, parece
haverem tantos cretinos no pedaço que os vândalos, apesar de seus apetrechos de
luta, apanharão vergonhosamente, caso cometam mais uma insanidade – no que
parecem viciados – a de enfrentar os cretinos. E estes vencerão fácil sem
precisar dar um tapa sequer. Os cretinos são espertos e muito mais numerosos, e
eficazes que os vândalos.
Enquanto
os vândalos agem, a sociedade troca a disposição de junho para participar das
manifestações e se retrai, com receio de ser involuntariamente envolvida pela
violência dos conflitos entre os vândalos e a polícia, parece que sempre
disposta a deixar que o quebra-quebra comece para intervir com o atraso que
garante as cenas de violência que a mídia deve transmitir, cenas que os
cretinos, em seus gabinetes, adoram.
Mas
essas considerações sobre vândalos – na qual os espertos cretinos pegaram
carona – são feitas a propósito da tese de que as polícias militares devem ser
desmilitarizadas. Desmilitarizadas, como? Quando os vândalos – que certamente
preferem e se deliciam ao serem chamados pela mídia de Black blocs (grande
porcaria, mas, idiotas, eles não sabem) – partirem para a depredação ampla,
geral e irrestrita, utilizando todo o arsenal que têm usado e mais o que ainda
inventarem, vão ser enfrentados por guardinhas com aqueles cassetetes
comparativamente inofensivos.
Incrível
é que o ministro da Defesa, Celso Amorim, questionado sobre a desmilitarização
das PMs, disse que não é especialista no assunto (um bom motivo para pedir
demissão do cargo, já que se não entende de polícia, não será de exército,
marinha e aeronáutica que vai entender).
Ele,
que talvez devesse ter nascido na bela ilha grega de Creta, permitiu-se ainda
dizer o seguinte: “Acho que algum tipo de polícia há que existir. O fato de ser
militarizada ou não, se é melhor ou pior, confesso que nunca dediquei tempo
suficiente para isso”, vale dizer, para estudar isso. Disse isso a uma plateia
lotada de estudantes, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando foi
animadamente vaiado. “É normal
discutir, mas eu não sei. Dar minha opinião agora seria leviano”.
Não vai
dar a opinião dele nunca. Vai esperar que a presidente da República fale ou lhe
diga a opinião dela para ele falar.
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Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.
