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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Marxismo e o Estado de Bourdieu: uma falha de origem?

Quarta, 19 de novembro de 2014
Por Marcello Barra - sociólogo

Um aspecto organizativo interessante do livro "Sobre o Estado", de Pierre Bourdieu (2014), é que é constituído de um conjunto de pequenos textos sobre diversos assuntos relacionados ao Estado. É isso que se pode dizer em um começo de leitura da recém-lançada obra do importante sociólogo francês.

Bourdieu faz uma importante crítica à visão marxista de Estado que, segundo ele, padeceria de funcionalismo, falta de descrição de 'como' é o Estado por dentro, nas engrenagens e maquinário estatais. É algo, ademais, bem latoursiano. Essa é historicamente a tecla de Bruno Latour, desde 'Vida de laboratório'.

Em alguma medida Bourdieu pode ter razão, principalmente em relação a Marx. Quando o barbudo produziu a obra dele, o Estado não tinha nem perto a importância que tem hoje. Mas também Bourdieu demonstra desconhecer a obra de marxistas que o sucederam. A obra de Lenin, que precisou estudar a anatomia do Estado czarista para lhe fazer frente e destruí-lo. Ignora ainda mais a obra de Trotsky, cuja parte fundamental é sobre a burocratização do Estado operário. Nada mais central para o Estado que a burocracia. Além disso, como responsável por áreas econômicas em princípios do Estado soviético, precisou se aprofundar sobre a operacionalização desse, bem como o desenvolvimento estatal.

Bourdieu recorre ao discurso moral de Durkheim, além do método durkheimesiano para complementar a teoria de Weber, consagrando esse. O fato é que renega Marx, pelo menos a princípio.

É preciso compreender o contexto de vida dos(as) pensadores(as). A hegemonia da esquerda francesa em vida de Bourdieu se deu com o PCF - Partido Comunista Francês, o que significou óbvios freios pelo stalinismo para o necessário combate de ideias. Se bem que minoritário, havia mesmo na França, Ernest Mandel, braço fundamental da IV Internacional e importante no cenário intelectual francês, inclusive referência junto a Foucault e vários outros filósofos e filósofas e pensadores(as) franceses(as), bem como de toda Europa.

O que poderia ser então uma lacuna de origem no marxismo - a ausência de uma teoria do Estado - não tem continuidade nos(as) seguidores(as) de Marx. Quanto às seguidoras e seguidores de Bourdieu, o que se pode falar da obra delas(es)? Tem a relevância que tem um Lenin, um Trotsky, ou mesmo Gramsci, Rosa Luxemburgo, Che Guevara? O marxismo mantém um site com vários formuladores e formuladoras no endereço http://marxists.org/.

Uma vantagem do texto de Bourdieu, ser curto, também significa ausência de uma maior formulação no tópico. Talvez isso tenha explicado também a demora da obra vir à luz. Mas as contradições não podem evidentemente ser imputadas a Bourdieu. Mas ao atual modelo de sociedade, que tentamos derrubar.