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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

O Japão entra numa nova recessão

Quinta, 20 de novembro de 2014

A fórmula de aumentar os impostos e injetar dinheiro na banca fracassou ao não conseguir impulsionar uma recuperação significativa. Com isto, gerou-se mais incerteza nas economias europeias.
Por Marco Antonio Moreno, El Blog Salmón
PIB do Japão 1970-2014
A inesperada contração do PIB trimestral do Japão mostra que o fracasso das políticas monetárias não é um exclusivo de Europa. O país do sol nascente voltou a entrar em recessão (uma vez mais) deitando por terra os planos de recuperação incluídos nas propostas de Shinzo Abe, o primeiro-ministro nipônico que assumiu a chefia do governo há dois anos prometendo uma mudança radical das políticas econômicas e garantindo que retiraria o país de duas décadas de má fase. A estratégia pouco ortodoxa de disciplina fiscal e flexibilização quantitativa era olhada com interesse pela Europa, dado que podia converter-se no roteiro dos países europeus que procuram subir impostos para escapar à pandemia dos desequilíbrios fiscais. No entanto, a fórmula de aumentar os impostos e injetar dinheiro na banca fracassou ao não conseguir impulsionar uma recuperação significativa. Com isto, gerou-se mais incerteza nas economias europeias que ficam agora sem um modelo a seguir. Fica claro que a injeção de dinheiro dos bancos centrais não é uma prática que gere impulso econômico, dado que apenas aumenta a desigualdade porque esse dinheiro apenas chega aos banqueiros e aos mais ricos.

A economia do Japão contraiu-se 1,6% no terceiro trimestre, iniciando a quarta recessão desde 2008. O número surpreendeu porque foi muito pior do que todas as previsões e acentuou a desastrosa contração do trimestre anterior quando a economia desabou -7,3%. Shinzo Abe, que assumiu o poder há dois anos com a promessa de arrancar o Japão da letargia econômica, convocou terça-feira eleições antecipadas.

A situação do Japão interessa porque a economia nipônica continua a ser a terceira maior do mundo, depois dos Estados Unidos e da China, e esperava-se que as propostas da Abenomics (chamadas assim pelo entusiasmo econômico com que Shinzo Abe iniciou o seu mandato há dois anos) proporcionassem uma luz de ideias que iluminaria a escuridão da economia mundial. No entanto o plano fracassou porque o aumento de impostos em plena crise nunca foi uma boa ideia.

Uma receita de curto alcance
A ideia da Abenomics para impulsionar a economia era usar estímulos em massa do Banco do Japão e um programa de reformas estruturais do governo. Pretendia-se melhorar os salários e diminuir o valor do iene com uma portentosa guerra de divisas para melhorar a competitividade nipônica nos mercados mundiais. A receita resultou nos primeiros meses de 2013, enquanto os preços das ações dispararam.

A agressividade das propostas de Shinzo Abe acusa fadiga e a recuperação econômica perdeu impulso. O resultado é que o potencial real da economia não melhorou, como também não melhorou o bem-estar da família japonesa média. Também não avançaram os salários, enquanto os preços aumentaram.

Se alguma coisa confirma a situação atual do Japão, é o efeito nulo que têm as políticas dos bancos centrais para impulsionar a economia. Apesar da torrente de dinheiro injetado no sistema financeiro, a economia de Japão continua na senda do estancamento, dada a brutal desconexão que existe entre o sistema financeiro e a economia real. O Japão é um claro antecedente do que espera a Europa, que deixou a resolução da crise em mãos dos banqueiros centrais. A fadiga destas políticas e a sua erosão nas engrenagens da economia produtiva começa a ver-se também nos Estados Unidos.

Deixar a tarefa da crise a um sistema financeiro que coabita com a corrupção e a banca na sombra só alimentou o estancamento de longo prazo. A lição é que nenhum plano de políticas monetárias pode funcionar se não forem aplicadas antes profundas reformas no sistema financeiro. A experiência do Japão obrigará os líderes europeus a acelerar as reformas do sistema financeiro (deve servir à economia real e não servir-se a si mesmo), se é que não desejam que a Europa siga novamente a senda do Japão, com duas décadas perdidas.
18 de novembro de 2014

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net