Domingo, 22 de novembro de 2015
Da Auditoria Cidadã da Dívida
Eulália Alvarenga [1]
O presente artigo trata das benesses tributárias concedidas ao setor
minerário que tanto explora o Estado de Minas Gerais (MG) e o Brasil há
mais de 300 anos.
Minas Gerais, mais que qualquer outro estado brasileiro, sofre o
efeito colonizador desde que o Brasil foi “descoberto”. O Estado
Brasileiro antecedeu à formação da sociedade, tornando-se um instrumento
de colonização e dominação. No Brasil, as camadas dominantes jamais
renunciaram a seus privilégios, suprimindo desde cedo qualquer levante
popular por mais direitos sociais. Tais elites atuam no sistema legal,
político e econômico visando manter esses privilégios. Em teoria, o
Estado existe para prover a seus cidadãos uma boa qualidade de vida,
como disse Aristóteles, mas no entanto, o Estado Brasileiro serve a um
seleto grupo de privilegiados.
Minas respondeu por aproximadamente 50% da arrecadação minerária do Brasil [2]
em 2013. No entanto, essa arrecadação deveria ser maior, posto que o
Brasil é um dos países que cobra os menores royalties sobre a mineração
no mundo [3].
Para resolver essa defasagem na arrecadação, é necessário que o
Congresso Nacional elabore e aprove o novo marco regulatório para o
setor, com respeito a sociedade e ao meio ambiente, e não atendendo aos
interesses daqueles que financiam campanhas eleitorais [4].
Também é necessária uma mudança na legislação tributária para que sejam
revistas as benesses tributárias para este setor e a implantação de uma
fiscalização eficiente. Em MG, um estado com grande atividade minerária
o órgão fiscalizador Departamento Nacional de Produção Mineral –
DNPMpossui somente 4 funcionários.
De acordo com relatório do TCU (2011) [5],
de cada quatro áreas onde há extração de minério no País, apenas uma
faz o devido recolhimento do royalty de mineração, a chamada Compensação
Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais –CFEM. O mesmo
relatório aponta a quase inexistência de fiscalização desta contribuição
pelo DNPM. Presume-se que quem pratica a sonegação de royalties, o faça
também com relação a outros tributos, sobretudo imposto de renda (IR) e
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
A falta de fiscalização é um grande facilitador para estas práticas.
Em MG, onde somente a extração de ferro atingiu o volume declarado de
265,7 milhões de toneladas em 2013 [6],
é impossível acreditar que,com o número de fiscais que o DNPM possui,
seja capaz de efetuar a fiscalização do setor minerário de todo o Estado
de MG.
Diversas organizações internacionais têm feito denúncias a respeito
de supostas irregularidades (sonegação fiscal decorrente de
subfaturamento e/ou preços de transferências com recebimento das
diferenças em paraísos fiscais) na exportação dos minérios do Estado de
MG e do restante do Brasil (nióbio, ouro, minério de ferro e outros).
Quando se fala em pagamento justo, a proposta vai além do simples
pagamento de tributos. Pressupõe-se uma base tributária que proporcione a
implementação políticas públicas que assegurem os direitos das pessoas e
consiga reverter as desigualdades [7].
Se os recursos minerais são propriedade do Estado, é legítimo exigir
que os benefícios da exploração destes recursos, cujos impactos
negativos podem ganhar a dimensão de catástrofes em muitos casos, sejam
revertidos a favor da sociedade. É necessário que a sociedade, que é a
razão de ser do Estado e não o contrário, tenha sua contrapartida em
função da exploração de recursos minerais.
Minas Gerais: 10 maiores empresas em relação a Lucro Líquido / Recolhimento de Tributo – Exercício 2014
Analisando os dados da tabela acima, constata-se que a Samarco
Mineração S/A, empresa responsável pelo maior desastre ambiental do
Brasil ocorrido em Mariana/MG em 05-11-2105 [8],
teve, em 2014, lucro líquido de mais de R$ 2,8 bilhões, ano em que
pagou cerca de R$ 614 milhões em tributos (impostos, taxas e
contribuições), para os três níveis de governo, gerando apenas2.969
empregos diretos. A Samarco está também na segunda colocação no Estado
em EBTIDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortizações),
com cerca de R$ 3,7 bilhões [9].
