Segunda, 1º
de setembro de 2014
Do MPF
Casos em Goiás incluem tortura, homicídio e
desaparecimento forçado que têm como vítimas, na maioria das vezes, pessoas em
situação de rua ou usuários de drogas, praticados com a participação ou
conivência de agentes públicos, no período de 2005 a 2012
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestação final no Incidente de
Deslocamento de Competência (IDC 3) em que pede a apuração de oito casos
específicos de violações de direitos humanos em Goiás pela Justiça Federal.
Nestes casos, ele identificou características de violência policial
institucional e uma demora excessiva na investigação ou andamento dos
processos. Para os outros casos que integram o processo, ele cobra um
posicionamento do STJ para que o estado de Goiás implemente mecanismo de
controle periódico de inquéritos policiais.
Ajuizado pelo então procurador-geral da República Roberto
Gurgel, o IDC 3 reúne casos de tortura, homicídio e desaparecimento forçado que
têm como vítimas, na maioria das vezes, pessoas em situação de rua ou usuários
de drogas, praticados com a participação ou conivência de agentes públicos, no
período de 2005 a 2012, no estado de Goiás. Segundo o parecer, o deslocamento
de competência é medida excepcional que demanda a demonstração de um contexto
de inaptidão institucional do ente federado para o cumprimento de suas
obrigações no que diz respeito à apuração dos fatos e responsabilização dos
agentes.
Para Janot, a partir da análise dos casos, foram
preenchidos os requisitos autorizadores do deslocamento dos processos para a
Justiça Federal: grave violação aos direitos humanos e configuração do risco
de, mantida a situação, ver-se configurada hipótese de responsabilização do
Brasil pelo descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais
de direitos humanos já ratificados; e inabilidade do estado-membro para apurar
os fatos e promover a persecução penal em tempo hábil.
Monitoramento dos processos - Para os outros casos, mesmo sem
promover o deslocamento de competência, Janot sugere ao STJ determinar ao
estado de Goiás que institua sistema de monitoramento dos processos em que
esteja caracterizada hipótese de grave violação aos direitos humanos capaz de
ocasionar a responsabilização internacional do país, de modo que as autoridades
estaduais promovam o acompanhamento periódico dessas investigações, bem como
que o Poder Judiciário e Ministério Público adotem medidas a fim de acompanhar
rigorosamente o processamento dos feitos.
Ele também pede a determinação às autoridades locais da
adoção de mecanismo que assegure a submissão periódica dos inquéritos policiais
em tramitação ao controle, quer do Ministério Público do Estado de Goiás ou,
nos casos em que se mostre necessária a reserva de jurisdição, ao Poder
Judiciário. Além disso, quer a comunicação ao Conselho Nacional de Justiça,
para que aprecie a conveniência de monitoramento dos feitos mencionados no IDC,
a fim de garantir a agilidade na sua tramitação, apurando, se for o caso, eventual
irregularidade administrativa.
Violência policial - O PGR menciona ainda uma reiterada
violência na atuação policial em Goiás. "Este modo de agir, incentivado
formalmente ou não pelos superiores hierárquicos, demonstra a necessidade
permanente da adoção de mecanismos de treinamento dos policiais militares, de
forma a dar efetividade aos compromissos, internos e internacionais, que o
Brasil assumiu na defesa dos direitos humanos, e a atuação do aparato
repressivo policial é ponto central neste dilema."
Para Janot, o STJ deve ressaltar o compromisso do estado
de Goiás de dotar suas unidades policiais de treinamento, capaz de garantir uma
atuação repressiva que não desborde os limites da legalidade e evite a criação
de uma violência institucional.
Os casos em que Janot pediu o deslocamento de competência
para a Justiça Federal foram:
1) Tortura praticada pela Rotam contra usuários de
entorpecentes na Borracharia Serra Dourada - Em 11 de fevereiro de 2008, doze
policiais militares invadiram uma borracharia em Goiânia, a fim de surpreender
um grupo de pessoas que estaria consumindo drogas. Durante o tempo em que
permaneceram no local, os policiais da Rotam submeteram à tortura sete pessoas
e, além delas, Célio Roberto Ferreira de Souza desapareceu após a abordagem
policial.
2) Homicídio de Higino Carlos Pereira de Jesus e
desaparecimento de Pedro Nunes da Silva Neto e Cleiton Rodrigues. Em 26 de
fevereiro de 2010, Higino Carlos Pereira de Jesus foi assassinado em Alvorada
do Norte/GO, tendo desaparecido, no mesmo episódio, Pedro Nunes da Silva Neto e
Cleiton Rodrigues. Embora o homicídio tenha sido objeto de ação penal proposta
em 2011, nenhuma ação foi proposta em relação ao desaparecimento das outras
duas vítimas.
3) Crime de tortura praticado contra uma pessoa
investigada por suposta participação no crime de estupro de duas adolescentes,
dias antes, no Parque dos Buritis, em Goiânia/GO. Em 28 de junho de 2010,
policiais militares pertencentes ao serviço de inteligência da corporação
(PM-2), utilizando-se de carro descaracterizado e trajando roupas civis,
prenderam um investigado e o levaram até o Batalhão da Polícia Militar em
Trindade, local em que teria sido submetido a sete horas de tortura pela
suposta participação no crime de estupro praticado contra duas adolescentes,
dias antes, no Parque dos Buritis, em Goiânia/GO. Foi apurado inexistir ação
penal em relação aos referidos fatos.
4) Crime de tortura praticado contra um homem, que seria
suspeito de envolvimento no desaparecimento e morte da própria filha. Em junho
de 2009, um homem foi torturado por policiais militares do GRAER - Grupamento
de Radiopatrulha, na comarca de Cromínia. O motivo do crime teria sido a
suspeita de seu envolvimento no desaparecimento e morte da própria filha que,
no entanto, foi encontrada com vida no dia seguinte. O processo sequer teve a
fase de instrução concluída.
5) Ações penais instauradas a partir da Operação Sexto
Mandamento, deflagrada pela Polícia Federal, a pedido da Procuradoria-Geral de
Justiça do Estado de Goiás, para auxiliar nas investigações acerca da possível
existência de grupo de extermínio do qual fariam parte policias militares do
Estado de Goiás. Como resultado dessa operação, foram expedidos diversos
mandados de prisão, bem como instauradas ações penais, dentre as quais o
procurador-geral da República pede o deslocamento de quatro para a Justiça
Federal:
Ação Penal instaurada para apurar o homicídio de Gilson da
Silva Rocha, Nilton Alves Rocha Júnior, Cleiton Silva Sousa, Marcondes da Silva
Carvalho e Huilton Pereira Rocha, ocorrido em 6 de março de 2006 na cidade de
Cachoeira Alta/GO;
Ação Penal instaurada para apurar o homicídio de Joelson
Evangelista Santos da Silva, ocorrido no dia 24 de agosto de 2006;
Ação Penal instaurada para apurar o crime de homicídio de
Fernando Alves da Cunha Melo e Elivon Alves de Jesus, ocorrido na cidade de Rio
Verde/GO, em 2004;
Ação Penal instaurada para apurar os crimes de homicídio
praticados por policiais militares quando em perseguição a presos que haviam
fugido da Cadeia Pública de Rio Verde/GO, em 10 de outubro de 2003.
Fonte: Secretaria de Comunicação Procuradoria Geral da
República