Segunda, 17 de agosto de 2015
"A coisa mais
séria descoberta pela Comissão da Verdade é clara: toda a dívida reclamada
pelos credores da Troika é ilegítima, odiosa, ilegal e insustentável. Não é
apenas uma parte dela; é a totalidade da dívida.
Nós estamos em uma
situação em que os três partidos à direita que perderam o referendo são aqueles
que, juntamente com os credores, estão ditando as leis que o Parlamento deve
adotar."
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Entrevista (em 01 de agosto) com Eric Toussaint*, por Fátima Fafatale
Tradução do inglês para o português por Giulia Pierro – original aqui.
Tradução do inglês para o português por Giulia Pierro – original aqui.
“Agora o governo Tsipras tornou-se cúmplice dos credores, em
violação dos direitos humanos”, diz Eric Toussaint, coordenador científico da
Comissão da Verdade sobre a Dívida Grega, formada sob os auspícios do
parlamento grego em abril de 2015. A própria Comissão da Verdade também
enfrenta uma possível retirada de apoio. “Nós vamos continuar trabalhando
enquanto [Zoe Konstantopoulou] continuar presidente e, mesmo se ela sair, vamos
continuar por nossa conta”, diz ele. O cientista político belga propôs alternativas
para a “capitulação”. Diagonal perguntou-lhe quais políticos gregos poderiam
realizá-las. “Há uma maioria do Comité Central Syriza que se opõe ao acordo e é
a favor da implementação de medidas radicais”, disse ele. Toussaint acredita
que “uma saída do euro tornou-se uma perspectiva necessária.”
Qual é a sua avaliação da
capitulação assinada por Tsipras?
É uma verdadeira capitulação com efeitos devastadores, porque
agora o governo Tsipras tornou-se cúmplice dos credores, em violações de
direitos humanos. De fevereiro de 2015 até agora não foi esse o caso, porque as
leis aprovadas pelo parlamento grego buscavam restabelecer parcialmente esses
direitos. É verdade, mesmo que insuficientemente, mas eram leis destinadas a
restabelecer os direitos afetados por cinco anos de políticas ditadas pela
Troika.
As consequências da capitulação certamente serão sentidas entre o
povo grego a partir do outono. Mas desde já pode-se ver de forma muito clara
que as leis apresentadas nas noites de 15, 16, 22 e 23 de julho e aprovadas
pelo Parlamento foram propostas pelo governo, porém ditadas pelos credores.
Elas afetam seriamente os direitos econômicos, sociais, civis e políticos dos
cidadãos gregos, é por isso que eu menciono violações dos direitos humanos. Uma
das leis aprovadas nas noites de 22 e 23 de julho permite aos bancos organizar
a expulsão de famílias que atrasarem o pagamento de suas hipotecas. Na Espanha,
você sabe o que isso significa. Essa lei não é tão nefasta quanto a atual lei
espanhola, mas tem os propósitos semelhantes…
Também vale a pena mencionar o aumento do IVA, para uma alíquota
de 23%, sobre uma parcela significativa dos produtos alimentícios, e os cortes
de aposentadorias, mesmo para aqueles que estão abaixo do limiar da pobreza
absoluta. Essas pensões ainda sofrerão novos cortes, além de já terem sido
reduzidas em 40% entre 2010 e 2014.
Eu também estou falando sobre violações dos direitos humanos.
Deixar de respeitar o voto popular no referendo de 05 de julho é uma violação
dos direitos civis e políticos dos cidadãos gregos. Forçar a aprovação de leis
sem a possibilidade de emendas, e introduzir um projeto de lei com apenas 24
horas de divulgação é uma violação do poder legislativo e, portanto, dos
direitos dos cidadãos gregos.
Por que você acha que eles
fizeram isso?
Eles fizeram isso porque não estão dispostos a desobedecer aos
credores, quando a única maneira de construir correlação de forças favorável ao povo
grego e ao seu governo teria sido suspender o pagamento da dívida e assumir o controle dos bancos, em oposição aos acionistas
minoritários privados que continuam a ditar a política. O Estado grego tem
ações preferenciais, mas elas não dão direito a voto, por isto o governo
Tsipras teria sido legalmente obrigado a mudar o estatuto para suas ações. Isso
não foi feito, a fim de evitar o confronto não só com os credores da UE e do
FMI, mas também com os banqueiros gregos privados, apesar de serem os
responsáveis pela crise bancária e
até mesmo pela chegada da Troika,
a partir de 2010. Eles também teriam que ter lançado uma moeda eletrônica
complementar, e não o fizeram, a fim de evitar confrontos com o Banco Central
Europeu.
Que consequências surgirão?
Com respeito às consequências, isso provavelmente vai provocar uma
enorme desilusão, um sentimento de decepção que ainda não existe entre o povo
grego, que continua a mostrar nas pesquisas seu apoio à gestão do governo
Tsipras. As consequências da capitulação certamente serão percebidas a partir
do outono, e poderá haver uma rápida mudança na opinião pública. Veremos. Mas
está absolutamente claro que haverá uma grande decepção, que dentro de um ano
ou mais poderá levar a um aumento do voto popular a favor do Golden Dawn
(Aurora Dourada).
E que consequências poderia
sofrer a Comissão da Verdade sobre a dívida grega?
É muito importante enfatizar que Zoe Konstantopoulou, a presidente
do parlamento grego que criou a Comissão, salvou a honra do Syriza, com os 31
legisladores que votaram contra o acordo, em 15 de julho. Ela decidiu não
renunciar. Enquanto ela continua, vamos manter a Comissão sob o estatuto atual.
