Domingo, 7
de setembro de 2014
Por Siro
Darlan
Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e Coordenador
Rio da Associação Juízes para a democracia.
A moda da criminalização de todas as relações tomou conta
dos debates sociais. Não bastassem os presídios lotados e as escolas violadas,
grande parte da sociedade clama por mais violência. Parece que algumas pessoas
se alimentam de violência que gera violência. Interessante a passagem do
Evangelho de Matheus, 18 – 15,20 que nos exorta à correção fraterna ensinando
que devemos recorrer a condutas conciliatórias diante dos desvios de conduta de
nosso irmão, antes de condená-lo, antes de excluí-lo de nosso convívio.
Somos uma sociedade de maioria cristã, e mesmo os que não
são têm uma reconhecida vocação para a solidariedade. Contudo temos um
procedimento criminalizador com relação às nossos relacionamentos familiares e
sociais. É crime o racismo, é crime a violência de gênero, é crime a
intolerância religiosa, pretende-se criminalizar a homofobia e outras relações
humanas condenáveis sob o ponto de vista ético, moral e social. Trata-se de uma
contradição entre o que louvamos na Palavra e a construção de nossas relações
fraternas.
Já temos a experiência fracassada do proibicionismo
daqueles que fazem uso de drogas convencionadas ilícitas, enquanto agimos com
condescendência com os que fazem uso das lícitas. Hoje a falta do diálogo e da
mediação dos conflitos relacionais tem aberto fossos quase intransponíveis para
a reconciliação das pessoas que erraram umas com as outras. Os Tribunais têm
contribuído para essa cisão entre irmãos quando proíbem que o casal que se
agrediu busque uma nova chance com base no respeito mútuo. A Lei Maria da Penha
com seu objetivo louvável de coibir a violência contra a mulher tem sido
radicalmente aplicada quando proíbe a reconciliação que é o desiderato de toda
pena aplicada. A reconciliação do agressor com o agredido e com a sociedade.
O proibicionismo que pune como criminoso aquele que
precisa de tratamento para se reconciliar consigo mesmo, com seus familiares e
com a própria sociedade, ao excluí-lo nas masmorras sem o tratamento adequado,
está agravando a doença e obrigando-o a continuar na criminalidade, que é o
caminho de todo aquele que é marginalizado. Mesmo quando rezamos e batemos no
peito nos apresentando nos templos como cristãos ou religiosos, ao defendermos
as práticas excludentes, estamos sendo contraditórios. Pois a palavra ensina o
caminho da reconciliação, que certamente não é condizente com o processo de
exclusão dos que defendem, por exemplo, a redução da responsabilidade penal.
Ora se há uma proposta constitucional de proteção à
infância e à juventude que não é respeitada, é uma verdadeira covardia não dar
às crianças brasileiras o que lhes é de direito e, ainda, desejar uma exclusão
ainda maior quando se reivindica uma privação de liberdade mais precoce. É mais
fácil aprisionar precocemente crianças e adolescentes do que cobrar do
administrador público por sua omissão na garantia dos direitos fundamentais das
crianças, pessoas em processo de desenvolvimento. Mas, certamente essa não é a
melhor forma de combater a violência.