Sábado,
7 de novembro de 2015
Da
Tribuna da Internet
Jorge
Béja
Por mais de quarenta anos seguidos advoguei exclusivamente
na defesa de vítimas. Foram mais de três mil ações indenizatórias na Justiça,
sempre na defesa dos vitimados: chacina da Candelária, desabamento do viaduto
da Avenida Paulo de Frontin, erros médicos, mau atendimento nos hospitais,
queda do edifício Palace II de Sérgio Naya, mortes no Maracanãzinho, Bateau
Mouche, assassinatos de detentos nas penitenciárias, “bala perdida”,
acidentes automobilísticos, ferroviários e aéreos, atropelamentos…
Em Novembro de 1993, a jornalista Márcia Vieira, então
repórter da Revista Veja (hoje, Márcia trabalha no O Globo), escreveu, na
matéria de capa e de 7 páginas de conteúdo que assinou com Marceu Vieira
e publicou na edição nº 46, ano 26 da Veja-Rio: “Onde tem uma tragédia lá está
o Béja para defender as vítimas”. E Márcia me perguntou: “Sente-se cansado?”.
“Exaurido. Cada cliente que vem ao meu escritório é uma lágrima derramada”,
respondi.
Então, em 2010, decidi parar para não definhar de vez. Mas
diante dessa tragédia de Mariana, me vejo no dever de escrever. Não posso me
calar. As vítimas precisam conhecer seus direitos e os responsáveis seus
deveres.
DANOS PESSOAIS E COLETIVOS DURADOUROS
O título deste curto, resumido e doloroso artigo já diz
tudo: a indenização precisa ser a mais ampla, a mais abrangente, geral,
completa e irrestrita. Sem delongas e paga imediatamente. As vítimas não podem
esperar. A medida dessa tragédia não está no número de mortos, mas na
devastação que causou. Arrasou cidades (ou distritos) inteiras. Tudo que
encontrou pela frente a lama destruiu. Os vitimados perderam suas identidades e
suas referências. Perderam tudo. E os que sobrevivem em tais condições não
passam de mortos-vivos. E sem aviso-prévio, sem meios de se defenderem, eles
perambulam, de um lado para outro, se é que ainda encontram força, física e
emocional.
São esses danos, pessoais, materiais e imateriais, somados
aos danos coletivos (cidade que desaparece do mapa traz imenso sofrimento a
todos que eram seus habitantes) e aos irreversíveis danos ambientais, que
levarão décadas para serem minimamente compostos, é que dão a dimensão dessa
tragédia. Mas a experiência de quem conhece muito bem essas situações antecipa
que os vitimados não terão o amparo, imediato e espontâneo de quem tem o
indeclinável dever de prestá-lo. Quem não se lembra da tragédia de
Teresópolis? Foi um fenômeno da natureza, com a concorrência de culpa da
administração pública. Até hoje, anos depois, as indenizações não foram pagas e
a parte atingida da cidade não foi reconstruída.
QUEM É O RESPONSÁVEL
O dever de indenizar é indiscutível. E a responsável nº 1
(caso não seja a única) é a empresa mineradora. Ela exercia atividade de risco.
E para o Direito, quem executa atividade de risco e dela tira proveito
econômico (risco-proveito) é indiscutivelmente responsável pela reparação do
dano que causar a terceiro. Onde está o ganho, o lucro, é aí que reside o
encargo (ubi emolumentum, ibi onus). Quem colhe os frutos da exploração de
atividade perigosa deve assumir as consequências prejudiciais que dela
decorrem.
É inútil e sem cabimento levantar agora a possibilidade da
tragédia ter acontecido por causa de “abalos sísmicos” de pequena magnitude!!
De grande ou pequena magnitude, o princípio jurídico do Risco assumido com a
exploração de atividade perigosa, absorve a causa fortuita (abalos sísmicos, no
caso). Em suma: não tem lugar a Teoria da Imprevisão, isto é, a excludente de
responsabilidade por motivação de caso fortuito ou de força maior, quando a
atividade econômica causadora do dano se inclui no elenco daquelas denominadas
“atividade de risco”. Apenas para ilustrar, duas outras atividades de
risco (entre muitas) que impõem o dever de reparar qualquer dano, sem discussão
em torno da culpa, são a exploração de energia elétrica e o fabrico, guarda e
transporte de material nuclear.
Chamo a atenção para a questão da prescrição, que é curta
demais. O prazo para dar entrada na Justiça com as ações de indenização é de
apenas 3 (três) anos, a contar do dia do acidente. Após, nada mais poderá ser
feito. O direito de recorrer à Justiça estará prescrito. Não poderá mais ser
exercido.
NÃO PRECISARIA SER TÃO DEMORADO
Mas haverá ações judiciais, demoradíssimas. Levarão uma
eternidade, apesar do empenho de defensores públicos, advogados, promotoria
pública e da magistratura. O bom e justo seria, a partir de ontem, a empresa
mineradora responsável (e com responsabilidade e dignidade) chamar cada
vítima, cada conjunto familiar vitimado e deles obter uma lista de todos dos
bens materiais que perderam. E imediatamente ressarci-los, sem delonga, sem
contestação, sem duvidar, mas sempre acrescendo verba a título de dano moral.
Em tais situações, a palavra da vítima é suficiente. É
presumidamente verdadeira. Isso, sem prejuízo da expedição de ordem judicial
assinada pelos juízes das comarcas atingidas, tornando indisponíveis todos os
bens da empresa mineradora e de seus sócios, bem como o bloqueio de todas as
suas contas bancárias, para garantir o pagamento das indenizações, cujo valor
será astronômico, sem que se tenha a certeza da existência de lastro para
cobri-la.
DOIS PRECEDENTES OPOSTOS
Lembro duas tragédias aqui no Rio de Janeiro, em que
advoguei para as vítimas: Bateau Mouche e Palace II de Sérgio Naya. O primeiro,
o naufrágio da embarcação Bateau Mouche no Réveillon de 31.12.1988 (55 mortos).
As indenizações fixadas pela Justiça ainda não foram pagas, perto de 27 anos
depois. Há ações pendentes na Justiça. O segundo, o desabamento do Palace II,
em 22.2.1998, na Barra da Tijuca.
Certo dia o deputado federal Sérgio Naya ligou para meu
escritório. Não o conhecia, nem ele a mim. Naya me pediu que reunisse todas as
vítimas que defendia, que fizesse uma relação das perdas e sua estimativa em
dinheiro e mandasse para o advogado Doutor Nilo Batista . Então, me reuni com
todos e atendemos. Foi o suficiente. Naya pagou de uma só vez. E junto com o
pagamento me presenteou com um livro, porque eu nada cobrei de honorários
advocatícios de meus clientes. Espera-se da consciência do(s) responsável(veis)
por essa tragédia de Mariana o mesmo gesto que Naya teve com meus constituintes
e clientes. Socorro, sem delongas e sem malandragem.