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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Autos de resistência são o entulho da ditadura militar

Quarta, 19 de Novembro de 2014
Do Jornal do Brasil
Walmyr Junior
Já se sabe que o projeto de Lei 4471/12 visa à alteração do Código de Processo Penal e acabar com o recurso dos ‘autos de resistência’, exigindo investigação em casos de mortes violentas e lesões corporais graves ocorridas em ações policiais. Porém temos que ir mais a fundo para entendermos qual a importância e relevância dessa proposta.
O PL 4471 é uma medida que impede que estes casos sejam classificados como "autos de resistência" e estabelece regras claras para a investigação com vistas a coibir práticas de extermínio e de execução extrajudicial. Essa prática, muito comum no período da ditadura militar, é uma ferramenta utilizada pelas polícias para justificar o assassinato nas incursões e buscas por traficantes nas favelas e periferias. 
Quem mora na favela está cansado de saber que quando a polícia entra na comunidade, sempre chega disparando tiros sem ao menos se preocupar com a vida dos respectivos moradores. Não se pode pensar que a favela é predominantemente ocupada por criminosos, pelo contrário, não chega a 1% dos moradores que são envolvidos de alguma forma com o tráfico de drogas. Então por que não se tem uma preocupação com a vida do cidadão pobre e favelado? 
Os autos de resistência é uma espécie de licença para matar, entretanto a vítima é o povo negro e pobre que reside nas zonas mais periféricas do país. Atrelado ao comportamento violento e assassino das nossas polícias está o racismo. Digo isso por que na última pesquisa analisada com os dados do 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), afirma-se que os números da violência só crescem em nosso país. Ser negro no Brasil é ter 3,7 mais chances de morrer de forma violenta. De 2009 a 2013, subiu de 44.518 para 53.646 o número de homicídios. Entre todas essas vítimas, 36.479 eram jovens negros, ou seja, 68% do total de mortos.
O extermínio da população negra é a face mais cruel do racismo. Exterminar o povo negro é extinguir do território da classe média e da população de pele branca o negro da favela, com a justificativa de que ele possui ‘o estereotipo subversivo’. Esse indivíduo é o maior perseguido pelos policiais que se beneficiam do esquema fraudulento dos autos de resistências. É através dessa proteção do Estado que o PM mata e não é julgado como criminoso. 
Vivemos um real processo de invisibilização do negro no Brasil, tendo em vista que essa é a raça mais desfavorecida economicamente por causa do processo histórico da construção da sociedade brasileira. Após a abolição, esse indivíduo não teve assistência nenhuma do governo e só coube a ele a miséria e a pobreza. Historicamente, o negro é marginalizado por causa de sua situação socioeconômica. É claro que toda população sofre com a violência, só que ela atinge mais uma classe social do que outra. A política de segurança pública privilegia apenas uma camada da sociedade, que é a mais rica. A pobreza no Rio de Janeiro, e em todo o Brasil, tem cor: ela é negra! A maioria dos moradores das favelas é de pele preta, a maior parte da população carcerária é composta por negros e negras. 
Por isso é importante analisar que também está intrínseco à disputa do PL 4471 uma real luta de classes. Tendo em vista que a Polícia Militar foi fundada para ser a Guarda Real, para proteger os interesses imperiais, garantir a manutenção dos autos de resistência é garantir o protecionismo da classe dominante, que é rica, burguesa e de maioria branca.  Se a PM foi criada para proteger apenas um estrato social, logo o inimigo é o negro pobre que vai tentar romper com a ordem, passando assim a ser considerado uma ameaça a ser combatida.
Apresento aqui alguns argumentos para tentar pontuar que os autos de resistência tem função de exterminar uma raça e garantir os interesses privados de outra, que se sente ameaçado com a presença do negro na sociedade.  Além disso, essa ferramenta muito utilizada pela Ditadura (Os Autos de Resistência foram criados em 1969 pela Ordem de Serviço Nº 803 da Polícia da Guanabara), é a possibilidade de instrumentalizar o serviço das polícias para a criminalização da pobreza, tendo em vista que os casos de homicídios no Brasil atingem predominantemente os negros, que são pobres e residem em favelas dominada pelo tráfico de drogas. 
No Brasil, ao lado de uma crescente onda de violência, existe uma real descrença nas instituições militares. Essa rejeição é fruto, tanto pela percepção da violência praticada por membros destas corporações, assim como pelas várias pesquisas que descrevem o número de pessoas – especialmente jovens negros e do sexo masculino – que são vítimas dessa mesma violência praticada pelas polícias. 
Sabemos que é preciso fortalecer o trabalho da defesa dos Direitos Humanos, no combate ao racismo, sexismo, machismo e homofobia. Fortalecendo a luta pela superação de toda a forma de violência queremos também combater às violações dos nossos direitos por parte de agentes do Estado.
Contrários a essa lógica queremos lutar em defesa da vida e contra o extermínio do povo negro. Por isso pedimos a aprovação do PL 4471/2012 e o fim dos autos de resistência já!
* Walmyr Júnior é professor. Representante do Coletivo Enegrecer no Conselheiro Nacional de Juventude - CONJUVE. Integra Pastoral da Juventude e a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.