É evidente que as mineradoras brasileiras contam com vantagens
significativas, posto que conseguem obter rentabilidades extremamente
altas com relação a outras atividades industriais, ao mesmo tempo que
provocam impactos ambientais profundos nas áreas onde a atividade
minerária é exercida. O Estado de MG, por ser o maior produtor de
minérios do Brasil, é o mais prejudicado por tais atividades, sobretudo
porque quando os recursos escassearem ou perderem valor de mercado em
função de redução da demanda, não tem sido beneficiado na medida justa
em função da exploração dos seus recursos minerais.
O cenário ainda pode piorar em breve, caso seja aprovado o projeto em
tramitação no Congresso brasileiro do novo código de mineração (Projeto
de Lei 5.807/2013 [10]),
que tem sido debatido sem considerar as vozes da sociedade (movimentos
sociais e comunidades envolvidas com a exploração mineral). Há outros
agravantes, como estabelecer que caberá à Agência Nacional de Mineração a
autorização de qualquer atividade que cause impedimento de atividades
minerárias (unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas).
Vale ressaltar que o relator do Projeto de Lei (deputado eleito em MG)
recebeu R$ 380 mil das empresas do setor minerário na sua campanha
eleitoral o mesmo ocorrendo com a maioria dos 31 parlamentares que
compõem a comissão especial [11].
A sociedade mineira tem, urgentemente, que discutir os rumos do Estado, revendo sua condição eterna de colônia,
exportadora de minérios brutossem nenhum valor agregado e exigir que a
sua participação seja efetiva na discussão do novo Marco Regulatório da
Mineração. Exigir que as mineradoras paguem o justo e, o justo vai muito
além de tributos [12].
Que a atividade minerária possa devolver a sociedade tudo que lhe foi
tirado. Que as riquezas do Brasil e de Minas sejam para o seu povo!
__________________________________________________________________________
[1]
Auditora Fiscal de Tributos Municipais (aposentada), Especialista em
Direito Tributário, Economista, Auditoria Cidadã da Dívida, integra a
Red de Justicia Fiscal de América Latina y el Caribe e participa da
grande campanha internacional #quelastransnacionaispaguenlojusto; com a
colaboração de Rafael Machado, Geógrafo, Engenheiro Ambiental e Urbano,
Auditoria Cidadã da Dívida – Núcleo São Paulo.
[2] Sumário Mineral, DNPM – 2014 – http://www.dnpm.gov.br/dnpm/sumarios/sumario-mineral-2014.
[3] A Lei no 7.990, de 28/12/1989,definiu a base de cálculo da CFEM – www.planalto.gov.br
[4]
Portal do Jornal Estado de Minas: “As mineradoras estão entre os
maiores doadores da última campanha eleitoral. […] elas ocupam o quarto
lugar, perdendo apenas para alimentação, bancos e construção. Juntas,
doaram R$ 32,7 milhões para os 15 partidos cujos candidatos disputaram
uma vaga na Câmara, principalmente por Minas Gerais, Pará e Bahia,
maiores estados mineradores do
Brasil”-http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/11/15/interna_gerais,708080/mineradoras-financiam-politicos.shtml
[5]
TCU identifica falhas na fiscalização do DNPM em MG. Disponível em:
http://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-identifica-falhas-na-fiscalizacao-do-dnpm-em-mg-1.htm
[6]MG
respondeu por 68,8% da produção de ferro no Brasil, que atingiu 386,3
milhões de toneladas em 2013, ver Sumário Mineral 2014 (DNPM), link
citado nota2.
[7]Ver Encíclica do Papa Francisco Laudato Si -Sobre o Cuidado da Casa Comum.
[8]
Um barragem da Mineradora Samarco (propriedade da Vale S/A e da BHP
Billiton S/A) se rompeu provocando a morte de dezenas de pessoas,
destruição de povoados, e a “morte” do Rio Doce, prejudicando milhares
de pessoas residentes nas margens do rio à jusante das barragens
rompidas.Está sendo considerado o maior desastre ambiental do Brasil.
[9]Revista Mercado Comum, no 256, pag. 51 – www.mercadodcomum.com
[10] http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=581696
[11]http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente/Novo-Codigo-da-Mineracao-o-neoliberalismo-explicito-do-Congresso-Nacional/3/33769
[12] www.paguenlojusto.org