por Maria Lucia Fattorelli e Rodrigo Ávila
Recentemente, recebemos reclamações de nossos apoiadores
em relação a posição manifestada em redes sociais (facebook) por Cesar
Benjamin, que concluiu, lamentavelmente, insinuando que auditar a dívida seria
uma bobagem, algo bom para discursos em pequenos auditórios e que nada haveria
a auditar.
Cada um tem o direito de ter a opinião que deseja, mas é
importante que se expresse, minimamente, os dados corretos, baseados em fontes
oficiais, como tem feito a Auditoria Cidadã da Dívida.
Tendo em vista os diversos equívocos manifestados pelo
entrevistado, esclarecemos os mais relevantes, a fim de demonstrar a
necessidade de realização da auditoria da dívida, aliás, como manda a nossa
Constituição Federal.
Inicialmente, é preciso ressaltar que o montante da dívida
interna já ultrapassou há muito tempo, desde maio do ano passado, a casa dos R$
3 trilhões. Atingiu R$ 3,7 trilhões em agosto/2015. O governo omite da estatística
da dívida interna (comumente divulgada à imprensa) os títulos emitidos pelo
Tesouro e entregues ao Banco Central, que já ultrapassam a marca de R$ 1,1
trilhão. Tais títulos são repassados pelo BC aos bancos privados nas chamadas
“operações de mercado aberto” ou “compromissadas” (sob a questionável
justificativa de enxugar o excesso de moeda – a base monetária – para controlar
a inflação), e são remuneradas com taxa Selic ou taxas até mais elevadas.
Portanto, trata-se de dívida pública, que tem sido repassada aos bancos
privados, e que tem gerado obrigação de pagamento de elevados juros, devendo
sim ser considerada no montante da dívida interna.
Adicionalmente, tais operações possuem forte indício de
ilegalidade, dado que a “lei de responsabilidade fiscal” proibiu o BC de emitir
títulos públicos e, para driblar essa lei, o Tesouro emite títulos sem limite
algum, entregando-os de graça ao BC para este último fazer a festa dos
banqueiros privados, que recebem juros absurdos, em cash, enquanto se cortam os
recursos das áreas sociais. Em vários países do mundo, tal controle da base
monetária se dá de forma totalmente diferente, sem enriquecer os bancos às
custas do povo.
Auditoria não significa moratória. A auditoria visa
investigar o processo e determinar se a chamada dívida existe ou não. Só se
pode dizer que existe dívida se houve entrega de recursos. Temos comprovado a
utilização de diversos mecanismos meramente financeiros que geram dívidas sem
contrapartida alguma ao país e à sociedade. Nesse caso tal dívida é “nula”; não
é dívida; é outra coisa. E não se deveria simplesmente fazer moratória de algo
nulo, que não existe. A auditoria tem o papel de separar as dívidas legítimas
daquelas ilegítimas, nulas.
Em tese, a dívida pública deveria ser um recurso legítimo
dos Estados nacionais, destinado a complementar os orçamentos públicos. Na
prática, temos detectado algo bem diferente, que denominamos “Sistema da
Dívida”, ou seja, os recursos nunca chegam aos Estados nacionais. O que ocorre
é a utilização de mecanismos meramente financeiros que geram dívida pública. E
a partir do momento em que a dívida é gerada, passa a exigir a generosa
remuneração paga pelo Brasil – as taxas de juros mais elevadas do mundo – e,
além disso, o endividamento público passa a pautar todo o modelo econômico
(metas de superávit, ajuste fiscal, corte de gastos, aumento de tributos,
privatizações etc.) e sacrificar a sociedade, pois a prioridade nacional é
“honrar” a tal dívida…
Muitos acreditam que a mera compra e venda de títulos públicos
seria um mecanismo inofensivo usado pelo BC para regular a liquidez, isto é, o
volume de moeda em circulação, definido como base monetária. Na verdade, a base
monetária no Brasil é infinitamente baixa (inferior a 5% do PIB, sendo que
todas as demais grandes economias está em torno de 40%) e as operações de
mercado aberto ou compromissadas estão servindo para remunerar toda a sobra de
caixa dos bancos que ultrapassa esse baixo limite estabelecido pelo BC. Ainda
por cima, tais operações incentivam os bancos privados a praticarem taxas de
juros de mercado indecentes, pois eles não têm que fazer força alguma para
emprestar à sociedade, já que o BC lhes garante a Selic ou até mais elevadas
taxas sobre todo o capital que ultrapassa o mencionado limite.
