Quinta, 8 de outubro de 2020
Quando a Petrobrás foi criada, o País produzia 2.700 bpd, enquanto o consumo nacional de derivados atingia 137.000 bpd, condição que mantinha o Brasil em uma desconfortável dependência da importação de produtos refinados. A missão da Petrobrás sempre esteve referida à busca da autossuficiência em petróleo e à garantia de abastecimento do nosso mercado interno. A produção de óleo, no início, ficou limitada pela insuficiência das reservas exploradas em campos terrestres, mas, as descobertas em águas profundas e no Pré-Sal viabilizaram a produção atual da Petrobrás, de 2,8 milhões de boe por dia.
A opção pela implantação de um parque de refino no País foi modelada para atender o nosso mercado interno pelo menor custo total e para reduzir a remessa de divisas para o exterior. A partir dos processos convencionais de destilação, as instalações de refino incorporaram, ao longo do tempo, unidades cada vez mais complexas, como FCC, HDT, HCC, TC, além da produção de lubrificantes, petroquímicos e fertilizantes. As características da demanda brasileira, a necessidade de processar petróleos de diversas origens e a introdução de biocombustíveis e gás natural no mercado exigiram a implantação de novas unidades industriais com tecnologia avançada, capazes de especificar combustíveis atendendo requisitos ambientais e dotadas de elevados índices de agregação de valor. Na esteira da construção do parque de refino brasileiro, floresceu uma indústria nacional que, em apenas duas décadas, tornou-se capaz de fornecer 80% dos bens e serviços requeridos pelos investimentos da Petrobrás no “downstream”.
Este breve histórico tem o objetivo de resgatar dois fatos muito importantes. O primeiro deles é que o parque de refino brasileiro é constituído por instalações modernas, atualizadas tecnologicamente, complexas e flexíveis, comparáveis, em seu conjunto, ao que há de melhor em todo o mundo. Podendo processar 2,4 milhões de bpd, está preparado para atender o sétimo maior mercado consumidor do planeta. O segundo fato relevante é que a Petrobrás, desde a sua criação, orientou o seu crescimento de forma integrada - do poço ao posto, como era costume dizer - e buscou adicionar valor ao petróleo mediante a produção de derivados, lubrificantes, petroquímicos e fertilizantes.
No futuro mais distante, o crescimento da demanda mundial será limitada por pressões ambientais, pela competição com energias limpas e gás natural e pela introdução do veículo elétrico no mercado. Neste cenário, caracterizado por preços mais baixos, as grandes petroleiras terão que se posicionar em modelos de negócios que permitam integrar as suas operações, agregar maior valor ao petróleo e ao gás, defender o seu “market-share” e diversificar as suas atividades. No nível estratégico, as palavras de ordem serão “integração” e “diversificação”.
O posicionamento estratégico da Petrobrás conferiu a ela uma importante vantagem comparativa com relação às petroleiras internacionais. De acordo com uma análise feita pelo economista Claudio da Costa Oliveira, a Petrobrás supera amplamente as duas maiores empresas de petróleo norte-americanas, ExxonMobil e Chevron, nos indicadores de geração operacional de caixa, liquidez corrente e saldo de caixa ao final do exercício. A Petrobrás sofreu menos com a queda do preço do petróleo, uma vez que as suas receitas, em sua maioria provenientes do refino, não estavam vinculadas a preços internacionais. Manteve, desde 2012, uma geração de caixa da ordem de US$26 bilhões, enquanto Exxon e Chevron caíram, em 2016, para US$22 e US$13 bilhões, respectivamente.
O desmantelamento do “downstream” da nossa indústria de petróleo está ocorrendo de forma precipitada, a toque de caixa, sem um planejamento que considere os interesses do Brasil e dos brasileiros. Afastados do mercado, os grandes grupos empresariais nacionais estão impedidos de participar dos processos de venda de ativos promovidos pelo governo. As oportunidades de negócios estão restritas a uma Babel de interesses de grupos estrangeiros, oriundos de todo o planeta, sem a obrigação de manter um mínimo de compromisso com o desenvolvimento nacional. No futuro, como de praxe, devolverão aos seus países de origem, no menor prazo possível, os investimentos aqui feitos. Trata-se, portanto, de um processo de desnacionalização da indústria brasileira de petróleo e gás, sob o pretexto de supostas e não comprovadas dificuldades financeiras da nossa maior empresa.
*Eugênio Miguel Mancini Scheleder é engenheiro aposentado da Petrobrás. Ocupou cargos de direção nos ministérios de Minas e Energia e do Planejamento, de 1991 a 2005.