Sábado, 5 de outubro
de 2013
Por Ivan de Carvalho

Essa
emenda é de interesse do governo. Não quer dizer que isso a torne ruim. Mas o
governo está querendo fazer marketing
político em torno da saúde com o destino dos recursos das “emendas
parlamentares individuais” – como também tem feito com o controverso e mal
ajambrado programa Mais Médicos – pois não quer destinar ao setor de saúde mais
recursos cuja aplicação o Executivo possa fazer livremente onde lhe interesse.
Essa emenda à PEC é assim como se alguém procurasse mostrar que está dando
esmolas, mas para isso tirasse o dinheiro do bolso alheio e não do próprio.
Se
alguma emenda for efetivamente aprovada pelo plenário do Senado, a PEC do
Orçamento Impositivo terá de voltar à Câmara dos Deputados, onde será novamente
discutida e votada. A Câmara aprovou a PEC, naturalmente sem as emendas que o
Senado eventualmente vier aprovar, por 376 votos a favor e 59 contrários.
Essa
PEC, de qualquer maneira, uma vez transformada em emenda constitucional, terá
uma relevância política enorme. Cada congressista, deputado ou senador, tem
“direito” a incluir no orçamento da União emendas que destinam, anualmente, R$
15 milhões a fins determinados por ele. Durante um mandato de deputado, que é
de quatro anos, são 60 milhões. Sem o “orçamento impositivo” que a PEC pretende
institucionalizar, o Executivo pode aplicar esses recursos ou não.
Isto
faz com que o Executivo, invariavelmente, use isso como moeda de troca
política. Os congressistas aliados do governo, de acordo com a sua influência
ou submissão junto a este, são mais ou menos privilegiados. Já os recursos destinados
por emendas orçamentárias de parlamentares oposicionistas raramente são
liberados. Funciona como uma espécie de castigo pela oposição e estratégia para
o parlamentar não poder mostrar serviço em suas bases eleitorais, ávidas por
obras e serviços.
O
Executivo atua com absoluto e ostensivo arbítrio nisso (como em tantas outras
coisas) e foi por isto que reagiu tão enfaticamente à PEC antes de se
conformar, por causa da determinação da Câmara em aprová-la, e tentar pegar uma
carona incluindo a questão do setor de saúde, ao qual o Executivo tem
demonstrado (como prova o estado de calamidade do SUS) não ter intenção de dar
prioridade.
Bem,
mas voltando à relevância política do orçamento impositivo. Há um lado bom e um
lado preocupante. O lado bom é que aumenta de modo muito significativo a
autonomia dos congressistas em relação ao Executivo e reduz o poder de
chantagem político-administrativa deste sobre os parlamentares (notadamente os
deputados, que são mais vulneráveis a esse tipo de chantagem que os senadores).
Claro que se, individualmente, os parlamentares ganham muito em autonomia, o
próprio Congresso também se torna mais autônomo (ou talvez seja melhor dizer
menos dependente) do Executivo. Isso favorece a democracia, a república e a
seriedade no trato da coisa pública.
O
lado preocupante é que um deputado federal vai ter R$ 60 milhões durante seu
mandato de quatro anos para destinar a obras e serviços em suas bases
eleitorais. Ele se tornará quase invencível, isto é, terá – e para isto chama a
atenção o ex-deputado estadual Raimundo Sobreira, hoje afastado de
candidaturas, mas atuante nos bastidores e um atilado observador – reeleições
garantidas e não haverá quem lhe tome a cadeira. Sobreira sugere, como remédio,
em nome da renovação e não mumificação da política, uma limitação para o número
de mandatos consecutivos na mesma casa legislativa.
Isso
não precisaria envolver os senadores, pois a eleição destes é majoritária e
nesse caso as emendas orçamentárias que fazem não teriam a força de garantir
reeleição.
Mas
a limitação sugerida é uma daquelas normas que a Câmara nunca aprovaria.
Sobreira não combinou com os russos.
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Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.