Segunda, 16 de novembro
de 2015
Por Mauro Santayana
Foram lamentáveis e
brutais, sob todos os aspectos, os atentados ocorridos em Paris, que
acarretaram centenas de mortos e feridos inocentes, franceses e estrangeiros.
Nas horas que se
seguiram, na frágil cobertura da TV estatal francesa, que parecia só dispor de
uma equipe e entrava, ao vivo, em contato, por telefone, com o seu repórter que
estava no interior da Boate Bataclan, o foco foi mantido na solidariedade e na
reação das autoridades e do governo.
O Primeiro Ministro
François Hollande, com a mesma expressão de perplexidade mostrada por George
Bush em suas primeiras declarações no dia do atentado às Torres Gêmeas,
declarou que a França permanecerá unida, e que ela será implacável em sua
resposta ao EI, o Exército Islâmico - o grupo terrorista que assumiu a autoria
dos ataques - e que serão tomadas medidas de segurança para que a situação não
se repita.
A retórica, dos
jornalistas e do governo, é a única resposta que pode ser dada pelos franceses
à situação de absoluta vulnerabilidade e impotência em que a França se meteu,
ao intervir em outros países.
Uma retórica que serve
para disfarçar – com a costumeira cortina de fumaça e de maniqueísmo – a crua e
implacável realidade em que Paris se encontra, do ponto de vista desses
ataques, e das escolhas que fez, nos últimos anos, em sua política
externa.
Em primeiro lugar,
porque há muito pouco que a França possa fazer para evitar novos atentados.
Se seus autores forem
apanhados, outros os substituirão, vindos de fora, ou recrutados na periferia
das grandes cidades francesas, onde muitos jovens, filhos de emigrantes,
precisam apenas de um pretexto para fazer explodir seu ressentimento e sua
frustração com a miséria e o desemprego, ou a falta de perspectivas de futuro,
em um continente onde não se sentem bem-vindos, assombrado pela decadência e a
crise, onde a extrema direita floresce, alimentada pela xenofobia, o racismo e
o preconceito.
Em segundo lugar,
porque, por mais que sejam terríveis, para todos nós, e para as famílias
enlutadas, os atentados em Paris em nada diferem, em suas conseqüências
humanitárias, daqueles que ocorrem, todos os dias, em dezenas de lugares no
Afeganistão, no Norte da África e no Oriente Médio.
Por lá, pessoas
explodem, a qualquer momento, ou são fuziladas, decapitadas, estupradas, às
dezenas, por terroristas originalmente armados pelas mesmas potências
“ocidentais” que estão sendo atacadas agora - e por pseudo “democracias”, como
a Arábia Saudita onde adúlteras são punidas a chibatadas e mulheres não podem
sair de casa sem véu nem um homem que as vigie – com o intuito de derrubar
governos em países, que, independente da orientação política de seus regimes,
viviam em situação de paz e estabilidade.
No entanto, esses
atentados, em outras partes do mundo, não merecem matérias especiais de meia
hora na televisão brasileira – afinal, é melhor que nos identifiquemos com a
“civilização” que queremos emular e com a “democracia” que queremos emular - é muito
mais conveniente, do ponto de vista do discurso de doutrinação ideológica
eurocêntrico e neoliberal, discutir a dor das famílias e as medidas de
segurança – absolutamente inócuas, diga-se de passagem - que devem ser
supostamente adotadas - do que revelar ao público o que está realmente por trás
dos acontecimentos.
Nem se vêem nas
camisetas e nos cartazes que rezam “Je suis Paris”, em várias partes do mundo,
espaço para frases como “Je suis Syrie”, porque, claro, são muito mais importantes
as mortes de Paris, do que aquelas que ocorrem, literalmente, há anos, para lá
de Bagdá, em lugares como Basra, Karbala ou Ramadi.
Finalmente, a pergunta
que não quer calar, é a seguinte: se Saddam Hussein e Muammar Kaddafi – com
todos seus eventuais defeitos - estivessem no poder e a Síria gozasse da mesma
situação de estabilidade que tinha antes do início – estimulado pelo “ocidente”
– do trágico engodo da “primavera árabe”; se os EUA – aliados da França – não
tivessem armado terroristas para atacar Damasco - os mesmos assassinos
que hoje militam e são a espinha dorsal do Estado Islâmico - os atentados
de Paris teriam ocorrido?
Capitais europeias não
eram atacadas antes da promulgação da “Guerra ao Terror” pelos Estados
Unidos, nem da “primavera árabe”, que gerou milhões de mortos e refugiados, com
a destruição de centenas de cidades; nem antes do envolvimento da OTAN, a
serviço dos EUA, com bombardeios na Líbia e em outros lugares - contra governos
que antes eram tratados, hipocritamente como aliados pelo “ocidente” - em
países em que crianças iam uniformizadas e bem alimentadas à escola todos os
dias, e não caçavam, para comê-los, ratos entre os escombros de suas
casas, como agora.
Nunca é demais lembrar
que quem planta vento, colhe tempestade.
Que os novos atentados
de Paris - e o pânico com os falsos alarmes que se seguiram - sirvam de alerta
ao Brasil - país em que convivem, em harmonia, judeus e muçulmanos, e gente de
todos os lugares do mundo - que, estimulado pela doutrina da repressão
policialesca e pelo desejo de ser mais realista que o rei de “especialistas”
que cresceram vendo enlatados de espionagem norte-americanos, está se
metendo a “gato mestre”, criando leis “antiterroristas”, que podem nos fabricar
inimigos onde nunca os tivemos.
Leis que são, como
podemos ver, pela vulnerabilidade e impotência dos países que as adotam, tão
supérfluas quanto inócuas e estúpidas.