Sábado, 23 de janeiro de 2016
Do Outras Palavras
Por
Guilherme Boulos
Kim, da “Folha” é um garoto da ordem. Expressa, de forma confusa,
os anseios de uma classe média sem projeto nem visão de país, que
–sentindo-se insegura– busca apoio nas bengalas do conservadorismo
Por Guilherme Boulos
Quando questionado por sustentar ideais de igualdade e justiça social
aos 70 anos de idade, o saudoso Plínio de Arruda Sampaio (1930-2014)
respondeu: “Ficar velho não é virar velhaco”. Há pessoas que, mesmo
velhas, permanecem jovens de espírito. Abertas para o novo. E há outros
que, mesmo jovens, carregam os medos e preconceitos das velhas gerações.
Jovens, mas com o espírito de velhos rançosos. É o caso de Kim
Kataguiri, que lidera o MBL (Movimento Brasil Livre) e tornou-se agora
colunista da Folha.
Não é exatamente uma surpresa a Folha tê-lo contratado. A
maior parte de seus colunistas é liberal em economia e politicamente
conservadora, assim como sua linha editorial. Neste quesito, Kim estará à
vontade.
Talvez a surpresa de muitos seja por conta de seu despreparo, mais do
que por sua posição política. Difusor de piadas machistas, com discurso
repleto de argumentos rasos e com uma prepotência própria de quem ainda
não recebeu a notícia, Kim não está qualificado sequer como uma voz
coerente da direita.
Mas o que de fato surpreende é ver Kim e seu MBL tratados por alguns
como representantes do “novo”, do autêntico espírito de revolta da
juventude contra a velha política. Na verdade, eles são precisamente o
contrário disso.
Há uma percepção cada vez mais ampla de que estamos vivenciando a
crise de uma época. De que este sistema político é incapaz de
representar as maiorias. De que este modelo econômico só atende aos
interesses privilegiados do 1%. Daí uma série de movimentos que nasceram
nos últimos anos com ojeriza à velha política e clamando por
transformações profundas.
Como o movimento Ocuppy Wall Street, lançado em Nova York (EUA), que
reuniu milhares de pessoas numa ocupação permanente em Manhattan, depois
estendida com protestos em várias cidades norte-americanas, contra a
ganância desmedida da elite financeira.
Como o 15M, quando o povo indignado espanhol tomou as ruas e praças
contra as políticas liberais de austeridade, os despejos em massa por
conta das hipotecas “subprime” (segunda linha) e a corrupção da “porta
giratória”. Dessa energia nasceu o Podemos.
Como também as grandes lutas dos estudantes chilenos por reformas do
ensino, que levaram multidões de jovens às ruas contra o modelo
liberal-privatista de educação, herança da ditadura de Augusto Pinochet
(1973-1990).
Esses ventos também chegaram por aqui: as ocupações de escolas em São
Paulo, as lutas contra o aumento das tarifas de transporte e as
batalhas cotidianas pelo direito à cidade, nos centros e periferias
urbanos, espalhadas pelo Brasil.
Poderíamos falar dos jovens do Ocupe Estelita, em Recife, que se
insurgiram contra a especulação imobiliária e a apropriação privada do
espaço público. Da resistência negra, no Capão ou em Ferguson (Missouri,
nos EUA), que expressa a revolta da juventude contra o extermínio
policial. Ou ainda da bela luta das mulheres –as mesmas que Kim comparou
a “miojo”– contra os projetos retrógrados do presidente da Câmara,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Aí está o novo. Por esses ares passa o legítimo sentimento de repulsa
à velha política, aos seus representantes e privilégios. Defender os
mecanismos sociais que produzem desigualdades, a ideologia meritocrática
e a repressão a quem luta é o que há de mais velho. É o programa da
ordem, sempre a postos para prestar seus serviços à Casa Grande.
Kim é isso: um garoto da ordem. Ergueu-se no rescaldo da crise do
petismo, expressando de forma confusa os anseios de uma classe média sem
projeto nem visão de país, que –sentindo-se insegura– busca apoio nas
bengalas do conservadorismo. As crises fazem surgir o novo, mas também
dão roupa nova ao velho.