E se houver um golpe para obrigá-la a demitir-se, ou seja, um voto da direita e
de uma parte do Syriza, ou então se ela decidir mudar sua posição em relação à
renúncia, neste caso a Comissão continuará a atuar por sua própria conta, com a
participação dela. Em qualquer caso, ela vai continuar a trabalhar com a
Comissão. Em outras palavras, quer ela continue ou não como presidente do
parlamento, vamos continuar a funcionar.
De tudo o que foi descoberto
pela Comissão da Verdade sobre a dívida grega, o que lhe parece ser mais sério?
A coisa mais séria descoberta pela Comissão da Verdade é clara:
toda a dívida reclamada pelos credores da Troika é ilegítima, odiosa, ilegal e
insustentável. Não é apenas uma parte dela; é a totalidade da dívida.
Nós estamos em uma situação em que os três partidos à direita que perderam o
referendo são aqueles que, juntamente com os credores, estão ditando as leis
que o Parlamento deve adotar.
Que cenários são possíveis agora
na Grécia?
O governo Tsipras está agora refém da direita, ou seja, tem voto
majoritário graças ao voto de To Potami, PASOK, Nova Democracia, e dos
independentes, os aliados de Syriza no governo (Anel). No entanto estamos em
uma situação em que os três partidos de direita que perderam o referendo são
aqueles que, juntamente com os credores, estão ditando as leis que o Parlamento
deve adotar. Nas noites de 22 e 23 de julho foi aprovada uma reformulação do
Código Civil; redigido durante o governo Samaras e agora aprovado pela nova
maioria dos legisladores do Syriza, os Independentes, PASOK, To Potami e Nova
Democracia. A situação política está totalmente na contramão da direção
decidida pelo voto popular em 5 de julho.
Mas isso é insustentável.
Quando serão convocadas eleições?
Eu nunca me preocupei em fazer previsões. O que é certo é que o
atual acordo não vai produzir os resultados orçamentários exigidos pelos
credores. Eles vão continuar insistindo em mais recessão e leis de austeridade.
Quanto tempo Tsipras vai durar, implementando políticas que são contrárias à
plataforma Syriza? Quem sabe? Outra incógnita é se os cidadãos e os
trabalhadores gregos começarão a fazer protestos maciços. Até agora estes tipos
de protestos não foram vistos e certamente não acontecerão também este verão,
porque as pessoas estão simplesmente esgotadas. Uma parte ainda mantém a
esperança de que Tsipras conseguirá impulsionar a economia. Além disso, a ação
é inibida pela expectativa de que de alguma forma Tsipras terá sucesso.
O desgaste dos gregos é um elemento fundamental. As pessoas
participaram massivamente das greves e protestos de rua de 2010 e 2013 e ou não
estão em condições de repetir aqueles atos, ou não estão convencidas da
possibilidade de alcançar a mudança política através de protesto.
Recentemente você escreveu
sobre algumas alternativas possíveis em face da capitulação de Tsipras . Que
partido grego, tendência ou políticos seriam capazes de realizar as
alternativas que você propõe?
Não sabemos quando Syriza vai realizar o seu congresso nacional,
mas até agora tem havido uma maioria no Comitê Central do Syriza que se opõe ao
acordo e que é favorável à tomada de medidas mais radicais. Mas, enquanto não
há nenhuma reunião do Comité Central ou um Congresso Extraordinário, não
sabemos o que vai acontecer. Haverá muita pressão dos partidários de Tsipras.
Em sua alternativa à
capitulação você também menciona a possibilidade de exclusão da zona do Euro. O
povo grego está mudando a sua posição sobre permanecer na zona do Euro?
A maioria dos gregos quer permanecer com o Euro, mas não tenho
certeza até que ponto essas pesquisas são realmente confiáveis, porque antes do
referendo elas mostravam uma linha praticamente no meio entre o sim e o não.
Pessoalmente, eu imagino que uma ligeira maioria ainda é a favor do Euro.
Deixar o Euro é uma opção. A discussão sobre esta opção no caso da Grécia
precisa ser ampliada. Eu penso que uma saída do euro tornou-se uma perspectiva
necessária. Eu falei sobre medidas radicais de desobediência aos credores em
termos de socializar o banco, controlar a movimentação de capitais e criar uma
moeda complementar. Tudo isso é viável sem sair do Euro, mas também poderia
levar mais tarde a uma saída do Euro. Agora, então, para aqueles que dizem que
a única opção é aceitar as condições dos credores ou deixar o Euro, parece-me
um falso dilema quando você olha para a situação em que a Grécia se encontrava
entre Janeiro e Junho de 2015.
O que você acha sobre a posição
do Podemos no que diz respeito à Grécia e à dívida?
Espero que o Podemos se distancie da capitulação do Syriza e
aprenda a lição de que quando se quer formar um governo capaz de mudar a
situação em favor das pessoas na Espanha e na Europa, a alternativa deve ser um
programa radical. O perigo é que Podemos poderia tornar-se apenas mais uma
organização dentro do sistema político que está denunciando, e integrar-se
dentro daquele sistema. Espero que não.
Veja on-line: http://tlaxcala-int.org/article.asp?reference=15478
Eric Toussaint é professor na
Universidade de Liège, porta-voz do Comitê Internacional para a Anulação da
Dívida do Terceiro Mundo (CADTM), e membro do Conselho Científico da ATTAC
França. Ele foi membro da Comissão de Auditoria Integral do Crédito Público do
Equador e atualmente é o coordenador científico da Comissão da Verdade sobre a
Dívida grega.