Outro mecanismo insano que vem gerando dívida pública são
as operações de swap cambial. Nos últimos 12 meses foram R$169 bilhões i. em
resultados negativos, que são pagos pelo BC a bancos e grandes empresas
exportadoras/importadoras às custas de geração de dívida pública. Isso pode ser
chamado de dívida? O que recebemos?
O pior é que tais mecanismos (que ainda por cima driblam
leis) estão gerando volumes de dívida que já ultrapassam a casa dos trilhões… e
não param de exigir juros sobre juros (outra figura ilegal – Anatocismo),
encargos, e pautam o funcionamento do país de forma a sangrar os recursos que
deveriam ir para investimentos e satisfazer as necessidades sociais, ou seja,
constituem uma receita para quebrar o País. Não é à toa que o Brasil, 7ª maior
economia mundial, é tão atrasado em atendimento aos direitos sociais (79º IDH)
e em desenvolvimento socioeconômico.
Nada se conhece desses mecanismos, a não ser a cifra
global.
Não se sabe quem foram os beneficiários dos prejuízos com
swap cambial. Não se sabe quais as condições pactuadas. Alguém já teve acesso a
um contrato sequer de swap feito pelo BC? Qual a base legal para a concessão de
garantias sem limite? Qual a base legal para transferir o prejuízo para a
sociedade, sem limite?
Nada se sabe sobre os beneficiários das operações de
mercado aberto, que podem durar apenas um dia, como um “overnight”, um cassino,
que garante juros às custas de recursos orçamentários que estão sendo cortados
da saúde, educação, segurança, ciência e tecnologia e até da Defesa Nacional,
como recentemente desabafou o Chefe do Exército brasileiro.
Sequer sabemos quem são os detentores dos títulos da
dívida brasileira. Os R$ 3.691.613.000.000,00 estão em que mãos? Quem está
recebendo os maiores juros do mundo e amarrando o gigante Brasil?
A CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados
em 2009/2010 comprovou diversas ilegalidades e ilegitimidades do processo de
endividamento tanto externo como interno desde a década de 70, passando por
falta de comprovação de grande parte do estoque da dívida desde a Ditadura
Militar; transformação de dívidas externas privadas em dívidas públicas;
resgates antecipados de dívida externa com pagamento de ágio que chegou a 70%;
suspeita de renúncia à prescrição da dívida externa com bancos privados que em
seguida foi ressuscitada, em Luxemburgo, no denominado Plano Brady; conflito de
interesses no arbitramento da taxa Selic; utilização de dívida para salvamento
bancário no PROER e PROES; fraudes em processos de geração de dívida em
diversos estados e municípios, com auxílio de famosas instituições financeiras
que se beneficiaram da denominada “cadeia da felicidade” que vem quebrando
diversos entes federados; práticas abusivas de taxas de juros sem justificativa
técnica, legal, jurídica ou política; prática ilegal de Anatocismo (juros sobre
juros); além de diversos outros mecanismos espúrios que simplesmente geram
“dívida” que tem sido paga por toda a sociedade, seja por meio de elevada carga
tributária, seja por falta dos serviços sociais a que tem direito e não recebe…
Por tudo isso, não se pode dizer que repudiar a dívida e
exigir a auditoria seria uma bobagem. O povo, que paga essa conta, tem o
direito de saber o que está pagando.
i. Resultados negativos indicados pelo Banco
Central nos meses de setembro, novembro e dezembro/2014 e fevereiro, marco,
maio, julho e agosto 2015 (Quadro XLII – Operações Cambiais – Nota para
Imprensa de 30/09/2015 – Política Fiscal).”