Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 8 de novembro de 2014

Mais respeito com Bolivar e com Chávez, por favor!

Sábado, 8 de novembro de 2014
Por Celso Lungaretti
Uma pretensa inclinação bolivariana do PT vem sendo, há bom tempo, o principal espantalho que a direita golpista utiliza em suas tentativas de recriar o clima de 1964.
Então, quando o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, bate de novo nesta desafinada tecla, vem bem a calhar a desmistificação da dita falácia por parte de Demétrio Magnoli (o qual, aliás, ostenta o pitoresco título de "doutor em geografia humana" -existirão também doutores em antropologia territorial?). A sua coluna deste sábado  (8) na Folha de S. Paulo,  'Bolivariano', você disse?, pode ser acessada aqui.

Há quem considere inadmissível um homem de esquerda concordar em seja lá o que for com Magnoli, mas isto não passa de grotesquerie stalinista com ranço de fanatismo religioso medieval. Lembrando um velho chavão, até um relógio quebrado (daqueles antigos, com ponteiros) marca a hora certa duas vezes ao dia. Eu julgo quaisquer argumentos por seu valor intrínseco, ponto final.

De quebra, Magnoli desfaz outra empulhação, a de que o PT atual tenha conservado um mínimo que seja do revolucionarismo presente no seu DNA de 1979.  Nem a pau, Juvenal...

Eis os oportunos esclarecimentos de Magnoli:
"A revolução 'bolivariana' definiu como meta política a unificação da América Latina contra os EUA e, como meta econômica, a implantação de um sistema estatista. 
No tempo do 'Lula-lá', aqui também era assim...
O lulopetismo não compartilha tais metas. Na economia, procura modernizar o capitalismo de estado varguista. Na política, almeja apenas uma perene hegemonia. O regime chavista é revolucionário; o lulopetismo é populista e conservador... 
Há uma diferença crucial de origem. O movimento 'bolivariano' é fruto da ruptura: nasceu do colapso da democracia oligárquica venezuelana, no 'caracazzo', o levante popular de 1989, e consolidou-se após o frustrado golpe antichavista de 2002.
O lulopetismo, pelo contrário, é fruto da continuidade: surgiu com a redemocratização e conquistou o Palácio na moldura da estabilização da democracia. O chavismo substituiu a desmoralizada elite política venezuelana; o lulopetismo integrou-se às elites políticas tradicionais, até converter-se no fiador principal de seus negócios e interesses.
Palavras servem para iludir. Os ataques 'bolivarianos' da campanha de Dilma contra Aécio funcionaram como toque de reunir para os movimentos sociais, o PSOL e os intelectuais de esquerda. Confrontado com o risco de derrota, o lulopetismo precisava recuperar uma franja periférica do eleitorado que se dispersava.
...ahora, no más. O fervor das massas ficou na saudade. 
Concluída a disputa, o governo realiza o giro ortodoxo, abandonando a 'nova matriz econômica'. 
O estelionato, anunciado pela elevação dos juros, tem roteiro conhecido: recomposição de preços de combustíveis, choque de tarifas de energia, ajuste fiscal. Os chavistas vestem-se de vermelho o tempo todo; Lula e Dilma trocam o vermelho pelo branco assim que as urnas se fecham".
Nada a objetar. Magnoli está certíssimo ao concluir que "a Venezuela não é aqui" e que inexiste risco de o STF se transformar numa corte bolivariana, "pois não será posto a serviço de um projeto político revolucionário".

E, para esquerdistas que não abdicaram do espírito crítico, ele não conta nenhuma novidade ao constatar que o PT só retira a retórica antiga do arquivo morto em períodos eleitorais, logo remetendo-a de volta para o esquecimento.