Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 6 de junho de 2011

E a Princesa Vampira Jaqueladra Horroriz roubou novamente a cena

Segunda, 6 de junho de 2011
Republicado para atender leitores que solicitaram a inclusão das defesas de alguns dos acusados.

O Auto do Pesadelo de Dom Bosco, ópera de rua de autoria do maestro Jorge Antunes, foi apresentado ontem (5/6), domingo à tarde, na Praça do Cine Itapoã, no Gama-DF. O público gostou da apresentação e vibrou com os personagens. No caso, vibrar significou vaiar os papéis (papelões) que eles representaram. Veja a seguir os personagens que marcaram presença na praça do Gama.

Meirinho (ator, que representou o papel de antigo funcionário judicial, correspondente ao oficial de justiça de hoje), Burgomestres Leo Bardo Pro-Dente (tenor), Monarca Xaró Parruda (barítono), Suserano Paul Batávio (tenor), Ioarrín Kouriz (Rei do Gado, Senhor Bezerra d’Ouro —barítono), Reverendo Júnior Embromelli (barítino), Reverendo Benedictus Dormindo (barítono), Gran Vizir Ben no Início Tavares (barítono), Príncipe Augustus Baralho (tenor), Bruxa Ouvides Gritto (mezzo-soprano), Vassalo O Vilão Aires (tenor), Vassalo Rogê Rolices (tenor), Vassalo Borval da Bóza (barítono-baixo), Truão Pônei Nêmer (tenor), Princesa Vampira Jaqueladra Horroriz (soprano), Pajem Mano-a-Mano El Neto (barítono), Coro do Povo (20 pessoas). 

Veja a seguir algumas imagens da apresentação de hoje. Dê um clique nas imagens para abri-las em tamanho maior e em outra janela do navegador.

                              Foto: Gama Livre
Da direita para a esquerda: Ioarrín Kouriz, Vassalo Borval da Bóza (de óculos), Monarca Xaró Parruda, e Reverendo Benedictus Dormindo (o do orelhão).
Ioarrín Kouriz [barítono] se defendeu:
No meu gado ninguém toca.
Por que essa acusação?
Vocês fazem só fofoca
do bezerro de um milhão.

Eu adoro este meu povo:
ele sempre tem razão.
Eu me sinto ainda novo
pra enfrentar nova eleição.

Meu discurso, em cada estrofe,
vai empolgar a multidão.
Seu eu perder é catrasfófe,
se eu ganhar é salvação.

Eu envio aos inimigos
meu abraço e meu perdão. 
Aos amigos mais antigos
mando beijo ao coração.



                                                                    Foto: Gama Livre
Da direita para a esquerda: Reverendo Benedictus Dormindo (cantando), Bruxa Ouvides Grito, Vassalo Borval da Bóza (de óculos), Vassalo Rogê Rolíces.
O Reverendo Benedictus [barítono] se defendeu das acusações:

Para que tanta indisciplina?
Não tô no mundo da lua!
Falam que ganhei propina,
dizem que fiz falcatrua.

Pensei que ninguém sabia
da verdade nua e crua.
Descobriram porcaria,
mas a luta continua.

Mas ficou muito bonito
o asfalto desta rua.
Mas será o benedito?
E a luta cotinua!

Com a força da igreja
a maldade só recua.
Canto em dupla sertaneja
e a luta continua.
                                           Foto: Gama Livre 
Vassalo Rogê Rolíces.
Ele, tenor, mandou a voz:
 
Quê que é isso? E o meu boneco?
Vou ter que jogar no ralo?
Companheiro de boteco,
sou fiel, eu sou vassalo.


Todos querem me cassar:
não vou mais cantar de galo.
Vou então ter que cortar o meu rabo-de-cavalo.


Eu pensei que o recesso fosse um ótimo intervalo.
Do mandato me despeço,
pois o povo vai cassá-lo.

                                                                Foto: Gama Livre 
Da Direita para a esquerda: Monarca Xaró Parruda, Vassalo Borval da Bóza, Gran Vizir Ben no Início Tavares, Bruxa Ouvides Grito e Reverendo Benedictus Dormindo.
E o Gran Vizir Ben no Início Tavares [barítono] também se defendeu:
Moça de cabeça oca
lá no barco ancorado.
Ela então caiu de boca,
eu fiquei bem sossegado.

A barcaça afundou,
não pude sair a nado.
Ela nem soube que sou
um honesto deputado.

As propinas que ganhei
foi pra gente do meu lado.
Escrevi bastante lei.
Eu não posso ser julgado.

Também a Bruxa Ouvides Grito [mezzo-soprano], que aparece na foto acima ao lado do Reverendo Benedictus Dormindo, soltou a voz:
Vocês pensam que sou bruxa.
Toda gente, nessa orgia,
logo falo, desembucha:
sou a voz da maioria!

Eu fui uma professora,
forte fui na Academia.
Eu cheguei a ser Doutora,
eu vivi muita alegria.

