Domingo, 1º de novembro de 2015
Excelente artigo publicado na Tribuna da Bahia
Por Paulo Roberto Sampaio
Desconfio que estou virando um brasileiro padrão.
Indolente, acomodado, conformado. Posso ser enquadrado num dos muitos
personagens da lenda urbana tão bem descrita na obra de Jorge Amado ou fisgado
do cotidiano do imortal mestre João Ubaldo Ribeiro. Pouco importa.
Na essência sinto-me assemelhado àquele descrito por Ruy
Barbosa: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a
desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a
ter vergonha de ser honesto".
Olho à minha volta e vejo muitos com esse perfil.
Anestesiados pelo cotidiano de violência, da desonra, da roubalheira
desenfreada. Indiferentes. Nada parece indignar mais.
Cheguei a essa conclusão finalizando a edição da primeira
página da Tribuna de sábado, após um inesquecível fim de tarde que
entrou pela noite sorvendo da inteligência dessa rara e incansável mulher, a
desembargadora federal e magistrada Maria Adna Aguiar, futura presidente do TRT
da Bahia, a quem fui entrevistar para nossa página 3 de ontem.
Tinha colocado no alto da página, numa espécie de
manchetinha, onde destacava que até o emprego de Papai Noel estava ameaçado.
Uma alusão ao desemprego que avança e já colocou 1 milhão e 200 mil brasileiros
no olho da rua.
Dei como manchete principal a perspectiva da Ferrovia
Oeste/Leste ficar pelo caminho, servindo, quando muito, para que vague por seus
trilhos um trem fantasma a descarrilhar na miragem de um terminal marítimo em
Ilhéus que, por enquanto, existe só no papel. Uma Transamazônica nordestina, a
ser contemplada com espanto, não pelos índios, mas pelos sertanejos.
Tratei de refletir o desânimo do atacante Kieza, do Bahia,
suspenso por 3 jogos, justo ele que parece ser o único que sabe fazer gols no
time e assim fui, até que sobrou um espaçozinho no pé da página.
Olhei para as cinco ou seis chamadas que não haviam
conseguido espaço na página e, confesso que, com um certo desdém, peguei uma
que apontava a nova constatação feita pelo procurador geral da República,
Rodrigo Janot, de que o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e o PP
haviam se lambuzado e farreado até se empanturrar de verdade com a diminuta
fortuna de R$ 357 milhões, sugada dos dutos da empresa, que um dia já foi
orgulho nacional.
Botei no pé da página e nem texto usei, tamanha
insignificância da informação, afinal o que são hoje R$ 357 milhões desviados
para bolsos sempre suspeitos e abonados pelos malfeitos com o dinheiro
público?
Fui embora certo do dever cumprido, mas, cá pra nós,
remoendo se não havia amorcegado demais a notícia? Se não estava incorporando
demais a figura descrita há mais de um século pelo sábio Ruy?
Só me confortei no meio da madrugada, quando acordo
invariavelmente para conferir as manchetes e primeiras páginas dos concorrentes
e pude constatar que ninguém dera importância ao fato.
Daí, dia seguinte, revendo a página e refletindo sobre o
que fizeram com nosso país, sobre o poço de sem-vergonhice que engole nosso
Brasil, concluo que o sábio Ruy era, também, um visionário e dele extraio mais
umas duas pérolas centenárias, mais atuais do que nunca:
"Não se deixem enganar pelos cabelos brancos, pois os
canalhas também envelhecem", que se encaixa como uma luva pros Pizzolatos,
Costas e vários outros cabeças prateadas que se especializaram em assaltar os
cofres públicos da maneira mais desavergonhada possível.
E mais uma frase de Ruy, que conclamo você a refletir
comigo: "Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não
haver lutado".
E me pergunto e te pergunto: será que não estamos sendo
passivos, indolentes e tolerantes demais com a sem-vergonhice, o deboche e o
acinte dos Dirceus, Costas, Cerverós, Cunhas e portadores de outras alcunhas
mais?