Sábado, 8 de novembro de 2014
Do El País — Edição do Brasil
O México se deu nesta
sexta-feira um longo abraço com a morte. A confissão, tão temida como prevista,
de que os 43alunos de magistério desaparecidos em 26 de setembro tinham sido
assassinados fez saltar em mil pedaços as últimas e frágeis esperanças e
empurrou o país para um abismo de dor de magnitudes históricas.
Em uma entrevista à imprensa dada pelo procurador-geral,
Jesús Murrllo Karam, informou-se que naquela noite os estudantes detidos pela
Polícia Municipal foram entregues a criminosos do Guerreros Unidos, o cartel
que controlava Iguala. Eles os conduziram, amontoados em um caminhão e uma
caminhonete, até um lixão de Cocula, uma localidade vizinha. Amontoados,
feridos, espancados, muitos dos estudantes, talvez até uma quinzena, tenham
morrido asfixiados durante o trajeto.
Assim que chegaram ao local, os criminosos, sempre segundo
as confissões, foram retirando os estudantes e os interrogando. Queriam saber
por que tinham ido a Iguala, por que tinham enfrentado o prefeito e sua mulher. Depois, com frieza avassaladora, matavam-nos. Com os
corpos, armaram uma imensa fogueira que alimentaram com madeiras, detritos e
pneus. A fogueira, o fogo da barbárie, ardeu durante horas, da madrugada até as
3 da tarde, sem que ninguém visse ou dissesse nada. Depois, por ordem de seus
superiores, os criminosos recolheram os restos carbonizados, os quebraram e
jogaram em sacos de lixo no rio Cocula. A corrente os levou até destino
desconhecido.
Dois desses sacos foram encontrados pela polícia federal.
Seus restos estão sendo analisados. Devido a seu estado, segundo a
procuradoria, não foi possível efetuar a prova de DNA e, portanto, o último elo
da investigação ainda não foi fechado. Para que isso aconteça, o Governo
mexicano anunciou que pedirá ajuda aos melhores centros internacionais.
De qualquer modo, o relato feito pelo procurador-geral
deixa pouco espaço para dúvidas. Sua reconstrução foi acompanhada por imagens e
gravações de declarações dos três criminosos que participaram da matança. Com
vozes juvenis, como se falassem de transporte de gado, os assassinos confessos
descreviam ante as câmeras como eliminaram esses jovens. Sua indiferença
produzia calafrios. O assassinato em massa, metódico, horripilante dos 43
estudantes era para eles pouco menos do que uma rotina. Dificilmente o México
poderá esquecer suas palavras.
Mas essa reconstrução
não dá o caso por encerrado. A 200 quilômetros, ao sul, em Guerrero, os pais,
aferrados à esperança das provas de DNA, rejeitaram a morte dos filhos e
reduziram o relato oficial a um achado de “seis sacos com cinzas e ossos”. “Já
os deram por mortos uma vez, e não estava certo”, afirmou um porta-voz dos
parentes.