Na política eu entrei,
abracei a burguesia.
A carreira acabei
pra fazer demagogia.

Defendi Educação,
já sonhei com utopia.
Comecei na religião,
acabei na vilania.

A verdade vem depois:
candidata em agonia
logo enche o caixa-dois
e a vergonha logo esfria.

Não sou ave de rapina!
Pra que tanta rebeldia?
Na bolsa, pouca propina.
Muito pouco em recebia.


O Reverendo Júnior Embromelli [barítono] também se defendeu, mas, como todos os outros acusados, foi condenado no final:
Meus irmãos, povo querido,
sou um grande homem de bem.
Se me chamam de bandido
digo amém, amém, amém.

A oração que faço agora
não me rende um vintém.
Mas se a grana vem na hora
digo amém, amém, amém.


Quando faço a oração
sem propina, sou ninguém.
Se me pagam comissão
digo logo: amém, amém, amém!


Não mereço pontapé,
a propina me faz bem.
É o dízimo da fé
que me faz dizer: amém!


                                                             Foto: Gama Livre 
Mais uma imagem de Ioarrín Kouriz e o Monarca Xaró Parruda e seus seguidores.

                                          Foto: Gama Livre 
Maestro Jorge Antunes, autor do Auto do Pesadelo de Dom Bosco, regendo a orquestra.

                                                                 Foto: Gama Livre   
Cena do Auto do Pesadelo de Dom Bosco

                          Foto: Gama Livre
O Gama Livre flagrou o Burgomestre Leo Bardo Pro-Dente com dinheiro na meia.
Ele, além de botar a grana na meia e na cueca, soltou o vozeirão de tenor:
 Essa gente me maltrata,
essa gente pisoteia.
Não mereço a chibata,
não mereço a cadeia.


Vejo tanto manifesto,
essa gente alardeia.
Eu não roubo, sou honesto,
eu não tomo coisa alheia.


O monarca me chamou,
fui no canto da sereia.
Um esperto me filmou
e a coisa ficou feia.


A minh'alma é pura e bela,
tenho sangue bom na veia.
Sou prudente com cautela,
causa justa me norteia.


Minha conta lá no banco
tem milhões, está bem cheia.
Só trabalho. Sou bem franco:
pouca grana pus na meia.


E o que cantou o Monarca Xaró Parruda? Com sua voz de barítono exaltou os encantos do panetone:
Eu venci de modo fácil,
eu cheguei como um ciclone.
Cada pobre no palácio
ganha leite e panetone.


Nem aqui e nem na China
vai ter lei que destrone.
Cada pobre é como um cão
esperando um panetone.


Qaundo o pobre vê promessa
bota a boca no trombone.
Distribuo bem depressa
um montão de panetone.


Mesmo assim com a tortura,
mesmo que decepcione,
vou mudar a conjuntura
com meu choro e o panetone.


Mas quem roubou mesmo a cena foi a Princesa Vampira Jaqueladra Horroriz [soprano] e seu Pajem Mano-a-Mano El Neto [barítono].
Ó meu Deus, Nossa Senhora,
esse povo é atrevido.
Me pegaram só agora,
está tudo distorcido.


Coitadinho, meu papai
também já se viu traído.
Eu me vi num vai-não-vai,
então fui pr'outro partido.


A denúncia vem depois
de estar tudo resolvido.
É preciso caixa-dois
pra ter voto merecido.


Deputado Distrital,
eu lutei pelo oprimido.
Mas agora, Federal,
vou fazer muito ruído.


De casa da mãe-joana
fui pra casa de bandido.
Não peguei aquela grana:
quem pegou foi meu marido.


Assim se manifestou no final o Juiz Voxprópolis [barítono]:
Nós ouvimos bem atentos
preleções de cada réu.
Percebi triste momentos
de uma torre de babel.

Muitos chegam ao cinismo
de entrarem num papel
de assumido banditismo
e de roubo a granel.


Um lançou forte veneno
como feia cascavel.
Outro fala, obsceno,
de uma prática infiel.


Tem até dissimulado,
que antes do papel cruel
já havia envergonhado
violando o painel.


Eu condeno o bando novo,
criminosos de aluguel
cá trazidos pelo povo
que não teme o tropel


Todo o povo desta aldeia
bem merece um lauréu.
Os réus vão para a cadeia,
pro povo eu tiro o chapéu.


Por fim, o Coro do Povo:
De pé, cidade envergonhada!
Seu povo quer paz e honestidade.


Esta cidade
da inovação,
quer civilidade,
quer libertação.


Contra o desmando,
a exploração,
fora o bando
da corrupção!


Vamos além!
Seja onde for,
prendam também
o corruptor.


Nossa cidade
especial,
quer igualdade
e justiça social.

("não cai o pano, porque na rua não tem panos, nem nada por baixo dos panos: só nos gabinetes tem coisas por baixo dos panos")
FIM 

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