Da Tribuna da Internet
Jorge Béja
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Rio de Janeiro, 9 de Outubro de 2015.
Eminente Jurista e Professor Doutor Dalmo de Abreu Dallari.
Li na edição de ontem de O Globo (página 3) as breves
considerações do Dr. Dallari a respeito da votação ocorrida na véspera, no
Tribunal de Contas da União, em que o plenário da corte, por unanimidade,
aprovou parecer recomendando ao Congresso a reprovação das contas de 2014 da
presidente Dilma Rousseff.
Para o Dr. Dallari “o julgamento foi político, e não jurídico.
É indiferente para a discussão sobre o impeachment porque a presidente não pode
ser responsabilizada por atos estranhos ao exercício do mandato. As “pedaladas”
são atos formais e administrativos da equipe econômica, feitos sem a
interferência da presidente. Questões formais não caracterizam ato de má-fé,
não ensejam crime de responsabilidade. As “pedaladas” não ferem a lei
orçamentária porque não desviaram recursos do orçamento para atividades
não autorizadas e não há qualquer vantagem pessoal que Dilma tenha levado com
as contas do governo”.
PREÂMBULO
Porque vindas da notabilíssima inteligência do Dr. Dallari,
o sempre bâttonier de todos nós advogados (primus inter pares), as
considerações me despertaram dúvidas. Mais diretamente dizendo: me tiraram o
sono. O sono de quem se encontra, no saber jurídico, muito distante do Dr.
Dallari, com quem este seu alunado sempre aprendeu através da leitura de suas
mais de trinta obras jurídicas publicadas. É por isso que tomo a liberdade de
escrever esta carta, na certeza de que todas aquelas dúvidas serão dissipadas.
A seguir, excelso Dr. Dallari, ainda que de forma ligeira, mas objetiva, as
exponho.
SOBRE O TCU
O Tribunal de Contas da União, posto em posição singular na
Administração brasileira, segundo Hely Lopes Meirelles, por ser ele órgão
auxiliar do Poder Legislativo, mesmo assim a referida Corte não é um tribunal
político, mas técnico-jurídico. Ao TCU compete examinar o destino que o
administrador deu aos dinheiros públicos, aferindo as contas apresentadas, se
elas estão exatas, comprovadas e na conformidade da lei. Seu corpo funcional
não é de leigos, mas de competentes, experientes e concursados peritos em
contas e contabilidade pública.
Na prestação de contas da Presidente da República, referente
a 2014, foram detectadas doze irregularidades, não contestadas pela
presidente, que se limitou a tentar explicar ou justificar poucas delas. Logo,
não consigo atribuir cunho politico à atuação de um Tribunal de Contas, seja da
União, dos Estados e dos Municípios. Politizar suas conclusões técnicas seria o
mesmo que dar peso político a um laudo pericial de Instituto de Criminalística
que concluiu que um acidente automobilístico ocorreu pelo excesso de velocidade
(140 km/hora) que o condutor empreendeu ao seu veículo, quando a velocidade
máxima permitida era de 80 km. Ou emprestar o mesmo peso político a um exame de
Instituto Médico Legal que concluiu que a morte da vítima foi causada por
eletroplessão.
A LEI, SEM RESSALVA
O artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal é cogente. Não
admite exceção, atenuação ou contorno. Diz, imperativamente, ser proibida
operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da
Federação que a controle, na qualidade de beneficiário de empréstimo.
Não obstante, o governo federal usou recursos da CEF, do BB,
do BNDES para pagar despesas com seus projetos sociais. Ainda que a causa possa
ser vista como nobre, mesmo em ano eleitoral, como foi o ano de 2014, a lei
proíbe. E a lei não ressalva a exceção da “boa-fé” para beneficiar o infrator.
Para tanto seria indispensável que no texto daquele artigo constasse a ressalva
“Salvo existir boa-fé, é proibida a operação de crédito entre….”. Onde o
legislador não excepcionou, não é lícito ao intérprete excepcionar.
DILMA É QUE É RESPONSÁVEL
Também as “pedaladas” não são meros atos formais e
administrativos da equipe econômica, sem a responsabilização do Presidente da
República. Se assim fosse o Presidente da República nunca seria alcançado pela
referida lei, mas apenas sua equipe econômica. Também se assim fosse o artigo
71, I, da Constituição Federal seria letra morta quando outorga ao Tribunal de
Contas da União poder e competência para apreciar as contas apresentadas
anualmente pelo Presidente da República para, em seguida, com parecer prévio,
serem enviadas ao Congresso Nacional.
O TCU também examina contas de outros agentes públicos. As
do Presidente da República são as principais delas e estão destacadas na lei.
Por isso não consigo entender a irresponsabilização da presidente Dilma
Rousseff à luz desses argumentos expostos pelo Dr. Dallari. Menos ainda quando
o Dr. Dallari garante que a presidente não pode ser responsabilizada por atos
estranhos ao exercício do mandato. Pois foi juntamente em razão do exercício do
mandato de Presidente da República que as contas relativas a 2014 de Dilma
Rousseff foram examinadas e rejeitadas pelo TCU.
IMPEACHMENT
O parecer final do TCU, emitido anteontem, pela unanimidade
de seu plenário, não “é indiferente para a discussão sobre o impeachment…”. Me
atrevo dizer que a peça é de decisiva importância. Vamos ao artigo 73 da Lei de
Responsabilidade Fiscal:
As infrações aos dispositivos desta Lei Complementar serão
punidas segundo o Decreto-Lei 2848, de 7.12.11940 (Código Penal); a Lei nº
1079, de 10.4.1950; o Decreto-Lei nº 201, de 27.12.1967; a Lei 8429, de
2.6.1992 e demais normas da legislação pertinente”.
Nem cogito aqui daquelas outras, mas apenas da Lei nº
1079/1950, que é a lei que cuida Dos Crimes Contra a Lei Orçamentária. É a Lei
do Impeachment. Diz o artigo 4º que é crime de responsabilidade do Presidente
da República o(s) ato(s) que atente (atentem) contra a lei orçamentária e a
guarda e legal emprego dos dinheiros públicos. Diz ainda o artigo 10 que são
crimes de responsabilidade…infringir, patentemente e de qualquer modo,
dispositivo da lei orçamentária…ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a
realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da
Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na
forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída
anteriormente. E também diz o artigo 11 que são crimes contra a guarda e legal
emprego dos dinheiros públicos…ordenar despesas não autorizadas por lei ou sem
observância das prescrições legais…abrir crédito sem fundamento em lei ou sem
formalidades legais…
São crimes da autoria do Presidente da República — e, não,
de sua equipe — e que culminam com o seu afastamento da presidência. Em
consequência do que está previsto na legislação e a ela submetendo o parecer
unânime do Tribunal de Conta da União, vejo, em sentido contrário da visão do
Dr. Dallari, que o resultado que o TCU envia ao Congresso é a peça que faltava
para que a presidente Dilma Rousseff seja submetida ao processo de impeachment.
Muito agradeço a atenção que o Eminente Jurista e Professor
Dalmo de Abreu Dallari vier a dispensar a esta Carta Pública.
Atenciosa e Respeitosamente,
Jorge Béja