Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 5 de outubro de 2013

Orçamento impositivo

Sábado, 5 de outubro de 2013
Por Ivan de Carvalho
Depois de aprovada em duas votações pelo plenário da Câmara dos Deputados, deverá ser votada na próxima semana na Comissão de Constituição e Justiça do Senado a “proposta de emenda constitucional do orçamento impositivo”. Há emendas que poderão ser aprovadas e a principal delas é uma emenda do relator, Eduardo Braga, do PMDB do Amazonas, que determina a aplicação de 50 por cento dos recursos representados pelas emendas parlamentares individuais no setor de saúde.
Essa emenda é de interesse do governo. Não quer dizer que isso a torne ruim. Mas o governo está querendo fazer marketing político em torno da saúde com o destino dos recursos das “emendas parlamentares individuais” – como também tem feito com o controverso e mal ajambrado programa Mais Médicos – pois não quer destinar ao setor de saúde mais recursos cuja aplicação o Executivo possa fazer livremente onde lhe interesse. Essa emenda à PEC é assim como se alguém procurasse mostrar que está dando esmolas, mas para isso tirasse o dinheiro do bolso alheio e não do próprio.
Se alguma emenda for efetivamente aprovada pelo plenário do Senado, a PEC do Orçamento Impositivo terá de voltar à Câmara dos Deputados, onde será novamente discutida e votada. A Câmara aprovou a PEC, naturalmente sem as emendas que o Senado eventualmente vier aprovar, por 376 votos a favor e 59 contrários.
Essa PEC, de qualquer maneira, uma vez transformada em emenda constitucional, terá uma relevância política enorme. Cada congressista, deputado ou senador, tem “direito” a incluir no orçamento da União emendas que destinam, anualmente, R$ 15 milhões a fins determinados por ele. Durante um mandato de deputado, que é de quatro anos, são 60 milhões. Sem o “orçamento impositivo” que a PEC pretende institucionalizar, o Executivo pode aplicar esses recursos ou não.
Isto faz com que o Executivo, invariavelmente, use isso como moeda de troca política. Os congressistas aliados do governo, de acordo com a sua influência ou submissão junto a este, são mais ou menos privilegiados. Já os recursos destinados por emendas orçamentárias de parlamentares oposicionistas raramente são liberados. Funciona como uma espécie de castigo pela oposição e estratégia para o parlamentar não poder mostrar serviço em suas bases eleitorais, ávidas por obras e serviços.
O Executivo atua com absoluto e ostensivo arbítrio nisso (como em tantas outras coisas) e foi por isto que reagiu tão enfaticamente à PEC antes de se conformar, por causa da determinação da Câmara em aprová-la, e tentar pegar uma carona incluindo a questão do setor de saúde, ao qual o Executivo tem demonstrado (como prova o estado de calamidade do SUS) não ter intenção de dar prioridade.
Bem, mas voltando à relevância política do orçamento impositivo. Há um lado bom e um lado preocupante. O lado bom é que aumenta de modo muito significativo a autonomia dos congressistas em relação ao Executivo e reduz o poder de chantagem político-administrativa deste sobre os parlamentares (notadamente os deputados, que são mais vulneráveis a esse tipo de chantagem que os senadores). Claro que se, individualmente, os parlamentares ganham muito em autonomia, o próprio Congresso também se torna mais autônomo (ou talvez seja melhor dizer menos dependente) do Executivo. Isso favorece a democracia, a república e a seriedade no trato da coisa pública.
O lado preocupante é que um deputado federal vai ter R$ 60 milhões durante seu mandato de quatro anos para destinar a obras e serviços em suas bases eleitorais. Ele se tornará quase invencível, isto é, terá – e para isto chama a atenção o ex-deputado estadual Raimundo Sobreira, hoje afastado de candidaturas, mas atuante nos bastidores e um atilado observador – reeleições garantidas e não haverá quem lhe tome a cadeira. Sobreira sugere, como remédio, em nome da renovação e não mumificação da política, uma limitação para o número de mandatos consecutivos na mesma casa legislativa.
Isso não precisaria envolver os senadores, pois a eleição destes é majoritária e nesse caso as emendas orçamentárias que fazem não teriam a força de garantir reeleição.
Mas a limitação sugerida é uma daquelas normas que a Câmara nunca aprovaria. Sobreira não combinou com os russos.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.