Terça, 22 de outubro de 2013
Elaine Patricia Cruz, repórter da Agência Brasil
São Paulo – A história da madre Maurina Borges da Silveira, que foi
presa, torturada e estuprada durante a ditadura militar (1964-1985), é a
mais emblemática desse período. A avaliação é de Denise Assis,
jornalista e pesquisadora da vida da madre, autora do livro de ficção Imaculada.
“[A história de madre Maurina] envolveu todas as instituições, todos
os sentimentos, toda a dignidade feminina, toda a dignidade da
sociedade”, disse Denise, durante audiência pública ocorrida no fim da
tarde de hoje (21) na Assembleia Legislativa paulista e que reuniu
parentes, jornalistas e ex-presos políticos para tentar recontar a
história da madre.
Madre Maurina era diretora do Lar Santana, um orfanato para meninas
em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, e foi presa no dia 25 de
outubro de 1969, acusada por acobertar militantes da Frente Armada de
Libertação Nacional (Faln), que se reuniam e imprimiam material,
considerado subversivo à época, no porão do Lar Santana. Mas a madre não
sabia que o grupo, que ocupava o porão do orfanato, era formado por
militantes políticos.
“Quando ela chegou para dirigir o orfanato, já havia um grupo de
jovens que ocupavam uma sala para discussão. E dentro desse grupo havia
um grupo revolucionário. Quando as pessoas desse grupo revolucionário
começaram a ser presas, houve uma conexão com a irmã Maurina, e ela
também foi presa. Ela era inocente, não sabia o que estava acontecendo.
Ela foi presa porque, quando percebeu que os rapazes começaram a ser
presos, foi ver que material era aquele que havia no porão, naquela
sala. Como achou que aquilo poderia comprometer muitas pessoas, ela
acabou queimando o material. E esse foi o grande crime da irmã Maurina:
ela queimou o material que seria uma prova [para os militares]”, disse a
também jornalista Matilda Leone, autora do livro Sombras da Repressão – O Outono de Maurina Borges.
Depois de presa, madre Maurina foi torturada sendo submetida a
sessões no pau de arara e a choque elétrico. “Ela foi estuprada”,
relatou Áurea Morete Pires, que esteve presa com a madre. Segundo Áurea,
a madre nunca confirmou os estupros. “Mas quando ela voltava [para a
cela], sempre voltava chorando”, disse, em depoimento hoje à Comissão da
Verdade de São Paulo.
A história da madre, que morreu em março de 2011, causa ainda muitas
dúvidas. Entre elas, se realmente ficou grávida de um torturador. “Eu
estive com ela e não acredito que tenha sido estuprada”, declarou o Frei
Manoel Borges da Silveira, irmão da madre Maurina, em entrevista à Agência Brasil.
Para ele, madre Maurina assumiu “esse sofrimento”, os estupros que
aconteciam com outras presas, “como se fosse uma coisa sua”.
A jornalista Denise Assis disse que certa vez, por telefone, a madre
assumiu ter sido estuprada, mas negou a gravidez. “A senhora foi
estuprada? A senhora engravidou?, perguntei a ela por telefone. Ela [a
madre] fez uma pausa e disse que isso aconteceu [o estupro]. Mas
declarou ter pedido muito a Deus para que isso não tivesse
consequências. Eu então perguntei se confirmava o estupro. Ela disse
sim, mas não a gravidez”, relatou Denise.
“Ela foi realmente estuprada. Quanto à gravidez, muitas pessoas
falaram sobre isso. De onde surgiu essa história? Em todos os setores e
com todas as pessoas com que conversei, falaram dessa gravidez. E é algo
que não ficou provado”, disse Matilde Leone.
Depois de passar cinco meses na prisão, madre Maurina foi extraditada
para o México, em março de 1970, em troca do cônsul japonês Nokuo
Okuchi, sequestrado por militantes de esquerda. Ela ficou 15 anos fora
do país, voltando em 1985.
Para Matilde Leone, há muitas questões que ainda precisam ser
investigadas sobre a história da madre Maurina. “Essa questão do filho
ou do aborto é uma questão que a Comissão da Verdade poderia investigar.
Isso faz parte dos desmandos e da crueldade da época. Isso faz parte da
história. Se ela fez um aborto ou foi forçada a fazer um aborto, o que
realmente aconteceu com a irmã Maurina? Por que houve esse silêncio e
essa proibição em torno dela para que ela não contasse alguma coisa? Por
que esconder?”, disse Matilde.
Para o deputado estadual Adriano Diogo, presidente da comissão, o
fato de existirem dois livros sobre a madre, mas ambos ficcionais,
mostra que a história dela ainda precisa ser elucidada. “Dois livros
foram apresentados hoje. E os dois livros eram ficcionais. A ditadura
foi tão brutal que se não se forem trazidos depoimentos na primeira
pessoa, e se não se trazer [a história] na forma ficcional, as pessoas
não acreditam que houve toda essa barbaridade”, declarou a jornalistas.
“A comissão da verdade tem três níveis: memória, verdade e justiça.
Mas só estamos na memória, nas vítimas. Ainda não chegamos na verdade. E
a justiça não sei se vai acontecer”, ressaltou o deputado.