Segunda-feira,
23 de novembro de 2015
Por Celso
Lungaretti
Caetano
Veloso foi, juntamente com Gilberto Gil, apresentar-se em Israel,
apesar de enfaticamente advertido por muita gente boa (incluindo o bispo
Demond Tutu e Roger Waters) de que estaria assim coonestando a nova
forma de apartheid que o estado sionista hoje personifica.
Na volta, procurou limpar sua barra com um artigo chocho e evasivo, cujo grand finale apenas indica que, talvez, procurará outros lugares para ir rechear a conta bancária:
"Gosto de Israel fisicamente. Tel Aviv é um lugar meu, de que tenho saudade, quase como tenho da Bahia. Mas acho que nunca mais voltarei lá".
"Acho que nunca mais voltarei a recusar um cachê elevado" |
No mínimo, para ser crível, sua mea culpa
deveria incluir a doação integral do cachê da discórdia aos que lutam
contra a ocupação militar dos territórios palestinos e expurgos
truculentos de seus habitantes.
Mesmo assim, um expoente do Movimento Internacional de Boicote (BDS), à falta de coisa melhor, saudou o acho de Veloso, fazendo de conta que não percebeu a ambiguidade da afirmação (quem garante que ele não achará
outra coisa se receber uma oferta irrecu$ável, fascinado como mostra
ser pela "força da grana que ergue e destrói coisas belas"?).
Compreendo
haver sido o mico que o digno médico palestino Othman Abu Sabha teve de
pagar para transmitir sua mensagem num jornalão brasileiro. Ele é
responsável pela clínica de Susiya e diretor da Sociedade Palestina de
Socorro Médico da região de Hebron (Cisjordânia).
Inteiramente
solidário ao BDS, transcrevo aqui o artigo de Abu Sabha, até porque
fornece um ótimo quadro da opressão do povo palestino por parte daqueles
que foram vítimas de um genocídio e parecem ter dele extraído a única e
repulsiva conclusão de que mais vale ser quem o pratica do que quem o
sofre.
DE SUSIYA PARA CAETANO
Saber da intenção de Caetano Veloso de nunca mais voltar a Israel me deu
esperança. Esperança de que há um entendimento crescente no mundo sobre
o que está acontecendo na Palestina. É bom saber que a visita de
Caetano a Susiya, aldeia palestina na Cisjordânia, ajudou a mostrar que
por trás da imagem de um ambiente vibrante de alta tecnologia está uma
uma dura realidade de ocupação e apartheid.
Há anos sou o médico responsável pela clínica local de Susiya. No
entanto, agora, a clínica e toda a vila estão sob ordem de demolição.
Planos e políticas israelenses pretendem limpar etnicamente 60% da
Cisjordânia ocupada, começando por 86 vilas rurais e áreas agrícolas que
serão destruídas.
O povo palestino está sendo forçado a abandonar Jerusalém: Israel já
expulsou muitos e revogou o direito de residência na cidade de 14 mil
palestinos. Aqueles que permanecem enfrentam, diariamente, repressão,
demolição de suas casas, políticas racistas e linchamentos.
O objetivo é nos situar nas chamadas zonas de realocação, as quais serão
circundadas junto ao resto das cidades e áreas residenciais palestinas
por um muro de mais de 700 quilômetros de extensão e oito metros de
altura.
Se os planos israelenses forem finalizados, o povo palestino estará
confinado à faixa de Gaza, às partes restantes da Cisjordânia, menos de
12% de nossa terra natal histórica, e ao exílio, onde mais de 5 milhões
de palestinos refugiados esperam que seu direito de retorno seja
respeitado. Como diz Caetano, não é essa a paz que queremos.
Não à toa, uma nova geração de palestinos está liderando uma série de
manifestações em mais de 50 localidades ao longo das terras controladas
por Israel. Esses jovens sabem que Israel não permitirá a eles nenhum
futuro e hoje protestam por sua esperança e dignidade. Removem a
aparência de normalidade do regime de apartheid, ocupação e colonização
de Israel.
Israel, por sua vez, tenta manter uma cortina de fumaça para garantir
que relações econômicas, políticas e culturais com o restante do mundo
se perpetuem normalmente. Essa é uma das razões pelas quais, há dez
anos, chamamos o mundo para pressionar Israel a respeitar suas
obrigações, por meio do movimento internacional de boicote (BDS). Um
pedido apoiado amplamente pelos palestinos, porque vincula o mundo a nós
por uma solidariedade efetiva.
Esse chamado não traz nenhuma solução final, mas reivindica três
direitos básicos estabelecidos pelo direito internacional: o direito dos
refugiados, maioria de nosso povo, de retornarem; o fim da ocupação e
desmonte do muro; e igualdade para os palestinos cidadãos de Israel.
Fico feliz que Caetano tenha atestado publicamente que essas demandas
têm fundamento.
Para nós, palestinos, romper os vínculos e a cumplicidade econômica e
institucional com as violações de Israel é um elemento imprescindível de
nossa luta. De Susiya a Salvador, o movimento BDS une as pessoas ao
redor do mundo.
Esperamos que Caetano siga conectado com nossa vila e com nossa luta por
justiça, liberdade e igualdade. Convidamos Caetano e todos os artistas
latino-americanos a se unirem ao BDS e caminharem conosco rumo à paz que
queremos.