Quinta, 24 de
outubro de 2013
Por Ivan de Carvalho
A Ordem dos Advogados do Brasil instala
solenemente em sua sede, às 17:30 horas de hoje, sua Comissão da Verdade,
destinada a ouvir pessoas e investigar fatos relacionados com a violação dos
direitos humanos por motivação política durante o regime militar iniciado em
1964 com a deposição do presidente João Goulart, que havia sido eleito vice-presidente
em 1960 e chegado à presidência da República com a renúncia de Jânio Quadros e
apesar de forte resistência – debelada sem luta armada e após alguns dias de
impasse e negociação.
O regime militar, autoritário sempre –
em algumas fases, menos, em outras mais – violou esses direitos. Em escala
muito menor, e não se deve brigar com os fatos, também alguns dos mais radicais
adversários do regime, invocando razões no mínimo muito discutíveis quanto à
sua capacidade de justificar suas atitudes, cometeram esse tipo de violação,
embora as “comissões da verdade” criadas em várias instâncias políticas e da
sociedade mostrem preocupação exclusiva com o que fez de mal em relação aos
direitos humanos e outros direitos a revolução ou contra-revolução preventiva
que em poucos dias tornou-se ditadura, segundo o entendimento deste repórter.
Mas as linhas acima escritas tiverem o
propósito apenas de fazer uma referência histórica e não deixar passar em
branco a evidência do esforço que se faz para fingir que só um dos lados –
digamos assim – fez coisas feias, embora ambos hajam feito, ainda que em
dimensões totalmente desproporcionais na quantidade e mesmo nos métodos.
Talvez, no entanto, apesar do evidente idealismo de tantos (instrumentalizado
por uma ideologia mórbida e violenta a que se chamou marxismo-leninismo), a
diferença de dimensões e métodos se deva exclusivamente a uma questão de
oportunidade. Se vencedores, acaso não ocorreria aqui, para a construção e
consolidação da incompreensível utopia, violações ainda maiores que as que se
registraram durante o regime militar brasileiro? Aconteceram na Rússia, na
União Soviética, na China, no Camboja, na Coréia do Norte, em Cuba, na Hungria,
na Alemanha Oriental e em muitos outros lugares. Seríamos a maravilhosa
exceção?
Mas cabe sim, sem pretensões à vindita
e à perseguição, porque buscá-las, se com êxito, certamente levará de alguma forma
ao reencontro com o mal, esclarecer a verdade histórica, mostrar honestamente o
fato escondido, reconhecer o horror que marcou essa fase brasileira e tantas
outras, no Brasil (ditadura sob Getúlio Vargas) e em incontáveis países ao
longo da civilização humana.
Por isto a OAB da Bahia instala hoje,
solenemente, em sua sede, às 17:30 horas, sua Comissão da Verdade, que terá na
presidência o advogado Ignácio Gomes. Inácio é pessoa absolutamente adequada ao
cargo, pelo papel que, em circunstâncias críticas, desempenhou na Bahia e mesmo
em instâncias fora da Bahia na defesa de presos políticos. Um dos poucos –
raríssimos – advogados que, na Bahia, sacrificaram em grande parte suas
carreiras para lutar pela vida dos amigos, conhecidos e desconhecidos, não importava.
“Maior amor não há do que dar a vida por seus amigos”, disse Jesus. E foi isso
– de maneira menos dura do que fez o autor da frase – que fez Ignácio Gomes.
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Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.